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HISTÓRIA E CULTURA DA ALIMENTAÇÃO: PERCURSOS

No documento CADA COMIDA NO SEU TACHO: (páginas 55-69)

1 DEFININDO O DESTINO - PRESSUPOSTOS DA PESQUISA: A

1.1 HISTÓRIA E CULTURA DA ALIMENTAÇÃO: PERCURSOS

O eixo desta pesquisa é a História, mas o terreno sobre o qual se tornou

possível conduzi-la na perspectiva adotada é marcado pelo entrecruzamento de

disciplinas num esforço conjunto para conferir consistência à alimentação como

tema, problema e objeto. Desta maneira, optou-se por, nesta breve referência ao

desenvolvimento da temática, colocar em conjunto as obras que influenciaram o

ponto de vista privilegiado. Separar os antropólogos, sociólogos e demais estudiosos

dos historiadores poderia indicar uma certa hierarquização das influências, quando o

importante aqui é fazer um duplo movimento: primeiramente demonstrar que o ponto

de vista que toma as culinárias regionais como veículos de identidade e de

sentimento de pertença tem história, ou seja, há todo um conjunto de referências

que permitem fundamentar tal ideia. Em segundo lugar, indicar que esta trajetória

encontra sustentação no diálogo entre as disciplinas.

Portanto, é emblemático que a obra A fisiologia do Gosto

34

, comumente

considerada como fundadora na busca pelo entendimento da gastronomia a partir de

categorias científicas seja de autoria de um advogado, químico, político e cozinheiro!

Posteriormente, destaca-se a obra do botânico polonês Adam Maurizio que tinha

uma preocupação objetiva em constituir uma História da Alimentação, ainda que, em

sua perspectiva, esta estivesse muito próxima de uma História da Agricultura

35

.

O estudo de Meneses e Carneiro (1997), já citado, sublinha que os

antropólogos foram os primeiros a se interessar pela interpretação cultural da

alimentação, realizando uma espécie de mapeamento dos hábitos alimentares de

diferentes culturas, mesmo quando o foco de suas análises eram outras

problemáticas. Citam alguns autores de textos clássicos, como Anna Meigs, Anna

Freud, Claude Lévi-Strauss, Jack Strauss, Jean Soler, Margaret Mead, Marshall

Sahlins

36

, Mary Douglas e Roland Barthes (MENESES; CARNEIRO, 1997, p. 19)

37

.

34

A fisiologia do gosto é de autoria de Jean Anthelme Brillat-Savarin e sua primeira edição data de 1825. Conferir BRILLAT-SAVARIN, Jean Anthelme. A fisiologia do gosto. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

35

A obra de Maurizio teve uma primeira publicação em polonês em 1926 e sua edição francesa data de 1932 e teve o título de Histoire de l’Alimentation Végetale Depuis la Préhistoire Jusqu’a nos Jours.

36

A propósito de Sahlins, em Cultura e razão prática este autor dedica um item ao tratamento das razões culturais em torno da alimentação. Sua análise a respeito das restrições ao consumo de carne de cavalo e de cachorro, além das observações acerca do status de determinados cortes de gado bovino são bastante

Com o desenvolvimento da disciplina e suas transformações, os estudos sobre a

alimentação passaram a incorporar concepções teórico-metodológicas

diferenciadas.

Jean-Pierre Poulain, em Sociologias da alimentação faz, na segunda parte de

sua obra, uma análise que parte do interesse sociológico pela alimentação até a

instituição do que denomina sociologias da alimentação. Para este autor:

É a partir das temáticas do sacrifício, do totemismo e das proibições que lhe são associadas que os primeiros etnólogos e sociólogos se deparam com a alimentação. Esta perspectiva articulada sobre categorias religiosas prevalece até a primeira quarta parte do século XX. (POULAIN, 2004, p. 155).

Meneses e Carneiro, por sua vez, fazem uma periodização dos estudos

antropológicos da alimentação e suas ênfases. Se até a década de 60 havia a

predominância do funcionalismo, a partir daí e até os anos 70, o alimento passa a

ser abordado pela Antropologia como sistema cultural e linguagem. A semiologia

constitui, portanto, uma forma de abordar o tema da alimentação bastante relevante.

