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Para identificar, organizar e descrever as pesquisas desse eixo temático baseamo- nos em Miorim e Miguel (2001)104, que trazem discussões sobre as relações entre a história da matemática e Educação Matemática e a relação intrínseca entre ambas, bem como a constituição desses campos autônomos. Acreditamos que essas relações nos auxiliam acompanhar o desenvolvimento desses campos de conhecimento.

Miorim e Miguel (2001) entendem que, nos primórdios, o desenvolvimento histórico dos campos — história da matemática, Educação Matemática e relações entre a história da matemática e a Educação Matemática apresentava-se indissociado no interior da matemática. Desse modo, afirmam que a constituição da autonomia desses campos ocorre na medida que indicadores são identificados no desenvolvimento histórico de cada campo. Esses indicadores provêm do surgimento dos primeiros textos e/ou comentários esparsos específicos de cada campo, da existência de discussões coletivas sobre o novo campo de conhecimento e do aparecimento de sociedades e comunidades científicas com a preocupação de desenvolver pesquisas e a delimitação do novo campo de investigação.

Acreditamos que ao olharmos a relação entre esses campos favorecer-nos-á uma melhor classificação das pesquisas, além de nos permitir compreender a constituição da histórica da matemática e da Educação Matemática.

Miguel e Miorim (2002, p. 180)105 afirmam que as primeiras manifestações de estabelecimento de relações entre a história da matemática e a Educação Matemática deram-se pela percepção da importância da participação da história da matemática no processo de ensino-aprendizagem dessa disciplina. Posteriormente, essas manifestações das relações já eram explícitas sob a forma de fragmentos de produções.

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MIORIM, Maria Ângela; MIGUEL, Antonio. A constituição de três campos afins de investigação: história da matemática, Educação Matemática e história & Educação Matemática. Teoria e Prática da

Educação, Maringá: DTP/UEM, v.4, n. 8, p. 35-62, 2001.

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MIGUEL, Antonio; MIORIM, Maria Ângela. História da matemática: uma prática social de investigação em construção. Educação em Revista — Dossiê: Educação Matemática, Belo Horizonte, UFMG, n. 36, p. 177-204, 2002.

Reforçam os autores que há outras formas estabelecidas de relações entre a história da matemática e a Educação Matemática, especialmente quando identificam “histórias” para serem investigadas, como, por exemplo, história da matemática enquanto disciplina escolar em determinados períodos e contextos históricos, história do ensino de determinadas noções matemáticas ou campos da matemática, história de pessoas que exerceram influência na Educação Matemática em determinados contextos e períodos históricos, história dos manuais didáticos de matemática, história das instituições que exerceram influência na Educação Matemática em determinados períodos e contextos, história da investigação em Educação Matemática.

Segundo os autores, além dessas formas de manifestações, foram criadas as sociedades internacionais106, havendo divulgação e publicação dos estudos relativos à história da matemática e da Educação Matemática no país e exterior. No Brasil, a constituição da prática social autônoma de investigação em história da matemática apresenta algumas particularidades, na qual os autores atribuem ao surgimento, na década de 1970, da pós-graduação e de disciplinas específicas e, nas décadas de 1980 e 1990, à criação do movimento da etnomatemática e ao retorno de pesquisadores brasileiros que realizaram doutoramento no exterior com ênfase em história da matemática107; só mais tarde surgiriam investigações sobre o ensino da matemática. Ao caracterizarem a produção acadêmica brasileira no interior da prática social de investigação em história da matemática, Miguel e Miorim (2002) fundamentaram-se nos anais dos Congressos Luso- Brasileiro de História da Matemática (1993-2000) e Seminários Nacionais de História Matemática (1995-2001). Os aspectos analisados nas produções brasileiras diziam respeito à natureza do objeto de investigação/campo de investigação, à instituição e cidade/estado. Os autores constataram mudanças anteriores a 1999 e posteriores a essa data, com crescimento expressivo (de 46 para 123) do número de pesquisas e estudos sobre o tema.

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Algumas sociedades internacionais da História da Matemática foram criadas a partir da década de 1970, como por exemplo: Canadian Society for the History and Philosophy of Mathematics (CSHPM, Canadá), British Society for the History of Mathematics; Comissão da União Africana de Matemática para a História da Matemática em África (AMUCHMA, Moçambique), e, Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat, 2001).

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Alguns desses doutores brasileiros em história da matemática, os respectivos países onde realizaram doutoramento, temas de pesquisa e atual instituição: Drª. Circe Mary Silva da Silva Dynnikov (Alemanha/Positivismo e Ensino da Matemática/UFES), Dr. Sérgio Roberto Nobre (Alemanha/Difusão da Matemática/UNESP-Rio Claro).

Embora Miguel e Miorim (2002) tenham identificado em seus estudos seis campos de investigação108, em nossa análise das pesquisas em Educação Matemática da Unicamp encontramos apenas quatro deles: História/Filosofia da Matemática; História do Ensino e da Educação Matemática enquanto campo profissional e científico; Teoria da História ou Filosofia na/da Educação Matemática e Campos afins.

