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2.2 – TEORIA MUSICAL E DISLEXIA

Existe um número considerável de pesquisas que apontam evidências de que as crianças que sofrem de dislexia podem ter um déficit na automatização das habilidades cognitivas e motoras gerais. A hipótese do déficit de automatização, vista no capítulo 01, pode explicar alguns comportamentos que não são facilmente explicados pela hipótese dominante sobre a dislexia, a hipótese do déficit fonológico. Um dos argumentos interessantes da hipótese do déficit de automatização é que ele prevê que as pessoas com dislexia são propensas a ter problemas na aprendizagem que não envolvem a leitura por si só. Em relação à música, tarefas que envolvem leitura, como aprender a ler notas musicais, são bastante interessantes para uma análise porque o seu processo é análogo à aprendizagem do alfabeto. Tanto o sistema alfabético como o sistema de notação musical são baseados em convenções arbitrárias e associações.

Jaarsma et al. (1998) afirmam que, caso a previsão de que as crianças disléxicas tenham dificuldades em aprender a notação musical seja confirmada, a hipótese do déficit de automatização será apoiada e, de um ponto de vista prático, pode melhorar as técnicas para o ensino de música para crianças disléxicas. Afirma ainda que pesquisas científicas sobre a relação entre a dislexia e a dificuldade em aprender notação musical são muito raras, o que poderia ser diferente, já que os “problemas na automatização da associação dos grafemas/fonemas parece ser um obstáculo necessário para o processo de aprendizagem associativa, imprescindível no ensino musical” (JAARSMA et al., 1998, p.138).

No artigo “Music teacher needs your help”, Atterbury (1984), citado por Jaarsma et.

al. (1998), descreve a falta de comunicação entre os professores de classes regulares e os

educadores musicais em relação à aprendizagem das crianças com deficiências, bem como o desconhecimento dos objetivos educacionais uns dos outros, a curto e longo prazo, para seus alunos. Ele descreve, também, problemas específicos que as crianças com dificuldades de aprendizagem podem ter com a notação musical por causa dos excessivos materiais visuais e os formatos confusos. Afirma, ainda, que qualquer criança com um déficit de leitura pode ter problemas, não só em leitura de música, mas também com o layout físico da página.

Embora o artigo de Atterbury (1984) tenha sido publicado há alguns anos, poucos estudos foram feitos para documentar a relação entre a dislexia e as dificuldades em aprender a notação musical, ou ainda para identificar as dificuldades das crianças disléxicas nas experiências musicais na escola.

Jaarsma (1998) cita Hubicki (1994), que descreve algumas das dificuldades das pessoas com dislexia quando estão aprendendo notação musical. Ela destaca as dificuldades no processamento das informações, que incluem símbolos referindo-se à altura e duração das notas e palavras que representam a expressão e os sinais de interpretação (fig. 01).

Figura 06 – Trecho de partitura “Le petit negrè – Claude Debussy

Hubicki (1994) afirma que esta notação representa uma dificuldade especial para os disléxicos, para quem as palavras e símbolos são problemáticos. A leitura de algumas

partituras podem causar mais dificuldades, quando são incluídas palavras como alto, baixo,

direita e esquerda. Ele ainda descreve algumas estratégias compensatórias, que podem

aumentar a conscientização destes comandos. Com base em pesquisas e em sua própria experiência clínica, Hubicki propõe o uso de cores para cada símbolo de altura ou objetos familiares (como frutas), para representar as notas correspondentes. Jaarsma (1998) discorda deste tipo de mediação, pois não resolve o problema, uma vez que os disléxicos teriam que automatizar outro sistema baseado em associações arbitrárias. Mesmo sendo mais fácil, não seria uma solução permanente (JAARSMA et al., 1998, p.139).

Além disso, a aprendizagem de um sistema musical alternativo limitaria a capacidade de leitura musical de peças mais complicadas. Para tocar Mozart ou Chopin, por exemplo, um músico talentoso com dislexia teria que recodificar a composição para o seu sistema familiar e memorizá-lo, ou então aprender a ler a notação musical tradicional. Uma pesquisa feita por Ganschow e outros pesquisadores investigou as dificuldades dos disléxicos durante o estudo formal de música, particularmente com a notação musical. Através de sete estudos de caso, com base nos dados fornecidos pelos disléxicos, eles apresentam as experiências individuais destes disléxicos com o aprendizado do sistema de notação musical. Neste artigo, Ganschow e seus colegas também discutiram a possível correspondência entre aprender a ler a notação musical e aprender a interpretá-la. Eles viram um padrão similar na aprendizagem do sistema de notação musical e da linguagem escrita: problemas com a representação do tempo e do ritmo, e de sequenciamento, os mesmos se comparados com as dificuldades de alguns disléxicos na identificação das unidades fonológicas da linguagem (JAARSMA et al., 1998, p.139).

