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UNIDADE 3 – O PASSADO É LIÇÃO: a amálgama dos diferentes cursos biológicos

3.4 História e Filosofia das Ciências Biológicas: compreendendo sentidos de Biologia nas

BIOLÓGICAS, BIOLOGIA E HISTÓRIA NATURAL

Em um discurso de aula inaugural da Universidade de São Paulo, ocorrido em 16 de março de 1938, o professor André Dreyfus da Faculdade de Filosofia fala sobre o valor da ciência pura utilizando como exemplo as descobertas da hereditariedade e os avanços da genética. Ao fim, ele conclui dizendo “Vedes, assim, meus caros alunos da sub-secção de Ciências Naturais que o tempo da biologia, puramente descritiva, felizmente passou (USP, 1939-1949a, p.80).

A retórica presente no seu discurso diz respeito ao movimento de modernização da Biologia como uma ciência autônoma, que teria remodelado seus ramos e a forma de conceber suas práticas, até então, puramente descritivas. Essa ideia de que as Ciências Biológicas é uma ciência unificada, e que epistemologicamente isto se deve à evolução, como faz parecer Dreyfus, ainda hoje é um tema controverso entre pesquisadores da área, mas tem sido a perspectiva mais aceita. Segundo Marandino, Ferreira e Selles (2009), ela vem sendo mobilizada para balizar a leitura de toda a produção biológica, e não pode ser compreendida como um movimento de unificação resultante apenas de um desenvolvimento de determinados campos que compõem as Ciências Biológicas. Decorre também de uma série de influências de movimentos sociais, filosóficos e políticos que, historicamente, auxiliaram este campo a definir suas características científicas.

Ao atravessar a história das Ciências Biológicas, esses elementos evidenciaram a necessidade de um novo olhar sobre essa área. Foucault exemplifica esse deslocamento no modo de olhar a Biologia, da seguinte forma:

Muitas vezes se perguntou como os botânicos ou os biólogos do século XIX puderam não ver que o que Mendel dizia era verdade. Acontece que Mendel falava de objetos, empregava métodos, situava-se num horizonte teórico estranhos à biologia de sua época [...] Mendel dizia a verdade, mas não estava “no verdadeiro” do discurso de sua época: não era segundo tais regras que se construíam objetos e conceitos biológicos; foi preciso toda uma mudança de escala, o desdobramento de todo um novo plano de objetos na biologia para que Mendel entrasse “no verdadeiro” e suas proposições aparecessem, então, exatas (FOUCAULT, 2008, p.34-35).

Esta reflexão de que os discursos científicos se enquadram em condições históricas específicas e disso se subtrai o que se entende por verdade, dita a necessidade de perceber a história da biologia como um exemplo paradigmático das relações entre o pensamento científico e o desenvolvimento da cultura humana. Direciona-se, então, a discussão para as

mudanças no pensamento científico que conceberam a conformação da ciência moderna, pois essas transformações marcaram, legitimaram e ainda vivem entrelaçadas a história da biologia, até os dias atuais.

Desde o inicio dos tempos, a sociedade busca se apropriar e decifrar as questões da natureza. É entre os séculos XVI e XVII, que essa curiosidade passa a se racionalizar, isto é, procura-se compreender e explicar de maneira racional, lógica, coerente as coisas e eventos da natureza, afastando-se de explicações sobrenaturais64. Essa racionalização no procedimento de buscar conhecer o mundo (nesse caso, o mundo natural), construída do século XVI ao século XIX, tem sido apontada como produto de uma ruptura na visão e na organização de mundo, que ocorre pelo movimento Renascentista. Mas não é possível apontá-lo como um simples divisor de águas, sem situar sua inserção social na profunda transformação das relações sociais feudais, na afirmação econômica e social do capital mercantil da época, na ascensão e domínio político de uma classe burguesa e no estabelecimento paulatino de uma ordem social que se opõe ao poder religioso da Igreja como base. O Renascentismo contemplou, ao mesmo tempo, uma época de modificações de costumes, ideias e uma série de momentos inaugurais com criações artísticas, filosóficas, científicas e tecnológicas. Por isso, deve ser compreendido como um momento de modernidade e de ruptura com pensamentos medievais, que imbuiu a sociedade em novas ideias.

