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A lente da qual se faz uso para dotar a pesquisa de inteligibilidade encontra-se baseada nos apontamentos da História do Currículo. Investigar e narrar a institucionalização dos cursos biológicos com base nessa lente permite, não apenas a compreensão do presente pelo passado que, muitas vezes, leva à tentação de justificar tais estudos pela possibilidade de se evitar a repetição dos mesmos erros, mas também a compreensão do passado pelo presente, devido à obrigatoriedade de uma atitude prudentemente regressiva. Tanto o passado auxilia na compreensão do que se tem no presente, quanto este último permite ver o passado com outros olhos, transformando os focos de atenção e colocando novos pontos de reflexão.

Por outro lado, o currículo assumido neste texto como uma construção cultural e social demanda considerar e analisar os contextos (social, político, econômico, cultural e pedagógico) concretos que o moldam, além de compreender as diferentes ações, os vários sujeitos, as múltiplas concepções, os espaços e tempos distintos, os diversos saberes/fazeres que intervêm em sua configuração, no interior de certas condições concretas estabelecidas por interações culturais, sociais e institucionais. Pode-se assim perceber que a riqueza dos estudos históricos sobre currículo consiste em transformar o foco de atenção, colocando novos questionamentos, instigando a reflexão e o desenvolvimento de estudos que ultrapassam o patamar curricular em si, possibilitando análises em diferentes níveis e contextos (MACEDO, 2001).

Marcondes (2002) afirma que trabalhar com a História do Currículo é reconstruir a história a partir de múltiplas versões, analisar documentos, estabelecendo relações e correlações no sentido de reconstruir uma rede de significados. Ao fazer essa reconstrução os pesquisadores enfrentam a tensão entre os aspectos macro e micro-sociais. Ao reduzir a análise a um desses aspectos, corre-se o risco de minimizar a complexidade do fazer curricular.

Nesse sentido, este estudo sobre o movimento de conformação dos cursos de Ciências Biológicas e as implicações que dela são decorrentes localiza-se em uma meso-abordagem. Usa-se esse termo não para sinalizar uma posição estática de análise, mas como uma estratégia analítica em que diferentes escalas são mobilizadas em distintos momentos e formas possibilitando construir um entendimento mais denso sobre o objeto de investigação. Para Brandão (2001) e Lopes (2006), a articulação entre essas diferentes dimensões enriquecem a análise do tema de pesquisa, dado que apresentam graus de ligação e se alternam em importância, de tempos em tempos, sob diferentes condições da pesquisa. Além disso, esta aproximação entre as fronteiras do macro e do micro pode contribuir para dar

visibilidade à memória de grupos específicos, ao invés de se resumir a uma memória geral e dominante, liderada por uma imagem, que um determinado grupo social desejou transmitir.

Desse modo, em dadas ocasiões serão privilegiados elementos micro-sociais, e em outras, uma dimensão macro-social. Nesse caso, na primeira dimensão enquadram-se as circunstâncias referentes a cada curso, como o próprio movimento de institucionalização, fontes de inspiração e de influência, projeto de fundação, práticas cotidianas, currículos instituídos, saberes ensinados, pedagogia exercitada, formação e atuação do corpo docente, acesso dos professores, atuação do corpo discente, redes de sociabilidade15, comunidades disciplinares16, espaços e materiais disponíveis, recursos, metas a serem alcançadas, mudanças e permanências de professores, filiações teóricas que se articulam a determinados momentos sociopolíticos, relações de poder, reformas, etc. Na segunda dimensão, procura-se estudar, por exemplo, as especificidades universitárias, compreendendo o processo de origem, de estabilidades e rupturas, as condições materiais e financeiras, as características organizacionais e estruturais, a articulação com outras instituições, as influências culturais, políticas e econômicas internas e externas ao meio, a posição do curso de Ciências Naturais/História Natural dentro da estrutura universitária, o desenvolvimento da área de Ciências Biológicas, dentre outros elementos.

