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A história do género dramático em Portugal: dramaturgia nacional lacunar e tradição da presença estrangeira.

No documento A Tradução Teatral: o texto e a cena (páginas 42-44)

1988): um estudo de caso.

2. A história do género dramático em Portugal: dramaturgia nacional lacunar e tradição da presença estrangeira.

Apesar de o repertório escolhido se inscrever nitidamente no quadro tempo- ral da contemporaneidade e parecer, portanto, privilegiar uma observação direc- ta, não é independente da história mais antiga da cultura portuguesa, como o revelam algumas descrições já clássicas da literatura e do teatro portugueses, não especificamente centradas na literatura comparada, mas relativamente atentas às diversas situações de confronto entre a literatura nacional e a estrangeira.

Uma pequena obra de síntese, publicada em Lisboa em 1977 e centrada numa tentativa de definição da “originalidade” da literatura portuguesa, ques- tão sintomática, aponta-lhe uma característica negativa, a pobreza do seu tea- tro, “género em que só dois grandes nomes emergem da planície: Gil Vicente e, a três séculos de intervalo, Garrett” (Coelho 1977:52). O autor explica esta lacuna por três factores: vida social pouco intensa, público sem formação e crí- tica inexistente. O conjunto desse estudo desenvolve, por outro lado, uma visão histórica da cultura portuguesa segundo a qual a literatura é um dos aspectos do que é designado por “personalidade colectiva ou cultura nacional”.

O lugar do género dramático na literatura portuguesa é, para os investi- gadores que se pronunciam sobre a questão, efectivamente muito reduzido, a tal ponto que as referências à produção dramática são geralmente conotadas com este traço, o de uma ausência, com a sua contrapartida, a valorização das excepções. A. José Saraiva e O. Lopes organizam a sua História da Literatura

portuguesa (1ª edição 1955) em seis épocas e colocam o dramaturgo Gil Vicente

no momento da passagem entre a 2ª e a 3ª época; é de resto o único autor que consideram como “personalidade de síntese”, entre um passado medieval con- siderado como pouco relevante pelo seu teatro e um período de Renascimento humanista rapidamente interrompido pela censura inquisitória, que, apesar de tudo, permitiu a um pequeno número de autores, como Sá de Miranda e António Ferreira, experimentarem as inovações italianas. Os autores apenas falam a seguir de “tentativas teatrais” a propósito da época barroca e o seu panorama histórico deixa de fazer referência em termos específicos ao género ou aos autores dramáticos. Finalmente, no século XIX, Almeida Garrett é estudado num capítulo de cerca de trinta páginas nas quais o seu trabalho de dramaturgo não ocupa mais que um terço dos comentários, centrados no carácter particular da sua obra por se tratar “do projecto oficial, por ele pro- posto, de criar um teatro nacional” (o.c., p. 777).

Em breves considerações, a obra evoca o peso da Inquisição, instalada em Portugal entre 1534 e 1821, e da dominação espanhola entre 1580 2 1640 para explicar a debilidade da produção literária nacional em geral. Quanto aos contactos e às importações estrangeiras, são tratados nas introduções dos capí- tulos, como informação contextual, e informam-nos (o.c., p.41), por exem- plo, que distinguir literatura portuguesa e espanhola não é muito possível até ao século XVII e que, até ao século XVIII, fala-se de “Espanha” para designar o conjunto da península.