Segundo Luz (1988), emerge nesse momento da história, em diversos campos da atividade social, um antropocentrismo humanista, que valoriza a força criativa do ser humano, e que, consequentemente, impõe que ele conheça o mundo natural, com a finalidade de desvendá- lo, desbravá-lo e explorá-lo. A natureza, então, é vista como uma máquina autônoma, cujos mecanismos precisam ser conhecidos. Nessa leitura de mundo, o natural é um reino do qual o humano se diferencia e exterioriza. A existência objetiva e independente da natureza face ao mundo humano pressupõe que o homem pode racionalizá-la. A busca por conhecê-la impõe a prática cotidiana da observação, que significa recriar continuamente, através de evidências empíricas e de sentidos e significados racionais uma ordem de sentidos. Essas sistematizações

64 Antes do século XVI, o modelo cosmológico de Aristóteles e Ptolomeu, que sustentava a ideia do planeta

Terra estar fixo no centro do universo com os corpos celestes, incluindo o sol, girando ao seu redor, prevaleceu durante quase quatorze séculos. O pensamento medieval, de natureza cristã, adotou sua estrutura, agregando a ideia de criação divina. A desconstrução dessa concepção passa a ocorrer paulatinamente com os filósofos escolásticos, mas é abalada definitivamente com o advento da teoria heliocêntrica proposta por Nicolau Copérnico. Pois, ao colocar o sol como um planeta como os outros, Copérnico rompeu a separação essencial entre a Terra e o céu, presente no pensamento de Aristóteles e trunfo da Igreja. Posteriormente, Kepler, Galileu e Newton fazem descobertas que também põe em xeque a confiabilidade da ideia de mundo natural governado por uma entidade divina (PORTO e PORTO, 2008).

abstratas da razão moderna são fruto de múltiplas operações minuciosas sobre situações concretas colocadas, na maioria das vezes, por problemas da vida social.

Dessa atitude de conhecer nasce o experimentalismo, o método científico moderno capaz de produzir os enunciados de verdade, que se caracteriza utilitário, na medida em que está voltado para a solução de problemas da realidade, é exploratório, porque busca explicações novas para eventos já expostos pela antiga ordem do saber, é interventor, pois cria instrumentos de observação empírica (tecnologias), que passam a caracterizar a ciência, e é desbravador, ao se constituir como estratégia para desvelar as coisas ocultas na natureza (LUZ, 1988).

Portanto são a observação e o experimentalismo, as ordens racionais modernas que disciplinam o mundo e produzem verdades específicas, os saberes científicos. Esta mesma lógica institui a natureza como objeto a ser conhecido, e faz da razão o elemento que torna os homens sujeitos do conhecimento. Isso, aliado as grandes descobertas das ciências, reinventa as teorias filosóficas e científicas (LUZ, 1988). A partir do século XVII e durante a primeira metade do século XVIII, a prática dos sujeitos que trabalhavam com aspectos científicos é permeada por um mecanicismo, caracterizado pela filosofia natural (cosmologia), que visava conhecer as causas e os princípios do mundo natural, pelo método experimentalista (hipotético- dedutivo) e por teorias que disciplinavam aspectos específicos da natureza (MAYR, 2005).

Essa proposta de ordenar e explorar o natural, utilizada por filósofos naturais e cientistas, a partir do século XVIII, torna-se uma retórica de que a ciência é o único caminho para a obtenção da verdade. Assim, a racionalidade científica ancorada no modelo do mecanicismo65 se estende as demais formas de expressão, que procuram se reordenar pela razão. No rastro desses avanços as disciplinas sociais lograram legitimar-se historicamente, evidenciando uma racionalidade social com leis racionais semelhantes a científica. Esse esforço não colocou em xeque a validade do método de investigação e a linguagem mecanicista66, sobretudo nas

65 As tendências mais clássicas do mecanicismo não são mais apropriadas pelas disciplinas científicas. Mas

existem algumas tendências em decompor o objeto em elementos, que são comparados entre si, ordenando-os numa totalidade racionalmente montada e hierarquizada, que permanecem dominantes em ciências próximas a vida humana, como biologia e medicina. (LUZ, 1988, p.48)