No âmbito da mesoabordagem, emerge uma renovação do conhecimento historiográfico sobre as linhas de continuidade e de mudança no percurso histórico das instituições. Um processo investigativo que, fazendo apelo a uma diversidade de informações, passa pela integração das instituições nas paisagens física e humana e se alarga da estrutura arquitetônica das edificações e dos espaços aos aspectos simbólicos, relações de comunicação e de poder, memórias individuais e memória coletiva, relação científica e educativa. A evolução arquitetônica, a gestão/adaptação dos espaços e das estruturas, as políticas de habilitação e recrutamento do pessoal docente, os períodos de renovação dos recursos humanos (docentes e discentes) e de material são fatos, acontecimentos e combinatórias, que não só não podem ser

15 Para Sirinelli (2003), “a noção de rede remete ao microcosmo particular de um grupo, no qual se estabelece

vínculos afetivos e se produz uma sensibilidade que se constitui marca desse grupo”, “todo grupo de intelectuais organiza-se a partir de uma sensibilidade ideológica ou cultural comum e de afinidades, que alimentam o desejo e o gosto de conviver” (p.246). De acordo com Gomes (1993), as redes de sociabilidade são entendidas como um grupo permanente ou temporário, qualquer que seja seu grau de institucionalização, no qual se escolhe participar, pelo atendimento ao conjunto de formas de conviver com os pares. Essas redes, portanto, constituem uma ferramenta para compreender os movimentos de encontro, de distanciamento e de articulações entre intelectuais, a organização e a dinâmica do campo intelectual, o movimento das ideias, os vínculos e as tomadas de posição.

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Termo cunhado por Goodson (1997), que significa a constituição de um grupo social de profissionais (professores e pesquisadores) ligados às disciplinas científicas, acadêmicas e escolares, semelhante ao que acontece com outras profissões ou associações profissionais.

deixadas de lado da problematização histórica, como são fundamentais enquanto fatores de ação e informação, bem como vias de estruturação da investigação (MAGALHÃES, 2005).

A compreensão do objeto de estudo, não é, portanto, uma questão necessariamente de intensidade do mergulho em uma, ou em outra escala, e sim de diálogo entre as mesmas e reflexão. Como ensina Jacques Revel:

[...] variar a focalização de um objeto não é unicamente aumentar ou diminuir seu tamanho no visor, e sim modificar sua forma e sua trama. Ou então, para lançar mão de outro sistema de referência que a mim pessoalmente me parece mais elucidativo – o cartográfico –, a escolha de uma ou outra escala de representação não equivale a representar em tamanhos diversos uma realidade constante, e sim transformar o conteúdo da representação mediante a escolha do que é representável (REVEL, 2010, p.438)

Investigar o processo de institucionalização dos cursos de graduação sob as lentes da História do Currículo, também impõe refletir sobre sua produção em espaços e tempos específicos. Nesse sentido, faz-se necessária estabelecer uma conduta de análise com relação a esses espaços denominados institucionais17, isto é, este local por onde as Ciências Biológicas transita, a universidade, e se afirmam os cursos de graduação. Mais do que isso, enquadra-se a história das instituições no quadro epistêmico da análise institucional.18

Para uma das principais referências nesse assunto, Magalhães (2005) dita que:

A história de uma instituição educativa não constitui uma abordagem descritiva ou justificativa de aplicação de uma determinada política educativa, como também não se confina à relação da instituição com o seu meio envolvente. A construção desse objeto do conhecimento – a instituição educativa como totalidade em organização e desenvolvimento na sua internalidade e na sua relação ao exterior – opera-se através de um marco teórico interdisciplinar e de uma hermenêutica cruzada entre memórias, arquivos e museus no âmbito de uma progressão e de uma regressão investigativas – um percurso metodológico dedutivo/indutivo (MAGALHÃES, 2005, p. 102).

Dominique Juliá (2002) traz outra contribuição pertinente às reflexões desse teor, quando, focalizando a intituição escolar, sinaliza que o estudo desta tem que ser realizado mediante uma análise de sua cultura escolar, isto é, mediante o interior institucional, reconhecendo assim a produtividade desse espaço. Para Viñao Frago (2000), a compreensão da cultura escolar passa necessariamente pela consideração que vai desde a sociologia das

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Segundo o dicionário Michaelis (2009), instituição é um “complexo integrado por ideias, padrões de comportamento, relações inter-humanas e, muitas vezes, um equipamento material, organizados em torno de um interesse socialmente reconhecido.”, assim, considera-se instituição, neste estudo, tanto a universidade, quanto o curso de graduação.

