• Nenhum resultado encontrado

HISTÓRIA DAS EXPOSIÇÕES, DOCUMENTAÇÃO SOBRE EXPOSIÇÕES E DOCUMENTAÇÃO MUSEOGRÁFICA EM MUSEUS DE ARTE

3. História

2.6 HISTÓRIA DAS EXPOSIÇÕES, DOCUMENTAÇÃO SOBRE EXPOSIÇÕES E DOCUMENTAÇÃO MUSEOGRÁFICA EM MUSEUS DE ARTE

A partir de 1990, a história das exposições tornou-se um recorrente objeto de estudo, especialmente no âmbito acadêmico e museológico anglo-saxônico e francófono. Ora entendida como disciplina complementar da história da arte ora, para outros autores, como disciplina autônoma, apontando incompatibilidades epistêmicas e metodológicas com a história da arte, a história das exposições funda-se “na autonomia e perpetuidade do objeto artístico” (BAIÃO, 2016, p.2).

A história da exposição não é, obviamente, a mesma coisa que a história da arte ou da história das representações, a história da tecnologia, ou a história das ideias, mas necessariamente utiliza elementos de todas estas categorias (e outros elementos). Na verdade, a história da exposição é uma área tanto incoerente por natureza (altamente heterogênea) e constantemente em construção [...]. Para certos aspectos, é mais fácil definir uma exposição no espaço e no tempo do que uma obra de arte, enquanto em outros é um objeto absolutamente indescritível (GLICENSTEIN, 2009, p.241).32

Para alguns pesquisadores, a relação entre o público e a produção artística seria o enfoque do campo disciplinar das histórias das exposições, diferentemente do objeto de estudo da história da arte tradicional e dos estudos curatoriais. Sua “ênfase estaria na dimensão espacial desse encontro, considerando, portanto, seu caráter programático, que, em sua materialidade, institui um sistema de valores”. O estudo sobre exposições objetiva analisar profundamente o programa curatorial, compreendendo aspectos conceituais e materiais, mas “ainda carece da construção historiográfica da perspectiva do sujeito visitante”, perspectiva estudada a partir da proposta que alguns chamam de “virada educacional33, no campo da curadoria” (OLIVEIRA, 2016, passim)34

. Contudo,

32 ―L‘histoire de l‘exposition n‘est évidemment pas la même chose que l‘histoire de l‘art, ni que l‘histoire des représentations, l‘histoire des techniques, ou l‘histoire des idées, mais emprunte nécessairement des éléments à toutes ces catégories (et à autres). En fait, l‘histoire de l‘exposition est un domaine à la fois incohérent par nature (car fortement hétérogène) et en permanence en chantier (…). Par certains aspects, une exposition est plus facile à définir dans l‘espace et dans le temps qu‘une œuvre d‘art, alors que par d‘autres, c‘est un objet absolument insaisissable‖ (GLICENSTEIN, Jérôme. 2009. L‟Art: Une

Histoire d‟Expositions. Paris: Presses Universitaires de France).

33 A virada educacional estaria “presente em métodos e processos de concepção e mediação das

exposições”, propondo, o próprio projeto curatorial, a participação do público como co-autor, a partir de 1990, o que permitiria que “que a experiência das exposições ocorra para além do lazer e do consumo imediato, convidando o espectador a „completar a função da obra‟ em uma postura ativa”, sendo na primeira década dos anos 2000, estabelecidas práticas que “passaram a operar e incluir nominalmente

51

ficaria a seguinte questão: até que ponto a preocupação seria com a história da exposição ou com a perpetuação da memória do curador?

Projetos institucionais, como os realizados pelo Centro Pompidou35 e o MoMa36, os quais disponibilizaram bases de dados com informações sobre as exposições desenvolvidas desde a fundação de cada instituição, são projetos desenvolvidos pelos museus visando disponibilizar informações na Internet. Esta proposta permite que se desenvolvam catálogos, não mais restritos às obras de arte ou produção de artistas, mas abordando a produção institucional como um todo, o que inclui as exposições

(PARCOLLET; SZACKA, 2012)37.

Por outro lado, os próprios catálogos impressos das exposições se diversificam em formato e conteúdo, contendo informações não mais restritas aos acervos expostos em cada atividade, mas incluindo propostas curatoriais, imagens do espaço expositivo e de documentos históricos, incluindo informações sobre exposições anteriormente desenvolvidas sobre a mesma temática e/ou acervo.

Para que seja possível a consolidação de uma história das exposições em museus de arte, estudos sobre a documentação de exposições em museus são considerados fundamentais. Conhecer o histórico do processo de gestão documental das coleções de arte, incluindo as transformações realizadas ao passar dos anos, permite conhecer as

―Las distintas maneras de enender el mundo se traducen em los principios de selección, ordenación y exposición aplicados a la coleciones y a sus catálogos‖ (TORRES, 2002,

375p). Para além do entendimento de como a seleção e aquisição de acervos foram

também experiências, contextos, formatos e métodos educacionais, gerando uma espécie de virada educacional na produção artística e curatorial contemporânea” (SEABRA, Jéssica Notas sobre tendências da curadoria contemporânea dentro do modelo Bienal. In: ANPAP: Arte seus espaços e/em nosso tempo. 2016, p.63-78. Disponível em: <http://anpap.org.br/anais/2016/comites/cc/jessica_seabra.pdf>. Acessado em: dez. 2016).