Um autor emblemático, neste sentido, é Roland Barthes que, já na década de 1950,

procurou definir o sistema alimentar como sistema de comunicação, percebendo o

alimento como signo que transforma uma imagem construída socialmente em

consciência individual, conformando identidade social. A leitura de Mitologias,

formada por textos escritos entre 1954 e 1956, é bastante informativa neste sentido

(BARTHES, 1975): o mito para Barthes é uma fala, uma maneira de comunicar uma

mensagem. Uma maneira que, ao naturalizar a realidade, esconde sua historicidade,

permitindo, inclusive, usos ideológicos. É importante ressaltar que os estudos de

Barthes inserem-se também no quadro de desenvolvimento da Antropologia

Estrutural, que tem como figura-chave Lévi-Strauss que, na década de 1960

desenvolveu o tema da alimentação em obras como O cru e o cozido (2004), onde

estabelece que a diferença entre o cru e o cozido é uma forma de simbolizar a

passagem da natureza para o universo da cultura. É possível perceber, portanto,

sugestivas e intencionam fundamentar a alimentação como sistema cultural. SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

37

Alguns destes autores serão discutidos devidamente na medida em que suas contribuições dialogarem com a perspectiva deste trabalho. Acrescenta-se, para além destes nomes, a contribuição de Émile Durkheim e Marcel Mauss, autores que se situam na zona fronteiriça entre a Sociologia e a Antropologia, e que se inscrevem também como autores clássicos destas disciplinas.

que mesmo em um momento em que a História quantitativa prevalecia, algumas

interpretações relevantes sob pontos de vista diferenciados eram produzidas e

divulgadas no meio acadêmico.

Realizando um salto temporal, foi a partir da década de 1990 que os estudos

sobre a alimentação, do ponto de vista antropológico, voltaram seu interesse para

práticas culturais, processos de aculturação e identidade cultural,

independentemente da orientação teórica. Diversos autores inspiraram-se na

abordagem proposta por Norbert Elias ao tratar do processo civilizador. Para ele, os

padrões de comportamentos à mesa correspondem às estruturas sociais (ELIAS,

1990). Elias focalizou os costumes de maneira sociológica e, no centro de suas

preocupações, estava o interesse pelas formas de sentir e imaginar.

Jean-Louis Flandrin representa a tendência da historiografia nos últimos 20

anos, que privilegia os significados que permeiam as práticas alimentares. Em 1996,

juntamente com Massimo Montanari, Flandrin organizou a obra História da

Alimentação. Trata-se de uma obra de vulto, por ter incorporado a contribuição de

um leque de pesquisadores que se dedicaram à temática com focos diferenciados.

Organizada numa linha temporal, a obra parte da pré-história e das primeiras

civilizações, chegando à contemporaneidade e as preocupações atuais em torno da

alimentação, dentre as quais se destaca, para os interesses específicos desta

pesquisa, o capítulo dedicado às cozinhas regionais, de autoria de Julia Csergo

(1998). Antes disso, Jean-Paul Aron (1974, p. 161) e Roland Barthes (1961 e 1975)

esboçavam um esforço neste sentido, sendo que Aron situa-se em uma zona de

fronteira. No texto A cozinha: um cardápio do século XIX, publicado no interior da

coleção “Faire de l’histoire”, extremamente eloquente acerca dos Annales, faz uso

de dados quantitativos sobre despesas com a alimentação nos hospitais gerais da

Assistência Pública, além de cardápios de restaurantes do século XIX como fonte de

pesquisa. Entretanto, ressalta questões metodológicas que sugerem uma

interpretação para além destes dados, uma leitura das entrelinhas. Chega a dizer

que por trás dos números, os documentos trazem um sistema de representações.

No ano de 2001 foi publicado o título Comida: uma história, de autoria de

Felipe Fernández-Armesto que se debruçou sobre uma gama de temáticas

relacionadas à comida, como o significado do ato de comer, a invenção da culinária

e as relações entre comida e industrialização nos séculos XIX e XX. Este autor

contribuiu de maneira mais efetiva para o trabalho aqui desenvolvido ao sugerir

pistas interessantes em uma tentativa de definir culinária. Para Fernández-Armesto a

culinária refere-se ao ato de cozinhar.

