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História e perspectiva dos conselhos de educação no Brasil

Ao refletir sobre os conselhos no campo educacional, dentro da perspectiva de gestão dos sistemas de ensino, cumpre-nos a responsabilidade de esclarecer que “a gestão de qualquer setor institucionalizado conta, entre outros fatores, com a legislação como forma de organizar-se e de atender regularmente a objetivos e finalidades” (CURY, 2004, p. 43), isto é, os sistemas de ensino, especificamente no Brasil, fazem parte de um sistema complexo de normatização ou regulação implantado em níveis nacional, estadual e municipal.

Na atual complexidade do sistema de ensino brasileiro, os conselhos de educação devem ser reconhecidos como fundadores destes sistemas, mesmo quando os marcos legais não foram instituídos, pois como “experiências que acompanham e particularizam o processo de redemocratização no Brasil, os conselhos são também espelhos que refletem as dimensões contraditórias de que se revestem nossas experiências democráticas recentes” (TATAGIBA, 2005). Em definição simples, atestada por Lucia Helena G. Teixeira (2004, p. 692), podemos afirmar que os “conselhos são, em sentido geral, órgãos coletivos de tomada de decisões, agrupamentos de pessoas que deliberam sobre algum negócio". Ou, como enfatiza Cury (2004, p. 44), estes conselhos “são órgãos colegiados com atribuições variadas em aspectos normativos, consultivos e deliberativos. Tais aspectos podem ser separados ou coexistentes e sua explicitação depende do ato legal de criação dos Conselhos”. E assim, os conselhos foram construídos – com nomenclaturas diferentes -, “nas sociedades organizadas desde a Antiguidade e existem hoje, com denominações e formas de organização diversas, em diferentes áreas da atividade humana” (TEIXEIRA, 2004, p. 692).

Podemos encontrar na etimologia da palavra conselho significados que podem colaborar para compreendermos hodiernamente seu papel social e institucionalização. Conforme Teixeira (2004, p. 692), o vocábulo conselho apresenta

origem grego-latina. “Em grego refere à “ação de deliberar”, “cuidar”, “cogitar”, “refletir”, “exortar”. Em latim, traz a ideia de “agrupamento de convocados”, o que supõe participação em decisões precedidas de análises, de debates”. Cury (2004, 47) faz uma extensa explicação a respeito dos significados etimológico, filosófico e político da palavra conselho, atentando que a mesma “vem do latim Consilium”. Na sequência, este autor especifica que “consilium provém do verbo consulo/consule, significando tanto ouvir alguém quanto submeter algo a uma deliberação de alguém, após uma ponderação refletida, prudente e de bom senso” (Idem., p. 47, grifos do autor).

Qualquer que seja o conselho, quando inserido no esfera pública estatal, terá por função primordial intermediar as relações entre o Estado/governo e sociedade civil. Sua efetiva atuação possibilita a ampliação da participação e a construção da cidadania, inter-relacionando educação e sociedade. Para Cury (2004, p. 44-45), os conselhos têm uma função convergente, ou seja, “garantir o acesso e a permanência de todas as crianças, de todos os adolescentes, jovens e adultos em escolas de qualidade”, pois, os conselhos têm significado a abertura de espaços públicos à participação da sociedade civil e, consequentemente, ampliando o processo de democratização.

Os Conselhos Municipais de Educação (CME), assim como também os Estaduais (CEE) e Conselho Nacional de Educação (CNE), são “órgãos colegiados, de caráter normativo, deliberativo e consultivo que interpretam e resolvem, segundo suas competências a atribuições, a aplicação da legislação educacional” (CURY, 2004, p. 44). Portanto, são órgãos de gestão dos sistemas de ensino. Os conselhos de educação, em todos os níveis, “participam de uma dinâmica política que ultrapassa o setor educacional, podendo se constituir em um espaço tanto de avanço na consecução das finalidades da educação brasileira como de retardo desses objetivos” (idem., p. 45).

No Brasil, os conselhos em educação podem ser identificados desde o Império (VIEIRA, 2007 e 2008). Jamil Cury (2004) e Teixeira (2004) citam os conselhos vinculados à administração do Colégio Pedro II e aos órgãos de normatização do ensino superior presentes na capital e em províncias, indicando a existência registros que confirmam a atuação de colegiados em algumas províncias do Império, como em Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Paraná, Rio de janeiro, Santa Catarina e São Paulo.

Já no período republicano, com uma avalanche de transformações de ordem político-administrativa (VIEIRA, 2007), com base em “novos” conceitos e leis, os conselhos de educação foram organizados em maior número e visibilidade, com estrutura e funcionamento delimitados em normas gerais ou específicas, atestando natureza, competências, atribuições e composição desses órgãos. Em cada período histórico, os conselhos apresentam natureza, competências, atribuições e composição diferentes.

Com a Tabela 1, apresentada abaixo, podemos visualizar ano, tipo e denominação dos conselhos e o marco legal que o institucionalizou, focando a República.