34 OLIVEIRA, Mirtes Marins de. Anotações para pesquisa: história das exposições e a disseminação do

cubo branco como modelo neutro, a partir do Museum Of Modern Art, de Nova York. 2016. P. 39-51 In: CYPRIANO, Fabio; OLIVEIRA, Mirtes Marins de (Org.). História das exposições/ casos exemplares. São Paulo: EDUC. 175p.

35 CENTRE POMPIDOU. Disponível em:

<https://www.centrepompidou.fr/cpv/agenda/expositions?agenda.dateCal=01-01-1977>. Acessado em: 12 dez.2016

36 MoMa. Exhibition history. Disponível em: <https://www.moma.org/calendar/exhibitions/history>.

Acessado em: 12 dez.2016

37 PARCOLLET, Rémi; SZACKA, Léa-Catherine. Histoire des expositions du Centre Pompidou:

réflexions sur la constitution d'un catalogue raisonné. 2012, 107-127. Disponível em:

52

realizadas, a documentação sobre exposições pode ser uma importante fonte de reflexão quanto aos processos simbólicos atribuídos pelos museus a determinado tema, acervo, além da relação estabelecida com os visitantes em cada exibição. A documentação sobre exposições deve compreender os textos curatoriais desenvolvidos para cada exibição, os acervos selecionados, conhecer o desenho da exposição, a estética do espaço, incluindo a arquitetura que também compõe o espaço expográfico, itens que integram projetos curatoriais e museográficos. Estes projetos não foram encontrados junto à documentação das exposições estudadas, o que será detalhado nos capítulos seguintes.

No campo das artes, a documentação em museus teve o seu histórico transformado com a multiplicação no quantitativo de itens das coleções, ainda no século XVI, demandando dos colecionadores, naquela época, estabelecer comparações para identificar os itens da coleção e, consequentemente, adotar outros métodos, como separar em séries, o que permitiu identificar similaridades e diferenças entre os itens, tornando possível distinguir cada um por tamanho, estética, materiais, autoria e origem, em meio a grande quantidade de objetos. No século XVII, às novas propostas artísticas, como o Barroco, demandavam classificação diferenciada em suas obras, acarretando transformações na organização das coleções, o que causara discussão por parte dos “colecionadores, especialistas, sábios ou cultos”. Quando a organização do acervo era realizada segundo critérios que não acompanhavam as transformações artísticas, em um momento aparentava ordem, mas em um momento seguinte, convertia-se em desordem, com a chegada de novas aquisições, exigindo uma nova ordenação (TORRES, 2002). Para compreender como as transformações nos movimentos artísticos impactaram no processamento das coleções de arte, a autora faz a seguinte comparação:

A la hora de estabelecer divisiones cronológicas o uma evolución temporal que muestren los câmbios de parâmetros em la ordenación de las coleciones artísticas, podríamos seguir las teorías del filósofo francés Michel Foucault (1926-1984) – que desarrolla, em concreto, em su libro Las palavras y as cosas, de 1966 -, para el cual existen três epistemes, la renacentista, la clássica y la decimonónica. Em la episteme renascentista las cosas son ordenadas por critérios de semejanza; em la clásica, se relacionan em términos de identidade o diferencia, y, finalmente, em la decimonónica, la época de la modernidade, los criterios son marcadamente historicistas.

(TORRES, 2002, 375p)

No século XX, em alguns museus, a exposição de arte configurou-se “enquanto campo de ação crítica e de recepção estética”, fazendo-se uso do conceito de cenografia

53

“ambientações”, no lugar de paredes, até então, totalmente ocupadas por obras de arte bidimensionais. Nos museus de arte moderna, o cenário expositivo ou expografia, especialmente pelo MOMA de Nova York, coloca em foco a sua ideologia, adotando-se uma cenografia onde as paredes são todas pintadas de branco (GONÇALVES, 2004, p.21).

Contudo, o uso do conceito de cenografia requer cuidado, pois o padrão estético chamado de “Cubo Branco” foi uma reação do artista moderno que, de forma plural responde “aos limites impostos pela condição espacial da arte moderna”. O princípio fundamental do Cubo Branco seria que “o mundo exterior não deve entrar, de modo que as janelas geralmente são lacradas. As paredes são pintadas de branco. O teto torna-se a fonte de luz” (DOHERTY, 2007, p.13 e 15).

Na década de 1960, o confronto da arte contemporânea com as novas “qualidades formais da arte” demandaria questionamentos quanto às expografias em museus de arte. Considerando a exposição como “estrutura de linguagem na obra de arte”, as exposições passam a ser extensão das obras, uma vez que a estratégia estrutural da obra contemporânea é compreender a exposição como forma. Na arte contemporânea, “separação entre a cena e o espaço do espectador desaparece na exposição e o visitante pode ser entendido como um ator, no sentido de que, percorrendo o circuito da mostra, é um ser ativo (um corpo presente e fundamental)” (GONÇALVES, 2004, p.21).

