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1.5.1 – HIPÓTESES DE NÍVEL COGNITIVO

De acordo com Nicolson e Fawcett (2010), o nível cognitivo fornece uma avaliação descritiva entre o cérebro e o comportamento. Psicólogos cognitivistas têm desenvolvido uma gama de técnicas para descrever os tipos de processos e estruturas conceituais que estão envolvidas nas tarefas processuais do dia-a-dia. Para ela, uma grande vantagem da descrição do nível cognitivo é que ela é acessível a todas as áreas e pode sugerir atividades apropriadas para dar suporte aos métodos (NICOLSON; FAWCETT, 2010, p.21). As hipóteses apresentadas no nível cognitivo são: déficit fonológico, duplo-déficit e dificuldade de aprendizagem.

a) HIPÓTESE DO DÉFICIT FONOLÓGICO

A consciência fonológica é uma habilidade metalingüística que envolve o conhecimento sobre os sons que compõem as palavras. Há dois níveis de consciência fonológica: o conhecimento silábico e o conhecimento fonológico. Em termos de aquisição da consciência fonológica, a habilidade de contar os fonemas em uma palavra desenvolve-se por volta do primeiro grau em leitores normais, mas a habilidade de manipulação destes fonemas é desenvolvida no segundo grau (NICOLSON; FAWCETT, 2010, p.22).

Segundo Alves (2011), a teoria do déficit fonológico é apontada como a mais comum (90% dos casos). De acordo com Ramus et al. (2003), os cientistas que defendem a teoria do

déficit fonológico afirmam que a dislexia é causada por um déficit cognitivo específico para a representação e processamento dos sons da fala. Ao nível do cérebro, este déficit cognitivo surgiria a partir de uma disfunção congênita de certas áreas corticais envolvidas na fonologia e na leitura.

Everatt e Elbeheri (2008) afirmam que essa perspectiva pode ter sido originada de uma evidência substancial de que as dificuldades no processamento fonológico, especialmente quando relacionadas à decodificação fonológica, têm sido um fator importante para a distinção entre disléxicos e não disléxicos, desde a alfabetização até a idade adulta. A formação inicial fonológica (juntamente com uma articulação adequada à ortografia e a experiência de alfabetização) melhora o aprendizado da palavra e reduz a probabilidade de dificuldades de alfabetização (EVERATT; ELBEHERI, 2008, p.430).

Os problemas fonológicos, para Nicolson e Fawcett (2010), podem ser, em seu âmbito, muito limitados. As pessoas podem ter traços de dificuldades fonêmicas e ainda assim ter perfeitas habilidades cognitivas em outros domínios (NICOLSON; FAWCETT, 2010, p.23). Lundberg e Hoien (2001) citados por Fawcett (2010), destacam os seguintes sintomas característicos de déficits fonológicos:

• Problemas em segmentar as palavras em fonemas;

• Problemas em manter o material linguístico (sequências de sons ou letras) na memória de curto prazo;

• Problemas na repetição de pseudopalavras21 longas;

• Problemas na leitura e escrita mesmo de pseudopalavras;

• Lentidão para nomear as cores, números, letras e objetos em quadros;

• Um ritmo mais lento de falar, algumas vezes com pronúncia indistinta;

21 Pseudopalavras - uma seqüência de caracteres compondo um todo pronunciável, sem qualquer significado

• Problemas em jogo com palavras onde o objetivo é a manipulação de fonemas.

Segundo a teoria do déficit fonológico, as crianças que têm dificuldade para distinguir sons dentro das palavras apresentadas verbalmente estão sujeitas a ter problemas de aprendizado com o princípio alfabético e, portanto, devem ser as crianças que têm maior probabilidade de serem disléxicas. No entanto, Everatt (2006) afirma que esta avaliação da consciência fonológica tem sido feita com tarefas usadas para diferenciar os bons e maus leitores, e suas capacidades de distinção em línguas de transparências diferentes (EVERATT; ELBEHERI, 2008, p.429). Portanto, quando se trata de crianças que precisam ser avaliadas com/sem necessidades de distinguir problemas de alfabetização e de ortografia linguística relativamente transparente, outras medidas, além das utilizadas especificamente para avaliar a consciência fonológica, podem ajudar melhor na identificação dessas dificuldades. A partir da perspectiva fonológica, as avaliações alternativas podem ser a de medidas de nomeação rápida ou de memória de curto prazo/memória de trabalho, uma vez que estas áreas de processamento também podem contar com habilidades fonológicas. No entanto, os cruzamentos das diferenças de transparências nas línguas representam uma ameaça potencial à universalidade do ponto de vista do déficit fonológico (EVERATT; ELBEHERI, 2008, p.430).