66 O modelo explicativo mecanicista, o método experimentalista e dedutivista e a linguagem matematizada não

foram superados ainda hoje. Mas isso não permite pressupor que se consagra uma síntese epistemológica em torno desses elementos. A própria discussão da autonomia da Biologia é um caso que foge a essa regra. Também é oportuno mencionar que isso não se consolidou nem na época que essas discussões ganhavam fôlego. A formação de médicos na Universidade de Coimbra, por exemplo, durante muito tempo sorveram seus conhecimentos dos autores da Antiguidade, como Hipócrates, Galeno e de seus comentadores árabes, como Avicena. No período anterior à reforma dos Estatutos, em 1772, predominava na Universidade de Coimbra o estudo da ciência subscrita pelas autoridades e arquivada nos tratados. A intenção não era elaborar novos saberes, mas preparar os profissionais competentes para atuar segundo o conhecimento preestabelecido. As ciências exatas e naturais eram consideradas menores e a discussão escolástica substituía a experimentação. Além disso, a Inquisição e os jesuítas exerciam influência no ensino universitário desde 1555, criando obstáculos à renovação cultural. (ABREU, 2007, p.81)

ciências da natureza, mas motivou a busca por novas designações para as diferentes áreas de conhecimento. É fruto desse momento, por exemplo, a denominação de ciências naturais em contraposição às ciências humanas, porque a primeira estaria mais próxima das ciências exatas podendo operar com o método hipotético-dedutivo, e com a linguagem matemática (LUZ, 1988).

Pode-se resumir então, que no desenvolvimento inicial da ciência, a busca por conhecer o mundo, especialmente o natural, consolidou o método racionalista e a linguagem quantitativa como essencial para demarcar a produção humana moderna (a ciência). Assim, foi possível objetivar o mundo natural, construindo uma natureza enquanto objeto criado pela ciência, a própria imagem da razão. Nisto consiste o naturalismo da racionalidade científica clássica. Os artifícios que esta lançou-mão, legitimando-se, foram inseridos na leitura das relações sociais, evidenciando que “a racionalidade científica moderna funciona, ao mesmo tempo, como estrutura de explicação e ordenação dos seres e do mundo, e como princípio moral das relações dos homens entre si e com as coisas” (AUGUSTO, 1989, p.248).

Nessa perspectiva, pondera-se também que houve uma pulverização dos discursos científicos conforme o modo de se tentar conhecer o mundo, aliado a criação da imprensa que corroborou a necessidade de uma linguagem única que contemplasse a nova lógica de produção de saberes, o que suscitou a fragmentação e a disciplinarização dos conhecimentos científicos. A busca de elementos que pudessem caracterizá-la e legitimá-la, como as áreas de conhecimento, as teorias, os métodos, etc, por toda a história da ciência questionou os limites de suas áreas. Essas mudanças nas formas racionais de se conhecer repercutiram diretamente na história da Biologia.

Na busca por legitimação científica, um passo importante para a autonomia da Biologia era a desvinculação dos seus ramos aos princípios básicos das demais ciências já estabelecidas. Segundo Ernst Mayr (2005), os princípios segundo os quais a Biologia deveria superar podem ser reunidos em três eixos de natureza epistemológica que, ao longo da história desta ciência, assim a constituíram: o “mecanicismo” que afirma que todos os fenômenos que se manifestam nos seres vivos são mecanicamente determinados e, em última análise, essencialmente de natureza físico-química; o “determinismo”, o qual defende que o conhecimento completo do mundo permite predizer o futuro, pois não há espaço para a variação ou eventos casuais; e o “reducionismo”, ao sustentar que o problema da explicação de um sistema estava resolvido, assim que o sistema fosse reduzido aos seus menores componentes (MAYR, 2005).

A condição necessária para o processo de unificação começa a tomar forma com a Revolução Científica (XVI-XVII), o qual, conforme narrado anteriormente, fortaleceu a concepção de que a ciência é algo confiável, porque é provada objetivamente, por meio da

aplicação de um método, que parte da observação de fatos particulares para o estabelecimento de leis exatas, e através dessas, para fatos específicos futuros que poderiam ser previstos. Por meio dessa racionalidade, a autonomia da Biologia teve seu objeto de estudo biológico, a vida, condicionado aos princípios da Física e da Química, os quais gozavam de estatuto compatíveis com esses critérios (POLISELI et al., 2013).