As novas percepções quanto à relação museu-espaço-visitante são centrais em estudos sobre os museus, no campo da Museologia, instituições voltadas à sociedade, que preserva, pesquisa e comunica “coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural”, segundo o „Estatuto de Museus‟38

. Além do museu que é espaço não somente de divulgação, mas de valoração da arte, a crítica da arte é também responsável por tornar públicas as questões específicas ao mundo da arte. Por outro lado, o curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, resume que

Muito tem sido debatido sobre a crise da crítica. Com a diluição dos jornais e

38 BRASIL. Lei nº 11.904. Institui o Estatuto de Museus, promulgada em de 14 de janeiro de 2009.

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11904.htm>. Acessado em: 13 dez.2016

54

a pouca reverberação da produção universitária, é razoável que se tema pelo seu futuro. Esse recuo está relacionado à pulverização do público e ao sentimento de total desabrigo e desorientação diante da arte contemporânea. Pressionada entre a desinformação generalizada e o isolamento provocado pela linguagem especializada, a crítica parece ter perdido o território comum da discussão pública – determinante para o seu nascimento. (OSORIO, 2005, p. 10)

A crítica de exposições pode agenciar reflexões diversas sobre um processo museográfico, que é complexo, ao abarcar questões não somente estéticas, mas sociais, culturais e políticas. Além da análise da exibição, no momento que ela acontece, estando aberta à visitação, documentos como projetos museográfico e curatoriais são importantes fontes para reflexões, pois devem registrar os objetivos, visão e procedimentos adotados em cada atividade.

Contudo, antes mesmo de estudos específicos no âmbito da história da arte, a Museologia e outras áreas do conhecimento, que não faziam parte, especificamente, da História da Arte, já refletiam sobre as exposição em museus a partir de abordagens sociológicas, econômicas e de representação (DOSSIN, 2014)39. Na Museologia, os estudos que relacionam exposições e documentações existiriam no âmbito da Museografia.

Mais antigo que o termo „Museologia‟, a Museografia foi citada pela primeira vez por C.J. Neickelius, em Museografie oder Anleitung Zum rechten begriff und

nutzlicher anlegungder museorum oder raritätenkammern, em 1727; somente sendo o

termo Museologia inicialmente utilizado por Phillip Leopold Martin, em Praxis der

naturgeschichte, livro dedicado às práticas de coleta, preparo e conservação de

espécimes naturais, publicado em Weimar, em 1876 (MENSCH, 2000)40. Em 1927, o termo Museografia seria empregado para intitular o curso de formação para conservadores na Escola do Louvre, chamado de Curso de Museografia. Em 1934, seria publicado o tratado de Museografia, editado pelo Escritório Internacional de Museus (futuro ICOM), traduzido, em 1951, por Gustavo Barroso para os alunos do Curso de Técnica em museus na publicação „Introdução à Técnica de Museus‟, emblemático

39 DOSSIN, Francielly Rocha. Exposições com problema de pesquisa. In: revista Ciclos, V.1, fev.2014.

Disponível em: < http://www.revistas.udesc.br/index.php/ciclos/article/view/3559>. Acessado em: 23 jan.2017.

55

livro-texto que objetivava formar técnicos em museus (SCHEINER, 2009)41.

Antigamente, e por sua etimologia, a museografia designava o conteúdo de um museu. Do mesmo modo que a bibliografia se constitui numa das etapas fundamentais da pesquisa científica, a museografia foi concebida para facilitar a pesquisa das fontes documentais de objetos, com o fim de desenvolver o seu estudo sistemático. Essa acepção, que permaneceu ao longo de todo o século XIX, persiste ainda em algumas línguas, particularmente na russa (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2014).

A museografia seria também a “arte da exposição” ou menos, a arte da exibição, a qual “engloba a definição dos conteúdos da exposição e os seus imperativos, assim como o conjunto de relações funcionais entre os espaços de exposição e os outros espaços do museu. Essa definição não implica que a museografia se limite aos aspectos visíveis do museu” (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2014, p.59).

Neste sentido, a documentação museográfica envolveria os registros expositivos e demais exibições realizadas por um museu, como projetos, relatórios e dossiês das exposições, estudos de visitantes, podendo ser, estes registros, inseridos no sistema de documentação do museu, seja no arquivo, centro de documentação ou setor responsável pelo acervo museológico. A documentação museográfica, quando constituída por registros gerados durantes as exposições em museus, seriam documentos que devem ser organizados a partir de requisitos mínimos, mas não são obrigatoriamente documentos museológicos ou representação da informação museológica, os quais não são documentos42 a serem preservados pelo setor de acervo museológico – assim como as fichas catalográficas, livro de registro de acervo museológico, inventário – a não ser que seja política da instituição.