Neste mesmo ano Sidney Mintz publicou o artigo Comida e antropologia: uma

breve revisão, em que articula a identificação de obras que estabeleceram esta

relação desde autores clássicos, com temáticas pertinentes a períodos

diferenciados, fazendo uma espécie de descrição do desenvolvimento da temática

da alimentação no interior da antropologia. Considerando as limitações de amplitude

de um artigo, trata-se de um texto que dialoga com os demais esforços em perceber

o processo de institucionalização da alimentação como objeto de estudo relevante

para as Ciências Sociais e História. Algumas das questões abordadas pelo autor

tiveram especial relevância para esta pesquisa. Logo de início Mintz estabeleceu a

relação entre comida e identidade:

O comportamento relativo à comida liga-se diretamente ao sentido de nós mesmos e à nossa identidade social, e isso parece valer para todos os seres humanos. Reagimos aos hábitos alimentares de outras pessoas, quem quer que sejam elas, da mesma forma que elas reagem aos nossos. Não é de surpreender, portanto, que o comportamento comparado relativo à comida tenha sempre nos interessado e documentado a grande diversidade social. (MINTZ, 2001, p. 31).

Posteriormente, indicou a tríade que justifica esta pesquisa: comida,

identidade e história: “Nossas atitudes em relação à comida são normalmente

aprendidas bem cedo, e são, em geral, inculcadas por adultos afetivamente

poderosos, o que confere ao nosso comportamento um poder sentimental

duradouro.” (Idem).

Tratando da História e Cultura da Alimentação no Brasil

38

, somente nos anos

80, quando a História das Mentalidades já enfrentava críticas na Europa, os

38

Neste esforço, serão privilegiadas as reflexões que de alguma maneira articulem a alimentação com a questão das identidades, ainda que sob pontos de vista diferenciados. Além disso, dada a profusão de publicações sobre comida e regionalismo, principalmente a partir da década de 1990, serão incorporadas aqui apenas as contribuições em âmbito acadêmico, lembrando, mais uma vez, que não se tem a intenção de arrolar todos os estudos desenvolvidos, mas elencar aqueles que tiveram contribuição fundamental para o desenvolvimento desta pesquisa.

historiadores brasileiros voltaram definitivamente seu olhar para a Nova História. É

possível, no entanto, fazer referência a estudos importantes que, em momentos

anteriores, problematizaram a alimentação.

Os relatos dos viajantes que passaram pelo Brasil no século XIX se

constituem em textos extremamente importantes para aqueles que buscam

compreender a formação social brasileira, inclusive no que se refere às práticas

alimentares. Saint-Hilaire, Burton, Mawe, Spix, Martius, Cabeza de Vaca, entre

outros, recolheram informações sobre os aspectos do Brasil do Oitocentos. Trata-se

de bibliografia fundamental porque, além de se constituírem em interpretações

realizadas antes das publicações sobre o Brasil pelos brasileiros, estes relatos foram

utilizados e ainda o são em trabalhos que procuram o entendimento de nossa

formação social. Permeados por uma visão europeizada do Brasil, embebida na

cultura européia de vanguarda, tais escritos refletem a racionalidade do pensamento

ilustrado. Sua ânsia pela objetividade intenciona traçar um retrato do real, como se

seus autores estivessem apenas descrevendo o que viram. Assim, uma leitura

ingênua esconde uma percepção etnocêntrica destes viajantes.

Quanto a uma bibliografia propriamente produzida por brasileiros, já no final

da década de 1930 a produção de Gilberto Freyre e também de Josué de Castro se

debruçava sobre a temática, realizando interpretações sobre o Brasil, considerando

a comida e, portanto, esta pesquisa estabelece diálogo com estas obras.

Toda a obra de Freyre é permeada por referências à alimentação como

elemento de diferenciação entre populações, ainda quando tratava de temáticas

aparentemente distantes desta. Sua importância reside, inclusive, em seu

pioneirismo ao publicar, em 1939, Açúcar, que incluiu análise de receitas e artefatos

utilizados na doçaria nordestina (FREYRE, 1997). Na obra Nordeste, escrita no ano

de 1937, já havia abordado o tema, ainda que de maneira menos explícita. A partir

da relação do homem com a monocultura de cana-de-açúcar Freyre procurou

compreender a identidade e sociabilidade do homem do Nordeste brasileiro,

contribuindo de maneira interdisciplinar para o desenvolvimento do tema, ao articular

os pontos de vista da Antropologia, Sociologia e História. Sua obra dá ênfase à

monotonia da mesa colonial e ao fato de que a profusão de alimentos oferecidos em

certas ocasiões contrastava com um cotidiano marcado pela falta.