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A literatura de História do Currículo, de História das Instituições Educativas, de Cultura Escolar e de produção do Conhecimento Escolar tem sido produzida tomando como referência a instituição escolar, deste modo, a produção do presente estudo serve-se dela para derivar as reflexões sobre o contexto acadêmico.

organizações até a antropologia das práticas cotidianas. Nesse sentido, “a cultura escolar pode ser definida como um conjunto de ideias, princípios, critérios, normas e práticas sedimentadas ao longo do tempo das instituições educativas” (VIÑAO FRAGO, 2000, p.100). Ou em um sentido mais amplo, “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos” (JULIÁ, 2002, p.10). São normas e práticas que precisam ser entendidas nos aspectos relativos ao contexto de sua produção, à sua finalidade, que variam segundo o tempo, podendo atender às questões de ordens diversas como religiosa, sociopolítica ou de socialização.

Mobilizando as reflexões desses autores para pensar a instituição acadêmica, estas significam dizer que no interior da universidade e dos seus cursos produzem-se “modos de pensar e de atuar que proporcionam” a todos os sujeitos envolvidos nas práticas universitárias “estratégias e pautas para desenvolver tanto nas aulas como fora delas” condutas, modos de vida e de pensar, materialidade física, hábitos e ritos (VIÑAO FRAGO, 1995, p.68-69).

Esta recomendação, entretanto, não pode ser reduzida à dicotomia norma-prática. Os sujeitos envolvidos nas práticas diárias do fazer universitário, na obediência ou não das normas, com artimanhas explícitas ou silenciosas, com estratagemas sutis e eficientes, na “arte de fazer”, para usar uma expressão cara a Certeau, desenvolvem maneiras próprias de sobreviver na selva das condições impostas (CERTEAU, 2008). Esse “jogo de cintura” auxilia, assim, na construção de uma cultura institucional peculiar19, que “[...] desempenha na sociedade um papel que não se percebeu que era duplo: de fato forma não somente os indivíduos, mas também uma cultura que vem por sua vez penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global” (CHERVEL, 1990, p.184).

Esta é outra perspectiva põe ênfase na análise da cultura institucional ambientada em um conjunto mais amplo de culturas sociais. A esse respeito Juliá escreve sobre a importância de “buscar identificar, em um sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que não concebem a aquisição de conhecimentos e habilidades senão por intermédio de processos formais de escolarização.” (JULIÁ, 2002, p.10-11).

Pensar nos sentidos mais amplos da cultura que são impressos na cultura institucional, não significa afirmar que a universidade e seus cursos transmitem uma cultura. Nesse sentido, vale lançar mão das análises de Forquin (1993), quando discute a relação entre escola e

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A concepção de cultura escolar peculiar, neste caso, ancora-se nas proposições de Viñao-Frago, que estende o conceito a todas e a cada uma das instituições escolares. Isso permite atribuir ao curso universitário uma singularidade, sem, no entanto, afirmar que todo elemento singular a uma dada instituição influência na cultura geral.

cultura, expondo que é necessário compreender a cultura a partir de uma complexidade de fatores que lhe atribuem uma dinâmica seletiva:

[...] cultura não existe em lugar nenhum como um tecido uniforme e imutável [...] ela se especifica, ao contrário, numa diversidade de aparências e de formas segundo os avatares da história e as divisões da geografia, que ela varia de uma sociedade a outra e de um grupo a outro no interior de uma mesma sociedade, que ela não se impõe jamais de forma certa, incontestável e idêntica para todos os indivíduos, que ela está submetida aos acasos “das relações de força simbólica” e a eternos conflitos de interpretação, que ela é imperfeita, lacunar, ambígua nas suas mensagens, inconstante nas suas prescrições normativas, irregular nas suas formas, vulnerável nos seus modos de transmissão e perpetuação. Isto significa dizer que a educação jamais transmite a cultura, considerada como um patrimônio simbólico unitário e imperiosamente coerente. Nem sequer diremos que ela transmite fielmente uma cultura ou culturas (no sentido dos etnólogos e dos sociólogos): ela transmite, no máximo, algo da cultura, elementos da cultura, entre os quais não há forçosamente homogeneidade, que podem provir de fontes diversas, ser de épocas diferentes, obedecer a princípios de produção e lógicas de desenvolvimento heterogêneos e não recorrer aos mesmos procedimentos de legitimação. (FORQUIN, 1993, p.14-15).