Uma abordagem mais precisa da tradução literária e não-literária é introdu- zida a propósito do século XVII e XVIII e diz respeito às importações estrangei- ras, se bem que tardias, para compensar a ausência de uma tradição autóctone de teatro de Corte como na França no século XVII. Um teatro de Lisboa dedica- se a partir de 1782 à representação de textos traduzidos, sobretudo de comé- dias. Imita-se a comedia espanhola, descobre-se a ópera italiana, Metastásio e as comédias de Goldoni que são traduzidas e adaptadas ao gosto nacional, e tradu- zem-se os clássicos franceses, ao mesmo tempo que se tenta introduzir a tragédia segundo Voltaire de par com os modelos da Antiguidade grega; mas a ausência ou o atraso de uma ”consciência doutrinária e estética da burguesia portuguesa” (o.c., p.690) mantém a penúria de uma produção nacional, apesar de a Arcádia Lusitana discutir as bases para uma tragédia nacional inteiramente formada a partir do modelo francês de Luís XIV, contra a proveniente de Inglaterra, e ape- sar de, na comédia Teatro Novo de Correia Garção, as personagens dissertarem acerca dos gostos teatrais dominantes e reclamarem uma reforma do género.

Os responsáveis por esses contactos com a Europa são sobretudo os emi- grantes, vítimas da censura e simpatizantes dos Enciclopedistas cujos tra- balhos acompanham de perto. Constituem o grupo dos “estrangeirados”, uma elite social e intelectual – embaixadores, judeus exilados, académicos, etc. – apoiada pelo déspota esclarecido D.João V. O Real Colégio institui o ensino das línguas vivas e a Academia das Ciências torna-se um eixo do europeismo. Quando, na sequência da epopeia de Napoleão, uma oposição se começa a manifestar contra a influência dominante da cultura francesa, os “afrancesados” terão que opor-se aos “castiços”. Assiste-se, finalmente, por volta de 1820, com as lutas liberais contra o absolutismo, a uma renovação dos contactos com o estrangeiro com ondas sucessivas de emigração forçada de que também Almeida Garrett foi vítima. Esses emigrantes constituem a sua própria literatura, expressão de um programa de renovação da sociedade portuguesa de inspiração romântica (Saraiva, 1965:115-116). Garrett encon-

tra na leitura de Schiller, de Goethe e Shakespeare os fundamentos estéticos para um teatro nacional, reatando com as suas origens como o mostra o seu primeiro drama intitulado Um Auto de Gil Vicente, em 1838. O conflito entre “casticismo” e europeismo exprimir-se-á paradoxalmente com o slogan “rea- portuguesar Portugal tornando-o europeu” (Coelho, 1977:34).

Género pouco representado na literatura portuguesa, apesar de dois dos quatro principais autores nacionais serem também dramaturgos, o teatro é igualmente pouco estudado; recentemente, parece interessar mais alguns eruditos estrangeiros como os francese Cl.-H. Frèches ou P. Teyssier, ou ainda a comparatista italiana L. Stegagno Picchio, autora de uma História do Teatro

português (1969) cuja publicação é contemporânea de um outro estudo com o

mesmo título do português L.F. Rebello, traduzida para as línguas espanho- la e francesa. Este conjunto representa um grupo de estudos relativamente cosmopolita e bastante significativo no que respeita às fronteiras ou mapas mundiais da literatura (Lambert 1990, 1983).

Nos dois últimos estudos referidos anteriormente encontram-se afir- mações de autores portugueses segundo as quais não existiria em Portugal nenhuma dramaturgia poeticamente autónoma, dotada de traços artísticos capazes de dar o nome de teatro a um repertório limitado, sem ser no entanto desprovido de qualidade (Picchio 1969:19). Cita-se Garrett que se interro- gava perante esta “esterilidade dramática: será que, assim como os franceses não são dotados para a poesia épica, os portugueses não têm la tête dramatique ?“ (Rebello 1989:13) ou ainda Eça de Queirós: “O português não tem génio dramático: nunca o teve” (ibid.). Mas, como J. P. Coelho, os autores propõem na realidade uma crítica histórica e concordam com as reflexões de Garrett: “O teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde a não há” (o.c., p.14). Esta afirmação será retomada na época seguinte, a da modernida- de, politicamente marcada por um universo de paralisia cultural.

3. Contexto contemporâneo de inserção do corpus estudado.

No documento A Tradução Teatral: o texto e a cena (páginas 42-44)