Josué de Castro, nas obras A alimentação brasileira à luz da geografia

humana, publicada em 1937, e Geografia da fome – o dilema brasileiro: pão ou aço,

datada de 1946, ressalta a importância de se estudar cientificamente, à luz do

método interpretativo da moderna ciência geográfica, problema tão fundamental na

constituição da sociedade brasileira. Para ele a deficiência alimentar perpassava

todas as regiões brasileiras e se articulava com outras esferas da vida social, o que

justificaria sua perspectiva de análise: “É dentro desses princípios geográficos, da

localização, da extensão, da causalidade, da correlação e da unidade terrestre, que

pretendemos encarar o fenômeno da fome” (CASTRO, 1980, p. 35). Em sua

pesquisa sobre a alimentação no Brasil a partir da geografia humana, abordou a

região amazônica, o Nordeste açucareiro, o sertão nordestino, o Centro e o Sul,

sendo que conclui que as duas últimas regiões teriam “[...] deficiências alimentares

mais discretas e menos generalizadas, restritas a determinados grupos ou classes

com carências e desequilíbrios, não fome no sentido rigoroso da palavra” (Idem).

Josué de Castro também descreve alguns dos componentes mais utilizados na

alimentação destas regiões, incluindo Minas Gerais e Paraná.

Também da década de 1940 data a obra de Antonio da Silva Mello (1943 e

1946) que, sob o ponto de vista da saúde e nutrição, contribuiu para o

desenvolvimento dos estudos de caráter histórico. Segundo este autor:

[...] o problema é do maior interêsse [sic] humano e tem particular significação em nosso país, onde a desnutrição e a carência alimentar constituem fatores primordiais para explicar a nossa fraqueza e a nossa falta de saúde, o nosso atraso econômico e social. (MELLO, 1946, p. 11).

Meneses e Carneiro colocam que as análises de Silva Mello permitiram o

“conhecimento de preconceitos e crenças (científicas ou populares) vigentes à sua

época, assim como das condições de emergência da indústria alimentar no Brasil e

da difusão de novos produtos (soja, leite em pó desnatado etc.)”. (MENESES;

CARNEIRO, 1997, p. 55).

Sérgio Buarque de Holanda também pode ser apontado por seu pioneirismo

por ter dedicado, na obra Caminhos e fronteiras, cuja primeira edição data de 1957,

um capítulo ao que denominou ‘Civilização do milho’, onde discute a importância e

os usos do milho para os paulistas e suas expedições (HOLANDA, 1994).

Nas décadas de 1960 e 1970 destaca-se o nome de Luís da Câmara

Cascudo, que realizou a primeira empreitada de síntese sobre a alimentação no

Brasil, fazendo uso de fontes provenientes tanto da Etnografia quanto da História.

Nos dois volumes de História da Alimentação no Brasil (1983), o autor trata da

cozinha indígena, africana e portuguesa, e especificamente da cozinha brasileira. No

primeiro volume ressalta os alimentos naturais da terra, em detrimento dos que

foram introduzidos, tais como o arroz e a cana-de-açúcar. Já no segundo volume,

considera as transformações de regimes alimentares a partir das assimilações. Este

trabalho de Cascudo ilustra bem como o campo da alimentação é um terreno fértil

para análises interdisciplinares.

Em 1977 Cascudo organizou Antologia da alimentação no Brasil em que

reuniu diversos autores que discorreram sobre a temática. Esta obra tem importância

especial para esta pesquisa na medida em que uma análise dos títulos presentes

revela o privilégio dado à perspectiva regional e, neste quadro, conta com

contribuições sobre Minas Gerais e, em um dos títulos, sobre o Paraná,

disponibilizando uma receita do barreado, considerado prato tradicional do Paraná.

O fato de que outros estados também marcaram presença nesta obra permitiu, por

outro lado, perceber proximidades da chamada culinária mineira com a de outras

regiões – por exemplo, através das semelhanças entre a galinhada mineira e o arroz

com galinha goiano.

Mas Antologia da alimentação no Brasil é uma obra importante também

porque, mesmo sem colocar em questão as cozinhas típicas regionais como

apropriações vinculadas às construções identitárias, permite discorrer a este respeito

a partir de alguns dados que disponibiliza sobre Minas Gerais e Goiânia. Além da

proximidade entre pratos relacionada acima, no artigo sobre cozinha goiana o feijão

tropeiro e o arroz com pequi são indicados como parte desta cozinha. No entanto,

um dos pratos mais emblemáticos da chamada cozinha típica mineira é exatamente

o feijão tropeiro. Quanto ao arroz com pequi há, segundo alguns estudiosos, até um

ressentimento por parte do norte de Minas pela falta de reconhecimento deste prato

como integrante da cozinha regional de Minas Gerais, sendo que atualmente já

figura, ainda que de forma tímida, em publicações e restaurantes dedicados à

gastronomia deste estado.