Procurar olhar o estudo por meio desse entendimento de cultura institucional é pertinente e oportuno. Por outro lado, a história do sistema universitário não pode ser compreendida como o somatório de instituições justapostas nem, pelo outro extremo, a individualização da história de cada uma dessas instituições. Tampouco a história de institucionalização dos cursos biológicos pode ser compreendida assim. Cada instituição e cada curso integra um todo mais amplo que é o sistema universitário, e ao mesmo tempo tem sua identidade própria.

Além disso, é preciso observar que algumas variáveis mais diretas de análise como, por exemplo, características e papéis dos atores não são suficientes para explicar a realidade institucional, tendo de ser articuladas com variáveis respeitantes ao contexto e, sobretudo aos produtos materiais e simbólicos, enfim, ao processo em sentido integrado. Esse processo que associa materialidade e representatividade exige um exercício de regressividade entre processos, produtos e apropriações. Além disso, é preciso ter em mente que a vivência de uma instituição não é de natureza experimental, portanto, sua produção não corresponde a acumulação material, tampouco as apropriações podem ser atribuídas aos processos que delineiam os produtos (MAGALHÃES, 2005).

Apresentado os parâmetros que auxiliam na construção de uma análise sobre a história das instituições, cabe deslocar a lente para visualizar em amplitude as perspectivas de apreciação curricular.

Os estudos de currículo, entendido como forma de organização das experiências de ensino e de aprendizagem nas instituições educacionais (APPLE, 2006; GOODSON, 2001a; MOREIRA; SILVA, 2001), apontam, a partir das características da contemporaneidade, a necessidade de

expandir tais experiências para além dos conteúdos das diversas áreas de conhecimento, organizados em disciplinas específicas, muitas vezes fragmentadas e com fronteiras rígidas.

Segundo Oliveira (2004), o currículo precisa ser entendido como uma criação cotidiana daqueles que fazem as instituições educacionais, como prática que envolve os processos interativos realizados por educandos e educadores, nas relações estabelecidas no cotidiano educacional, relacionado com as estruturas sociais e culturais que o produzem. Dessa forma, podemos entender como a construção do currículo no cotidiano é influenciada e determinada pelas características do contexto socioeconômico-cultural em que as instituições estão inseridas.

Tal compreensão significa afirmar que o currículo, nesta pesquisa, é traduzido e investigado no âmbito de uma definição mais estreita, isto é, mediante análise das áreas biológicas, das disciplinas, dos métodos, dos tempos, dos conteúdos, etc, e mediante uma acepção transversal à cultura e à realidade institucional, que não deixa de ser em qualquer dessas acepções, uma racionalidade das práticas científicas e pedagógicas.

Significa também não visualizar o currículo como um objeto estático, pois, os documentos curriculares (matrizes curriculares, orientações programáticas, manuais das disciplinas etc.), têm um significado simbólico haja vista que determinadas intenções educativas e retóricas são desta forma publicamente comunicadas e legitimadas. É também a expressão da função socializadora e cultural da educação, que se cumpre por meio de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que gera em torno de si. Igualmente, o currículo é um mecanismo que tem como uma de suas funções favorecer a construção de um conhecimento culturalmente selecionado, para ser trabalhado, sistematicamente, no processo de escolarização. Por tudo isso, em termos de conteúdos e práticas, a análise curricular não pode esgotar-se em elementos preestabelecidos, estáticos, formais, regulamentados, mas, deve compreender sua forma e significado à medida que vai interagindo com a cultura nos seus diferentes contextos (PIRES, 2005). Desse modo, analisar os currículos significa estudá-los no contexto em que se configuram, e através do qual se expressam em práticas educativas e traduzem-se em distribuição de status, recursos e território (GODDSON, 2001a).