Tabela 1 - Principais conselhos em educação no Brasil - República Brasil – República

Ano Descrição Marco legal

1891 Conselho Superior Instrução Pública Decreto n. 1.232-G 1892 Conselho de Instrução Superior (Reforma

Benjamim Constant Decreto n. 1.159/1892

1911 Conselho Superior de Ensino (Reforma Rivadávia) Decreto n. 8.659/1911 1925 Conselho Nacional de Ensino (Reforma Rocha

Vaz) Decreto n. 16.782/1925

1931 Conselho Nacional de Educação (governo

provisório de Getúlio Vargas) Decreto regulamentado n. pela 19.850/1931, Lei n. 174/1936.

1938 Conselho Nacional de Serviço Social ---

1961 Conselho Federal de Educação Lei n. 4.024/1961 (Este lei cria os Conselhos Estaduais de Educação) 1971 (Possibilidade de criação de conselhos de

educação nos municípios) Lei n. 5.692/1971

1995 Conselho Nacional de Educação Lei n. 9.131/1995, posteriormente confirmado na Lei n. 9.394/1996 (LDB)

Fonte: Construído pelo autor, com base em Cury (2004), Teixeira (2004) e Mendonça (2004).

Ao reconhecer que os municípios são entes federados, a Constituição de 1988, no artigo 211, reconhece também a autonomia dos municípios para implementar órgãos colegiados normatizadores dentro da gestão dos respectivos sistemas de ensino, sabendo-se que o que os dispositivos constitucionais trazem resultou das exigências sociais pela democratização do país (TEIXEIRA, 2004). Mesmo que a Constituição de 1988 não faça referência aos conselhos de educação,

todas as propostas de políticas educacionais na década de 1990 foram apoiadas nela.

Os princípios de gestão democrática do ensino público e de garantia de padrão de qualidade (art. 206, inc. VI e VII), a afirmação da educação como direito público subjetivo (art. 208, § 1º) e a descentralização administrativa do ensino (art. 211) fortaleceram a concepção dos órgãos colegiados na estrutura de ensino e alimentaram as expectativas em favor da constituição de conselhos de educação mais representativos (TEIXEIRA, 2004, p. 698).

Teixeira (2004) associa os conselhos de educação à participação efetiva da sociedade civil no poder local e afirma que

A questão da participação política da sociedade civil, o âmbito da educação local, emerge como ponto fulcral nessa discussão e requer que se dedique a ela especial atenção, quando se discutem as competências e a composição dos conselhos de educação, no âmbito dos municípios (p. 701).

A partir da década de 1990, fundamentados na ideia de participação trazida dos princípios democráticos, os entes federados passaram a implantar conselhos de políticas setoriais, ou seja, cada área administrativa do governo comportaria um conselho específico, normativo, consultivo e/ou deliberativo. Diante deste panorama, foram criados diversos tipos de conselhos em nível federal e regulamentados nos Estados e municípios.

No início da primeira década do século XXI (2002-2004), reconhecimento a importância dos CME para o fortalecimento dos sistemas de ensino, diante da necessidade de organização e estruturação destes, e dos conselhos, o Ministério da Educação (MEC) implementou duas ações em âmbito nacional. A primeira delas foi o Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação – Pró-Conselho, instituído com o objetivo de qualificar gestores, técnicos e representantes da sociedade civil que atuam nos CME, focando três aspectos principais: a) ação pedagógica da escola; b) legislação e c) mecanismos de financiamento, repasse e controle. O Pró-Conselho promove e estimula a criação de novos conselhos de educação e o fortalecimento dos já existentes, atentando para a participação da sociedade civil na definição, fiscalização e avaliação das políticas educacionais dos municípios, fortalecendo os SME.

A segunda iniciativa do MEC, consequência necessária exigida pela primeira ação, foi a implantação do Sistema de Informação dos Conselhos Municipais de Educação – SICME, orientado para armazenar, fornecer e disseminar

informações sobre os CME a partir dos municípios, ano a ano, possibilitando estudos e pesquisas na área.

O SICME é abastecido com informações diretas dos municípios, via internet, e traz informações sobre a caracterização dos conselhos e o perfil, composição e situação de funcionamento, reunindo dados sobre a gestão e a formação da educação básica. Por isso, o SICME tornou-se um instrumento para o planejamento aperfeiçoamento dos percursos de capacitação de conselheiros, trazendo informações atualizadas sobre organização, funcionamento e monitoramento do Pró-Conselho. Além disso, para facilitar a circulação das informações, já que o sistema é fechado, o MEC publica anualmente relatório sobre os CME.

Os dados apresentados por SICME nos últimos relatórios anuais comprovam as inúmeras impertinências na estrutura e no funcionamento dos CME no Brasil, sobretudo em relação às funções desempenhadas pelos Conselhos, justificando, ainda mais, a necessidade de pesquisas que foquem o universo dos CME, abordando questões relevantes para a gestão dos SME. Dentro desta perspectiva, observamos a urgência de aprofundar algumas especificidades sobre participação e controle social, entrelaçando conceitos e evidenciando componentes teóricos no campo dos CME. Na sequência deste trabalho, enfocamos esta relação a partir das categorias participação e controle social implementadas pelos Conselhos de educação nos SME.