A este respeito, vale a pena reproduzir o comentário de Maria Stella Libânio

Christo, autora de diversos livros sobre culinária mineira, entre os quais se destaca

Fogão de Lenha: 300 anos de cozinha mineira, cuja primeira edição data de 1977.

Entrevistada por ocasião da pesquisa de mestrado empreendida pela autora, Christo

relatou este ressentimento dos habitantes do norte de Minas acerca da ausência do

arroz com pequi do panorama da culinária típica mineira:

E eu tive um erro que, aliás, agora vai sair em luxo esse Fogão de Lenha, que foi o arroz com pequi. Eles brigaram um pouco comigo lá em Montes Claros, perguntaram: - Ah, você não pôs o arroz com pequi! É porque eu não gosto, então, nem lembrei do pequi... eu adoro licor de pequi, mas não gosto do arroz com pequi. É aquele costume da pessoa lá; aqui nós não temos este costume. Então eu já botei no livro que vai sair agora; eu acrescentei muita coisa, consertei o que eu queria[...] (CHRISTO, apud

MORAIS, 2004, p. 131).

Eduardo Frieiro publicou em 1966 Feijão, angu e couve: ensaio sobre a

comida dos mineiros

39

. Através da organização e comentários dos relatos dos

viajantes do século XIX, das crônicas e das obras de memorialistas, preocupou-se

em caracterizar os hábitos dos habitantes das Minas Gerais, inserindo-os em um

contexto mais amplo: em sua relação com os hábitos perceptíveis entre habitantes

de outras regiões do país.

Uma marca importante do texto diz respeito ao fato de que Frieiro deixa clara

sua postura quanto à existência de um mineiro típico ou de hábitos tipicamente

mineiros. Para ele, mineiros são os habitantes do estado de Minas Gerais, nada

mais. Sobre a existência de uma alimentação típica de Minas, afirma que as

preferências existem, mas não são exclusivas dos mineiros: Feijão, arroz, carne de

porco, milho, legumes e ervas, são alimentos de mineiros, mas também de

habitantes de outras regiões, como São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Espírito

Santo.Percebe-se, portanto, que a obra de Frieiro insere-se num contexto em que

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os regionalismos, no plano político, ainda não tinham tomado novo vigor, como

defende-se aqui que acontece na década de 1970. Desta maneira, sua preocupação

é menor no que se refere à investigação dos usos ideológicos que podem ser feitos

das identidades culturais das diversas regiões.

Antes do término da década de 1970 é possível, ainda, identificar a pesquisa

de Klaas Woortmann (1978) sobre hábitos e ideologias alimentares em grupos de

baixa renda. É possível perceber, portanto, que o final desta década conta com

contribuições relevantes acerca dos sentidos em torno da comida, tendência que vai

se legitimar e consolidar nas décadas subsequentes.

Mesmo não se debruçando especificamente sobre a questão regional, os

trabalhos de Woortmann (1978 e 1986), além da contribuição de Ana Maria Bonin e

Maria do Carmo Rolim (BONIN; ROLIM, 1991) têm importância fundamental no que

se refere à atenção aos significados em torno da comida. Estas últimas analisam a

dinâmica dos hábitos alimentares a partir do conceito de habitus, forjado por

Bourdieu

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, articulando-o com a noção de marketing.

A década de 1990 foi especialmente importante para a abordagem aqui

empreendida por contar com a publicação de textos fundamentais às análises das

culinárias regionais neste momento em que os sentidos em torno da comida se

consolidavam como interesse nas universidades brasileiras.

Em 1995 foi publicado História da Alimentação no Paraná, de autoria do

historiador Carlos Roberto Antunes dos Santos, chamando a atenção para a

importância das pesquisas que, lançando luz sobre a questão do abastecimento, da

produção de alimentos e da formação de um mercado consumidor interno,

preenchem lacunas importantes também no que diz respeito à historiografia acerca

dos aspectos políticos, sociais e econômicos das regiões brasileiras. Neste

movimento, Antunes dos Santos já sublinhava uma postura indicada mais

No documento CADA COMIDA NO SEU TACHO: (páginas 55-69)