Reler cada um dos documentos para reconstruir o cotidiano curricular não é, portanto, tarefa fácil, pois ele se apresenta complexo, difuso, difícil de captar e de desvelar o que está encoberto. Mas é um desafio aceitável, considerando que a História do Currículo possibilita acompanhar a natureza dos processos curriculares, compreendendo a gênese e o desenvolvimento de determinadas categorias que hoje estão presentes, muitas das vezes, com outros significados.

A literatura sobre história das disciplinas escolares também contribui com alguns apontamentos nesse sentido, pois como salienta Lopes (1999), é por intermédio da organização

disciplinar que o trabalho dos professores e alunos nas escolas é controlado - quem pode fazer o quê, qual conteúdo é ministrado, em que horário, por quais professores e para que alunos.

Autores como Goodson (1990, 1997, 2001a, 2001b) e Chervel (1990) tratam do cerne dos estudos históricos sobre as disciplinas, que consiste na concepção de que estas não são apenas vulgarizações ou transposições de um dado conhecimento de referência – entendem- nas como construções históricas e sociais e, como tais, são constituídas por vários elementos que influem na emergência e sua transformação.

Goodson assinala que o estudo da história do currículo, ao contemplar o estudo do processo histórico de construção de uma disciplina escolar, para além de explicitar as relações complexas entre a instituição e a sociedade e de não aceitar as disciplinas escolares como originárias exclusivamente do conhecimento acadêmico, pode permitir explicar, por exemplo, “o papel que algumas profissões, como a educação, desempenham na construção social do conhecimento“ (GOODSON, 2001a, p.118). Assim sendo, o autor busca entender como “o estatuto, os recursos e a estruturação das disciplinas escolares empurram o conhecimento da disciplina em direções específicas [...]” (GOODSON, 1997, p.24).

Ao defender o estudo da história social das disciplinas escolares, Goodson embasa-se em resultados de pesquisas tanto próprias, quanto de outros pesquisadores (LAYTON, 1973), as quais evidenciam que algumas disciplinas escolares, não só não se originaram de uma disciplina acadêmica, como inclusive, às precederam cronologicamente. Acrescenta-se, a sua observação de que o contexto escolar difere do contexto universitário, portanto, há de se considerar os fatores distintos que interferem na construção de uma disciplina, em um contexto e em outro. É necessário reconhecer que as finalidades sociais do mundo acadêmico são distintas do mundo científico e escolar, marcados por outros interesses, pelo atendimento a outras demandas sociais e constituídos por outras trajetórias históricas. Desse modo, o conhecimento acadêmico não pode ser entendido como uma redução do conhecimento científico, tampouco, os processos metodológicos científicos podem ser igualados aos métodos de ensino na academia.

Chevallard (1991) e Lopes (1999) também lembram que o saber original (no caso, o saber científico-acadêmico), sofre profundas transformações, que vão além de uma mera simplificação dos códigos científicos com o intuito de aproximá-lo dos iniciantes. É perceptível que:

[...] a própria organização do conhecimento em disciplinas é por si só modificadora do conhecimento científico [...]. Portanto, se no processo de didatização conferimos novas formas aos conhecimentos científicos e/ou eruditos, organizando-os em disciplinas nem sempre correspondentes aos saberes de referência, igualmente produzimos novos conteúdos. O que não significa que estamos produzindo ciência.” (LOPES, 1999, p.181)

Além dessa constatação de que as disciplinas acadêmicas têm uma organização própria, cabe salientar que estas não se constituem como entidades monolíticas, e sim, amálgamas mutáveis. Ou seja, são compostas de múltiplos elementos, subgrupos e tradições que mediante controvérsia e compromisso, influenciam a direção, seja de mudança, seja de estabilidade (GOODSON, 1990, 1997). Pode-se, portanto, entender o currículo como uma invenção de tradições20 e subculturas disciplinares.

Observa-se também que as disciplinas são construídas social e politicamente e os “atores envolvidos empregam uma gama de recursos ideológicos e materiais à medida que