Produzidas em meio a discussões travadas no interior da comunidade que se estruturava, os naturalistas alegavam que as manifestações de vida em organismos (evolução, reprodução, desenvolvimento, entre outras) eram controladas por uma força invisível, um impulso vital de natureza imaterial, que diferia das forças físicas ou interações fisioquímicas conhecidas, mas era capaz de conduzir a um dado fim. Esses argumentos constituíram, respectivamente, as correntes de pensamento denominadas vitalismo e teleologia67. Especialmente ao longo dos séculos XVII a XIX68, a Biologia foi, então, discutida como um grande conflito entre duas formas de pensar, a

vitalista, holística e teleológica, e a determinista, causalista e mecanicista (AZEVEDO, 2007). No século XIX, para ajustar-se aos critérios cientificistas que o positivismo estabelecia, a Biologia deveria definir uma identidade considerando a refutação do vitalismo e da teleologia, e o afastamento de sua redução aos parâmetros químicos e físicos, como podemos observar no argumento de Cassab:

O conhecimento biológico deveria ser soerguido sobre a observação e a experimentação, a exemplo do conhecimento físico, distanciando-se de especulações metafísicas. Todavia, deveria ser orientado mais por princípios biológicos próprios do que pela lógica de qualquer outra ciência da natureza. Isto é, as explicações biológicas deveriam ser fundamentadas por observações e experimentações produzidas a partir de preceitos biológicos. Apenas nessa direção a biologia poderia se transformar numa ciência legítima e madura, preservando seu próprio estatuto científico (CASSAB, 2011, p.148-149).

Esse movimento por uma identidade da Biologia, uma busca por leis naturais universais, que a diferenciasse das demais ciências, e ao mesmo tempo, a elevasse ao patamar de ciência, ganha espaço com os embates em torno da ideia de que todos os seres vivos podiam ser investigados da mesma forma, ou seja, de um modo integrado (ROSENTHAL e BYBEE, 1987). Essa noção de integração se concretiza na formulação da Teoria da Evolução, proposta por Charles Darwin em 1859, em sua publicação “A origem das espécies”, o que, destrinchou o processo real de unificação. Apesar da teoria da seleção natural - onde Darwin explicava a

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De acordo com Mayr (2005, p.37-39), o vitalismo defende a existência de uma força ou impulso vital sem a qual a vida não poderia ser explicada. Já a teleologia lida com a explicação de processos naturais que parecem conduzir automaticamente a um fim definido ou a uma meta, isto é, um conjunto de argumentos que relaciona um fato com sua causa final.

68 Essas correntes de pensamento encontram-se enraizadas à filosofia grega, mas é nesses séculos que os debates

evolução das espécies - nada foi consolidado, pois a teoria tinha muitas lacunas, e apresentou adesão parcial dos cientistas com relação aos mecanismos explicativos (MARANDINO, FERREIRA e SELLES, 2009).

No entanto, “os conhecimentos produzidos sobre a evolução chegaram ao século XX ainda considerados como uma especulação ou metafísica” (MARANDINO, FERREIRA e SELLES, 2009, p.40), e apenas após o surgimento da Genética69 no início do século XX e,

posteriormente, da Biologia Molecular, se preencheram as lacunas teóricas do darwinismo com bases genético-mendelianas, e as lacunas metodológicas, ao incorporar a experimentação e os modelos matemáticos. Mais do que isso, essas duas áreas culminaram na formulação do conceito de organicismo. Esta nova concepção rejeitava o vitalismo e a metafísica, insistia que os organismos eram sistemas coordenados e fundamentalmente distintos de outros sistemas não vivos, em razão da existência de programas específicos da Genética (POLISELI et.al., 2013).

Ao mesmo tempo não se pode creditar todo o sucesso da ideia de unificação à Genética e à Biologia Molecular. Outras áreas das Ciências Biológicas se fortaleceram antes ou a partir do movimento de ressignificação evolutivo e, por sua vez, contribuíram para a modernização dessa ciência. Um exemplo é a Citologia, que apoiada no neo-darwinismo e nas leituras destas aplicadas à Biologia Molecular, convergiu seus estudos com outros ramos de investigações biológicas, como a Genética (Citogenética), a Fisiologia (Fisiologia celular), a Bioquímica (Citoquímica) e a Imunologia (Imunocitoquímica).