Segundo Everatt (2008), devido às pesquisas com outras línguas, manter o déficit fonológico como a principal característica da dislexia entre os idiomas, pode obrigar a teoria do déficit fonológico a ter de incorporar mais do que a fragilidade da consciência fonológica como uma característica do déficit. Também, a teoria ainda não forneceu uma explicação que inclua tarefas diferentes dentro do sistema de processamento fonológico (tais como velocidade de decodificação, memória de curto prazo), como ainda não apresentou dados sobre sua variabilidade na questão da alfabetização em diferentes línguas. Estudos

ortográficos cruzados, portanto, não podem apenas informar a prática da avaliação, mas também devem apresentar os pontos de vista teóricos acerca da causa potencial (ou causas) da dislexia.

b) HIPÓTESE DE DUPLO DÉFICIT

A falta de fluência em leitura é uma característica da dislexia, mas o déficit na velocidade do processamento da leitura também é apresentado em quase todos os outros estímulos (NICOLSON; FAWCETT, 2010, p.25).

Crianças disléxicas apresentaram fortes déficits de velocidade em tarefas como, por exemplo, dizer o nome de cada uma das figuras colocada numa página (figuras simples). Estudos realizados por Nicolson e Fawcett (1994) têm demonstrado que crianças disléxicas têm reações mais lentas para suas escolhas em relação a um tom auditivo ou um flash visual, na ausência completa de componentes fonológicos (NICOLSON; FAWCETT, 2010, p.25). Em relação ao domínio da leitura, os estudos realizados por Yap e van der Leij (1993) e citados por Nicolson e Fawcett (2010) afirmaram que crianças disléxicas precisavam de mais tempo para ler palavras conhecidas do que as crianças sem problemas precisavam, ambas com a mesma idade.

Em uma síntese dos problemas fonológicos e de velocidade, Wolf e Bowers (1999) citados por Nicolson e Fawcett (2010), propuseram uma alternativa de contextualização da dislexia do desenvolvimento, a hipótese de duplo déficit. Eles afirmam que o déficit fonológico e o de velocidade de nomeação representam duas fontes separadas de disfunção da leitura, e que a dislexia do desenvolvimento é caracterizada por ambos os déficits. A hipótese de duplo déficit se tornou uma das mais intensamente pesquisadas na dislexia, produzindo um

extenso corpo de dados que reproduzem seus resultados em uma variedade de idiomas (NICOLSON; FAWCETT, 2010, p.26).

Além disso, a incidência do duplo déficit é bastante grande, embora, naturalmente, varie de acordo com as características da língua em análise. Em uma amostra de leitores de língua inglesa com graves comprometimentos, Lovett, Stinbach e Frijters (2000) constataram que cerca de metade dos leitores tinha o duplo déficit, 25% demonstraram déficit de velocidade de nomenclatura e 25% demonstraram o déficit fonológico. Uma amostra similar feita com crianças falantes de hebraico demonstrou que 96% delas apresentaram o duplo déficit e apenas 4% apresentaram déficit fonológico. Do ponto de vista teórico, a hipótese de duplo déficit fez com que houvesse um maior impacto nas pesquisas sobre o tratamento da leitura (NICOLSON; FAWCETT, 2010, p.26).

A hipótese do duplo déficit atende à necessidade da fluência em leitura, uma vez que o treino fonológico raramente conduz a melhoria da fluência, pois enfatiza a importância na aquisição da consciência fonológica. Para atender às necessidades de fluência dos disléxicos, Wolf (1999), citado por Nicolson e Fawcett (2010) sugere que se deve considerar o papel da fluência no desenvolvimento da leitura, uma área que se destacou na década de 1990. Ela defendeu uma abordagem alternativa para o suporte fonológico, onde as sub-habilidades de leitura são divididas e praticadas até a fluência.