A escassez de pesquisas sobre esta relação entre a dislexia e a dificuldade em aprender notação musical fez com que Jaarsma et al. (1998) realizassem um estudo piloto, que será

discriminado no capítulo 04 deste trabalho. Os resultados da investigação dizem respeito não somente às diferenças na aprendizagem entre os grupos selecionados (disléxicos e não- disléxicos), mas também dentro de cada grupo.

Outro estudo mais recente, realizado por Madonna Solis (2010), explorou o efeito da escrita musical impressa em papel azul para um estudante universitário disléxico, num estudo piloto. Neste estudo, o participante afirmou que sentiu uma melhora nos estudos e decidiu continuar usando o papel azul para a leitura da notação musical, pois diminuía a fadiga na leitura (SOLIS, 2010, p.08).

Margaret Howlett-Jones (2008), citada por Oglethorpe (2008a, p.89) relata suas observações pessoais de alunos disléxicos em ambas as habilidades, alfabetização e música. Em relação ao movimento dos olhos, ela observou que os olhos de alguns alunos disléxicos não se movem em uma linha direta na página. Há um movimento irregular para frente e para trás, como se o alunos fizesse uma leitura e releitura. Ela afirma que, às vezes, teve a impressão de que a leitura da direita para a esquerda talvez fosse preferível. Observou que a leitura e a escrita do final das palavras eram tratadas em primeiro lugar. Isto pode ser o resultado da escuta do último som mais claramente, o que cria confusão em palavras mais conhecidas usadas com freqüência (OGLETHORPE, 2008a, p.89).

Outra observação feita por Howlett-Jones diz respeito ao ato de sublinhar palavras e a transposição de palavras, sílabas, notas ou frases. O aluno sublinha frequentemente da direita para a esquerda. Para ela, o ato de sublinhar e as transposições podem estar ligados ao movimento ocular citado acima. Outro fator observado foi a sequência da leitura, partindo de uma linha em direção à próxima. Alguns alunos disléxicos acham isso realmente difícil. Novamente, Howlett-Jones remete para os movimentos dos olhos e conecta-se com o fato de que os leitores lentos não antecipam a sequência das palavras/notas e, portanto, não

‘pesquisam’ a continuação delas, “como os bons leitores fazem” (OGLETHORPE, 2008a, p.89).

Howlett-Jones acredita que isso acontece através dos fatores compensatórios que os disléxicos recorrem para serem vistos como iguais aos seus colegas. No início dos anos escolares, a comparação das habilidades de leitura dos alunos é bem exposta, e sentimentos de incapacidade podem surgir. Os mais brilhantes e francos podem desenvolver meios para encobrir esta incapacidade. Realizam atos de leitores, se esforçando, mas não são capazes de ler com a velocidade correta. Isto se torna habitual e a leitura torna-se cheia de falhas, com meias palavras, reversões e palpites da letra inicial da palavra bem perceptíveis. É uma tática de camuflagem empregada quando o aluno está ‘farto da leitura à primeira vista da mesma peça a cada lição’ e tenta decorar a peça para evitar isso (OGLETHORPE, 2008a, p.90).

Numa situação onde se pode trabalhar somente com um aluno, o uso do metrônomo torna-se possível para induzir um fluxo constante, estabelecendo um ritmo confortável onde o aluno consegue uma boa precisão. O pânico não se apresenta tão evidente e uma versão da leitura sem pressa e mais honesta é fornecida. Segundo Howlett-Jones, esta seria uma boa tática para ser usada ao longo da vida. O estudo de habilidades práticas de musicalização pode contribuir para o disléxico mais do que a teoria escrita. Esta é uma área em que os seus dons naturais podem ajudá-lo a superar seu medo da partitura(OGLETHORPE, 2008a, p.90).