No Quadro 4, apresentamos, sinteticamente, as 16 pesquisas desse eixo:

Quadro 4 — EIXO TEMÁTICO: História/Filosofia/Epistemologia

Foco/Objeto de estudo Autor Nível Orientador

História/Filosofia da matemática

Número/Conceito de número Machado (1993) Ms H.G.Arana

Geometria não-euclidiana/Estudo histórico-pedagógico do surgimento das geometrias não-euclidianas

Brito (1995) Ms A.Miguel 3 Quadrivium/Saberes matemáticos e discursos da matemática na

obra de Isidoro

Brito (1999) Dr A.Miguel

História do ensino e da Educação Matemática

História do abandono do ensino de geometria no Brasil Pavanello (1989) Ms L.Moraes

História do ensino da matemática Miorim (1995) Dr L.Moraes

Visão histórica do ensino de funções Bonetto (1999) Ms M.C.S.Domite-

Mendonça Estudo das tendências didático-pedagógicas do ensino de

matemática nos cursos técnicos Cesa (2000) Ms D.Fiorentini

História do ensino de geometria na formação do oficial do Exército

Martino (2001) Ms E.S.Ferreira 6 História da pesquisa em Educação Matemática no Brasil Fiorentini (1994) Dr U.D’Ambrosio

Teoria da história/filosofia na/da Educação Matemática

História e Educação Matemática Miguel (1993) Dr L.Moraes

Filosofias sociais da matemática nas perspectivas de Wittgenstein, Lakatos e Ernest

Jesus (2002) Dr A.Miguel

3 Visões iluministas sobre Educação Matemática Gomes (2003) Dr A.Miguel

Campos afins

Matemática e Sociedade/Evolução da ciência matemática Carrera de Souza (1986)

Ms L.Moraes

Sensos matemáticos, Educação Matemática Carrera de Souza

(1992)

Dr L.Moraes Racionalidade, corpo e Educação Matemática/Constituição da

matemática como ciência

Anastácio (1999) Dr E.S.Ferreira 4 Aprendizagem matemática resultado de uma experiência

definida

Orlandi (2002) Dr A.Miguel

Essas pesquisas desenvolveram-se principalmente a partir da década de 1990, tendo como seus principais orientadores Lafayette de Moraes e Antonio Miguel. Dos 16 estudos, 50% foram desenvolvidos no grupo Hifem após a instituição da área de concentração Educação Matemática.

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Os seis campos de investigação identificados pelos autores: (i) História da matemática; (ii) História da Educação Matemática; (iii) História na Educação Matemática; (iv) Estudos historiográficos; (v) Teoria da história na ou da Educação Matemática e (vi) Campos afins.

O grupo dos três estudos relativos a história/filosofia da matemática foi produzido na década de 1990, os quais se caracterizaram como estudos histórico-bibliográficos que utilizaram como material de análise fontes secundárias, como no caso dos trabalhos de Machado (1993) e Brito (1995), e fontes primárias, como no estudo de Brito (1999). Esses trabalhos focaram aspectos diferentes da História da Matemática e com propósitos distintos. Machado (1993), por exemplo, buscou junto aos principais filósofos da antiga Grécia — Tales, Pitágoras, Platão, Aristóteles e Euclides, os fundamentos histórico-filosóficos do conceito de número. Brito (1995), por sua vez, procurou analisar as condições histórico- epistemológicas que possibilitaram o surgimento das geometrias não-euclidianas, tomando como foco principal de discussão, segundo uma perspectiva histórico-pedagógica e filosófica, o quinto postulado de Euclides. No terceiro estudo desse foco temático, Brito (1999) tomou como objeto de análise histórica as obras de Isidoro de Sevilha, nelas destacando os saberes matemáticos e as crenças/concepções subjacentes.

Em relação ao foco história do ensino e da Educação Matemática enquanto campo

profissional e científico encontramos seis estudos. Dois desses tiveram como objeto de

estudo histórico o abandono do ensino de geometria no Brasil. Pavanello (1989), de um lado, investigou, de uma perspectiva sociológica, as possíveis causas e o momento e a maneira como ocorreu o abandono do ensino de geometria no mundo e, principalmente, no ensino público brasileiro. Entretanto, para subsidiar suas análises, a autora realizou um estudo prévio sobre como se desenvolveram historicamente a geometria e o papel atribuído a ela na formação dos indivíduos. Martino (2001), de outro lado, procurou investigar, à luz da perspectiva social, da política, da econômica e dos paradigmas pedagógicos, os motivos que levaram as academias militares brasileiras a reduzir drasticamente a formação do oficial do Exército em geometria, tendo, inclusive, sido extintas várias cadeiras do currículo relativas a esse campo do conhecimento matemático.

Em outro estudo histórico sobre o ensino da matemática, Bonetto (1999) focalizou um tópico específico do currículo escolar de matemática — o ensino de funções —, sobretudo a evolução do ensino das representações gráficas em livros didáticos brasileiros. Este autor, entretanto, para subsidiar sua análise, buscou aportes teórico-metodológicos

num estudo preliminar no qual procurou investigar a constituição da representação gráfica de funções ao longo da história da matemática.