Estudos recentes têm mostrado que o déficit fonológico e o déficit de velocidade tendem a co-ocorrer e, portanto, não podem ser independentes. Ramus (2003), citado por Nicolson e Fawcett (2010), diz que

De fato, além da consciência fonológica, os disléxicos têm pelo menos dois outros grandes problemas fonológicos: um se refere à nomeação rápida (de imagens,cores, números ou letras) e o outro se refere à memória de curto prazo verbal, nenhum dos quais pode-se dizer que dependem de leitura ... em geral, deve ser salientado que a fonologia não se reduz à consciência, à

nomenclatura e à memória e, consequentemente, muitos aspectos fonológicos dos disléxicos precisam ser investigados.22

Em termos de análises da complexa relação entre a memória de trabalho, velocidade de processamento e habilidades verbais, a mais compreensiva abordagem tem sido a de Demetriou e seus colegas (2002). Conforme citação feita por Nicolson e Fawcett (2010), Demetriou representou uma arquitetura do desenvolvimento mental como um cilindro com três camadas (como três anéis): a) três capacidades essenciais (velocidade, memória de trabalho e controle cognitivo); b) o sistema hipercognitivo (habilidades metacognitivas); c) sete esferas de capacidade especializadas, incluindo o pensamento espacial, verbal/social e numérico. Dentro destas camadas, há quatro níveis de desenvolvimento, seguindo o modelo piagetiano (sensório motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal). Um extensivo estudo longitudinal, usando tarefas designadas para explorar as diferentes dimensões das capacidades essenciais citadas acima, levou à conclusão que esta arquitetura consegue capturar os dados de forma relevante. Logo, este modelo pode auxiliar na investigação do duplo déficit, apresentando dados consistentes para a análise.

c) HIPÓTESE DO DÉFICT DE AUTOMATIZAÇÃO

Para entender as dificuldades de aprendizagem, uma pesquisa teórica desenvolvida por Nicolson e Fawcett (1990) buscou uma alternativa para tentar explicar o que faltava nas teorias de aprendizagem sobre os próprios processos de aprendizagem. Este trabalho está relacionado com o déficit de automatização. Num outro estudo, eles exploraram a hipótese de que, se houvesse um problema no processo de aprendizagem geral, surgiriam problemas com outras habilidades adquiridas não relacionadas à alfabetização. Afirmaram que problemas na

22

Indeed, beyond phonological awareness, dyslexics have at least two other major phonological problems, in rapid naming (of pictures, colors, digits or letters) and verbal short-term memory, neither of which can be said to rely on reading… more generally, it must be pointed out that phonology does note reduce to awareness, naming and memory; consequently many aspects of dyslexics’ phonology remain to be investigated.

habilidade motora e até mesmo no equilíbrio não são sutis e tendem a mostrar-se especialmente em circunstâncias às quais são solicitados aos participantes a realização de duas tarefas ao mesmo tempo, sendo que estes não foram capazes de se concentrarem totalmente sobre o equilíbrio. Nicholson e Fawcett propuseram, então, que as crianças disléxicas tinham uma habilidade incompleta de automatização e necessitariam compensar isso conscientemente (NICOLSON; FAWCETT, 2010, p.28).

Em uma série de estudos no início da década de 1990, Fawcett e Nicholson apresentaram um quadro de crianças disléxicas que mostraram déficits severos em uma série de habilidades. Estes déficits incluíam equilíbrio, habilidade motora, habilidade fonológica e velocidade de processamento. Além disso, a maioria das crianças disléxicas mostrou problemas em todas as áreas, ao contrário de crianças não disléxicas. Esse padrão de dificuldades é consistente com a hipótese do déficit de automatização dos disléxicos, que afirma que as crianças disléxicas sofrerão problemas na fluência de qualquer habilidade que se torna automática com a prática extensiva (NICOLSON; FAWCETT, 2010, p.29).