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CAPITULO I – POLITICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO: INCLUSÃO E FORMAÇÃO

CAPITULO 3 GÊNERO E CRIMINALIDADE

3.3. História da prisão feminina no Brasil

A origem da prisão no Brasil está relacionada à história da nossa colonização, época em que o país serviu de exílio para os presos condenados ao degredo pela corte portuguesa. Segundo Soares e Ilgenfritz (2002), do início do século XVI a meados do século XVIII, vigoraram no país as Ordenações Filipinas, que foram, por mais de duzentos anos, a legislação responsável pelas práticas punitivas adotadas na colônia. E o degredo se manteve durante todo este período como forma de livrar Portugal de sua população indesejável, constituída de degredados, pessoas expulsas do país e que eram deixadas nos novos territórios conquistados. Entre esta população haviam também mulheres, consideradas culpadas por serem amantes de clérigos, por serem alcoviteiras, por fingirem gravidez ou por assumir parto alheio.

De acordo com Soares e Ilgenfritz (2002), as informações sobre a situação da mulher prisioneira no Brasil, relativas a períodos mais remotos, são, em geral, esparsas, difusas, descontínuas e muitas vezes truncadas. Sendo assim, apenas no século XIX, mais especificamente em 1870 aparece em um Relatório do Conselho Penitenciário do Distrito Federal uma das primeiras indicações sobre mulheres presas. Nesse relatório, constava que187 mulheres escravas passaram pelo calabouço – prisão de escravos que funcionava junto com a Casa de Correção da Corte –, entre os anos de 1869 e 1870, tendo uma delas permanecido presa durante 25 anos (desde 1846).

Em 1905, o Relatório da Casa de Correção da Capital Federal faz menção a melhoramentos realizados para alojar as presas indicando a adaptação de cinco células do antigo manicômio à prisão de mulheres, enquanto não se edificava um pavilhão especial. Em 1924, Lemos de Brito, o principal ideólogo das prisões femininas no Brasil, após percorrer o país visitando todas as prisões, elaborou um projeto de reforma penitenciária e ofereceu um plano geral, no qual aconselhou a União a construir um reformatório especial, que não se pautasse nos moldes tradicionais da época, ou seja, nos moldes das prisões masculinas; ao

invés disso ele propôs ao Estado construir um reformatório direcionado ao tratamento específico para a mulher por parte do Sistema Penitenciário.

Nesta época, as presas já estavam isoladas dos homens, mas é possível perceber, nos relatórios redigidos, que havia também a preocupação com o fato de elas estarem todas juntas, independente do delito, conforme mostra um trecho do Relatório do Conselho Penitenciário do DF de 1929: “as mulheres condenadas continuam em compartimento separado da Casa de Detenção, mas em promiscuidade com as processadas e as vagabundas e as ébrias habituais enviadas pela polícia”. Este discurso apresenta uma concepção moral, que protegia as presas comuns, condenadas por infanticídio, aborto, furto, etc., diferenciando-as daquelas detidas pela polícia e enquadradas nas contravenções de vadiagem ou embriaguez, ou seja, prostitutas, detidas sob o qualificativo de vadias ou desocupadas.

A partir da Revolução de 1930, que se consolidam com o surgimento do Estado Novo, várias modificações alteram a estrutura administrativa e política brasileira. Os estudos para a reforma do Código Penal, do Código Processual Penal e da Lei de Contravenções se intensificam, e a idéia de um programa de concentração carcerária se inicia com a reforma penal de 1940, culminando em um projeto de criação da Penitenciária Agro-Industrial, da Penitenciária de Mulheres e do Sanatório Penal, elaborado por uma comissão de notáveis e presidida por Lemos de Brito. Este projeto se transformou em lei e, sob a influência do contexto político de repressão e autoritarismo, foi elaborado, discutido e aprovado por homens, tendo à frente a figura de Lemos de Brito, cujas ideias reproduzem fielmente o pensamento conservador do período.

Lemos de Brito (1930, apud Soares; Ilgenfritz, 2002) enfatiza a necessidade de separaras mulheres dos homens e de colocá-las longe dos presídios masculinos, para assim se evitar a influência perniciosa que elas poderiam causar. “É que a presença das mulheres exacerba o sentimento genésico dos sentenciados, aumentando-lhes o martírio da forçada abstinência”.

Com base nos argumentos acima, acredita-se que a criação de presídios só para mulheres destinava-se, antes, a garantir a paz e a tranqüilidade desejada nas prisões masculinas, do que propriamente a dar mais dignidade às acomodações carcerárias, até então compartilhadas por homens e mulheres.

Segundo a ideologia de Lemes de Brito, ao ser criada a Penitenciária de Mulheres, surgiu à preocupação em definir normas pedagógicas que transformassem as “meretrizes, vagabundas e perniciosas” em mulheres dóceis, obedientes às regras da prisão, educadas, convertidas em caridosas beatas, voltadas às prendas domésticas, aos cuidados com os filhos,

à sexualidade educada para a procriação e a satisfação do marido. Construída especialmente para tal fim, nasce, em nove de novembro de 1942, a primeira penitenciária feminina do antigo Distrito Federal, em Bangu, bem longe dos presídios para homens.

A administração interna e pedagógica do presídio ficou a cargo das Irmãs do Bom Pastor. As religiosas ficaram responsáveis por cuidar “da moral e dos bons costumes, além de exercer um trabalho de domesticação das presas e vigilância constante da sua sexualidade”. (Lima, 1983; apud Soares e Ilgenfritz, 2002). Pelo regulamento interno da prisão, formulado e aplicado pelas religiosas, chamado Guia das internas, as presas só tinham dois caminhos para remirem suas culpas: ou se tornariam aptas para retornar ao convívio social e familiar, ou, caso fossem solteiras, idosas ou sem vocação para o casamento, seriam preparadas para a vida religiosa.

Entretanto, este projeto de “purificação” não atendeu às expectativas do Estado e, em1955, a Penitenciária de Mulheres volta a ser diretamente administrada pela direção da Penitenciária Central, sob a alegação de que as Irmãs do Bom Pastor não conseguiram controlar a indisciplina violenta e não dispunham de conhecimentos das questões penitenciárias e administrativas necessárias para controlar 2.200 mulheres que estavam presas em um estabelecimento planejado para abrigar 60 mulheres (em 1953, ampliado para abrigar120 presas).

No ano de 1966, a Penitenciária feminina adquiriu autonomia administrativa e recebeu o nome de Instituto Penal Talavera Bruce. Trata-se da única penitenciária de segurança máxima do estado do Rio de Janeiro destinada a mulheres condenadas a penas altas, conhecida atualmente como Penitenciária Talavera Bruce, com capacidade para receber até330 mulheres.

Soares e Ilgenfritz (2002) destacam que o esforço das Irmãs do Bom Pastor em produzir uma reforma moral no interior da penitenciária tinha como pano de fundo as concepções tradicionais sobre os papéis de gênero, que consideravam a mulher biológica e intelectualmente inferior ao homem e que se expressavam, nos campos médico e jurídico, em reflexões e debates sobre a “natureza da mulher criminosa”, tema que discutiremos em uma seção posterior.

Consideramos importante destacar a história do Talavera Bruce, por ser a primeira penitenciária de mulheres construída no Brasil e por apresentar concepções e aspectos históricos importantes no que diz respeito ao encarceramento feminino, aspectos estes encontrados na criação e administração de outras instituições penais femininas.

CAPITULO 4 – DO MACRO AO MICRO: UMA DESCRIÇÃO DO SISTEMA