Nesse contexto, é válido o relato do professor da USP, Paulo Sawaya (USP, 1939-1949a, p.110), quando este trata sobre as mudanças sofridas no campo da Zoologia:

Como a Fisiologia, a Zoologia acha-se em pleno desenvolvimento procurando ajustar- se ao intenso progresso das ciências biológicas em geral. Já se foi o tempo em que zoólogos se limitavam aos catálogos dos nomes dos animais. O advento da Genética, de um lado e o da Fisiologia causal do desenvolvimento, de outro, provocaram profunda revolução no estudo dos animais. Especialmente o progresso da Genética, no dizer de Mayr (1942, p.5), nestes últimos 30 anos, afetou o prestígio da Sistemática. Havia uma tendência entre os laboratoristas de considerar desdenhosamente um homem de museu, que gastou o tempo contando pêlos ou desenhando cerdas, e cujo objetivo final parecia ser unicamente a enumeração correta de seus espécimes. O desprestígio da Sistemática, porém, é mais aparente que real. O desenvolvimento desta parte da Zoologia, depois de Darwin, foi enorme, e incalculável o trabalho realizado. Ingrata é a tarefa do sistematista.

Se a Ecologia, primeiramente, parecia empurrada para as margens da discussão - ao herdar as tradições dos trabalhos de campo da História Natural, examinando a interação dos

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Esta ciência, incorporando conceitos matemáticos e estatísticos, foi fundamental no processo de unificação das Ciências Biológicas, pois forneceu as bases teóricas e metodológicas que continuavam lacunares na proposição da evolução darwinista.

organismos com o seu meio ambiente e suas comunidades -, num segundo momento, passou a ter papel de destaque. Isto porque é na Ecologia, na trama de suas relações, que se validam os conhecimentos da Zoologia, da Botânica, da Fisiologia, da Genética, da Evolução e de outros ramos da Biologia na perspectiva unificadora. A representação de tudo o que era isolado, ou que na visão antropomórfica estava isolado na natureza passa a tecer a malha do discurso das Ciências Biológicas (MARANDINO, FERREIRA e SELLES, 2009).

Tendo apresentado um panorama da trajetória da ciência Biologia, que assume outro status científico com a retórica de unificação, cabe destacar os sentidos impressos a outras denominações que vinculadas ao conhecimento biológico, haja vista seu enraizamento histórico e epistemológico a outras ciências.

A primeira a ser mencionada diz respeito à História Natural. Com relação esta denominação, Wortmann (1994)70 ao fazer um levantamento histórico das apropriações do

termo ao longo da história, demonstra que este surge como área na acepção aristotélica, mas que a Fisiologia, a Anatomia, a Embriologia, a Botânica, a Teratologia e a Biologia Geral, para Aristóteles se revelavam como ramos independentes de investigação. A autora evidencia que a associação do conceito de História Natural aos aspectos descritivos da Biologia, se deve ao sentido grego do vocábulo ‘história’, isto é, “processo de aprender mediante a averiguação/investigação” (WORTMANN, 1994, p.65). Essa concepção aparece mais definida, na acepção de Georges Canguilhem (1977), para quem a História Natural se constitui numa área de conhecimento caracterizada pela preocupação com a classificação dos seres vivos e a sua distribuição num quadro de semelhanças e diferenças, pela tentativa de conhecer as relações de parentesco.

Com o exame dessas concepções, a autora afirma que a denominação História Natural “tornou-se insuficiente para abranger aspectos associados ao conhecimento do mundo natural, o que exigiu que os ‘classificadores’ inserissem em ‘outras áreas de conhecimento’, como a Filosofia da Natureza, as dimensões não abarcadas pelo termo”. (WORTMANN, 1994, p.67). Assim, “nos séculos XVII e XVIII, a denominação “História Natural” incorporou todas as manifestações concretas da Natureza, contemplando o estudo descritivo do que hoje entendemos como as Ciências Biológicas e Ciências da Terra (Geociências)” (LORENZ, 2010, p.61-62).

Outro termo bastante empregado é Biologia. Segundo Canguilhem (1977), sua acepção como Ciência da Vida parece ter sido introduzido de forma independente na literatura científica

70 A tese de Maria Lucia Wortmann (1994) será amplamente utilizada neste momento de defesa, pois está autora

no âmbito da sua pesquisa, discute sentidos de Biologia por meio da análise de diversos sistemas de classificação das Ciências. No entanto, a intenção é de analisar outros referenciais (em estudos posteriores), conforme as necessidades que venham a emergir após a defesa de doutorado.

por Gottfried Reinhold Treviranus (1802) em ‘Biologie oder Philosophie der lebenden Natur’, e Jean-Baptiste Lamarck (1802) na obra Hydrogéologie. A definição do termo “como o estudo