Os estudos de Pavanello (1989) e Bonetto (1999) mostram, metodologicamente, um movimento investigativo no campo da história da Educação Matemática, que, segundo Miguel e Miorim (2002, p. 187), pode ser “[...] diacrônico ou sincrônico, pois os estudos desse campo investigam a atividade matemática na história, exclusivamente em suas manifestações em práticas pedagógicas de circulação e apropriação do conhecimento matemático [...]” (grifo nosso). Os autores ressaltam ainda que o que permeia a investigação da história da Educação Matemática diz respeito à relação entre o conhecimento matemático, produzido pela investigação dos matemáticos, e a matemática escolar, isto é, o conhecimento matemático produzido para a, e na instituição escolar (MIGUEL e MIORIM, 2002, p. 189).

Dessa forma, esse tipo de produção de história da Educação Matemática utiliza, primordialmente, fontes históricas da educação e da matemática. Conforme Miguel e Miorim (2002, p. 190), a sua escrita consiste em “[...] buscar relações entre essas duas histórias”, ou seja, é um exercício de associação dos conteúdos historicamente produzidos na matemática com as tendências pedagógicas presentes no mesmo período histórico, e a matemática escolar como uma adaptação e/ou problematização da matemática científica no contexto escolar.

Um outro estudo que contempla essa perspectiva é o de Miorim (1995), que investigou a história da Educação Matemática desde o período das antigas civilizações do Oriente Médio até o início do Movimento da Matemática Moderna no século XX. A tese de doutorado de Miorim dedica atenção especial ao que chamou de primeiro “Movimento Internacional para a Modernização do Ensino de Matemática” das escolas secundárias, ocorrido no início do século XX, o qual teve como grande idealizador o matemático alemão Felix Klein.

No quinto estudo relativo à história da Educação Matemática, Cesa (2000) desenvolveu um estudo histórico-pedagógico das tendências didático-pedagógicas do ensino de matemática nos cursos técnicos brasileiros ao longo do século XX. Além de

descrever as origens e as políticas e tendências curriculares do ensino técnico no Brasil a autora centrou seu foco de análise no binômio: formação profissional e formação geral ou intelectual.

O sexto trabalho dentro dessa categoria temática é o de Fiorentini (1994), que se diferencia dos demais por realizar um estudo histórico da Educação Matemática brasileira enquanto campo de produção de conhecimento. De fato, Fiorentini (1994) investigou desde os primeiros indícios de aparecimento de pesquisas em Educação Matemática no Brasil, a partir da década de 1920, chegando à fase de evolução e consolidação deste campo de produção de conhecimento — década de 1990 —, tendo por base, a partir da década de 1970, a produção científica discente (204 dissertações e teses) em cursos de pós-graduação do país. O autor, além de identificar e descrever tendências temáticas da pesquisa acadêmica em cursos de pós-graduação realizou, com mais profundidade, um balanço crítico dos estudos relativos à resolução de problemas e à modelagem matemática.

O terceiro grupo relativo ao primeiro eixo temático da pesquisa acadêmica em Educação Matemática da Unicamp diz respeito à teoria da história/filosofia na ou da

Educação Matemática. Segundo Miguel e Miorim (2002), esta categoria contempla aqueles

estudos que têm como objeto de investigação a pesquisa filosófica com questões ou aspectos relativos à história da matemática e/ou à história da Educação Matemática e apresentam essencialmente fontes escritas, como livros didáticos, artigos, dissertações, teses.

Nessa categoria encontramos três teses de doutorado que possuem uma perspectiva histórico-filosófica: Miguel (1993) situou a história e Educação Matemática; Jesus (2002), as filosofias sociais da Matemática nas perspectivas de Wittgenstein, Lakatos e Ernest e Gomes (2003), as visões iluministas sobre Educação Matemática.

Por fim, reunimos aquelas pesquisas que não se inserem em nenhum dos campos anteriores e que foram denominadas por Miguel e Miorim (2002) de investigações dos “campos afins”. As quatro pesquisas relacionadas nesta categoria tratam de questões epistemológicas relativas à natureza desse conhecimento, sobretudo das suas concepções metodológicas (empírica, dedutiva, racional e simbólica) e de sua relação com a sociedade

(CARRERA DE SOUZA, 1986). O mesmo autor retomou e aprofundou em sua tese de doutorado a relação do conhecimento matemático com a sociedade e com a Educação Matemática (CARRERA DE SOUZA, 1992). A interligação do conhecimento matemático com a Educação Matemática é estabelecida a partir dos “sensos matemáticos”, os quais têm proximidade com a etnomatemática. Anastácio (1999), ao investigar a constituição da matemática como ciência, buscou compreender o movimento entre racionalidade, corpo e Educação Matemática. Por último, Orlandi (2002) defendeu a tese de que a apreensão das formulações matemáticas é resultante de uma experiência definida.