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Capítulo 1 – Redes Sociais

1.3 História

Mesmo que o conceito de rede tenha ganho repercussão no contexto atual, sobretudo desde a expansão do uso das TICs, a análise de Redes Sociais remonta a estudos dos anos 30 e 40, marcadamente da antropologia, psicologia, sociologia e matemática. Nos anos 70 e 80, segundo Lozares (1996), com o desenvolvimento da base matemática da teoria dos grafos, que serão propostas e consolidadas metodologias de análise de redes sociais. Ugarte também refere a origem da análise de redes, remetendo-a a “uma forma particular de análise topológico: a descrição das distintas estruturas que pode tomar uma rede e o estudo das propriedades inerentes a cada uma (2007, p. 3)” que, posteriormente, vai refletir no desenvolvimento dos estudos de redes sociais através da apropriação de uma linguagem descritiva da teoria dos grafos como base para a identificação de qualquer rede (Cogo & Brignol, 2010).

Em 1736, o matemático suíço Leonard Euler interessou-se pela questão das pontes Königsberg na Rússia (situadas na cidade Königsberg, hoje conhecida por Kaliningard) banhada pelo rio Pregal (que se ramifica e forma uma ilha, a de Kneiphof) que se encontra ligada à cidade por sete pontes como é possível verificar pela Figura 1 (Neves, 2011).

Figura 1 - Pontes de Königsberg e sua correspondência em vértices e arestas (Neves, 2011).

Um popular quebra-cabeças da época questionava se era possível atravessar as sete pontes apenas uma vez, sendo que os habitantes passaram horas a tentar resolver o problema sem sucesso, mas Euler confirmou que era impossível existir uma solução para percorrer somente uma vez as sete pontes que ligavam a cidade(Neves, 2011).

19 A confirmação faz uso dos “grafos”, um modelo matemático que mostra de forma abstrata problemas reais, usando vértices ou nós e linhas, também chamadas de arestas ou ligações que formam uma rede.

Um grafo é uma representação de um conjunto de nós conectados por arestas que, em conjunto, formam uma rede. Em cima dessa nova ideia, vários estudiosos dedicaram-se ao trabalho de compreender quais eram as características dos vários tipos de grafos e como se dava o processo de sua construção, ou seja, como seus nós se agrupavam (Barabási, 2003; Buchanan, 2002; Watts, 1999, 2003). A abordagem das redes percebe sua natureza através de três princípios fundamentais (Thacher, 2004, p. 5): a conectividade (“tudo está conectado, nada acontece isoladamente”), a ubiquidade (“conectividade acontece em todos os lugares, e é uma propriedade geral do mundo”) e a universalidade (“redes são universais e suas propriedades abstratas gerais podem explicar, descrever e analisar uma grande variedade de fenómenos”). Através da proposição de modelos de análise (como o modelo de “redes igualitárias” de Ërdos e Reyni(1960); modelo de “mundos pequenos” de Watts e Strogatz (1998); ou o modelo de “redes sem escalas” de Barabási e Albert (1999), por exemplo), seus teóricos clamam pela aplicabilidade destes em todos os campos da ciência, como as formas de compreender os “padrões de rede”, de um modo especial, à própria Internet e às redes sociais que ali se constituem.

No grafo da Figura 1, estão figuradas pelos vértices as quatro partes de terra separadas pelo rio Pregal e as sete pontes, as arestas que os unem. Como é possível observar pelo desenho de Euler, uma vez que cada aresta teria de passar duas vezes por cada vértice, à exceção do caminho de entrada e de saída, não seria possível atravessar apenas uma vez cada ponto. Existiria sempre um vértice com pelo menos mais de uma aresta ligando-o a outro vértice. Assim, seria impraticável passar uma única vez pelas sete pontes. A prova do matemático é considerada o primeiro teorema do sistema de grafos e grande parte da terminologia empregue na análise de redes sociais foi tomada de empréstimo ou ajustada desta teoria(Neves, 2011).

A noção sobre o que entendemos por rede, definida genericamente como um conjunto de nós interconectados, caracterizada pela flexibilidade e adaptabilidade, supõe concebê-la como produto da intervenção e interação humanas sobre a materialidade tecnológica. Para Manuel Castells (2003a), as redes configuram as lógicas da organização social contemporânea, caracterizando-se pela geração, processamento e transmissão da informação como fontes fundamentais de produtividade e poder. Para o investigador, os aspetos principais da constituição dessa organização social condicionam ou impactam de alguma forma dimensões tão distintas quanto a economia, o conhecimento, o poder, a comunicação e a tecnologia, sugerindo que a sociedade seria a estrutura social dominante

20 do planeta. Castells (2002, p. 605) pensa na sociedade em rede em uma abrangência transversal, a partir da análise de aspetos económicos, culturais, políticos e sociais, ao mesmo tempo global, não substitui outras estruturas sociais, mais centralizadas e hierárquicas.

Em 1958, Ithiel Pool (cientista politico) e Manfred Koochen (matemático) escreveram “Contactos e influências”, publicado apenas em 1978, apesar de ter circulado antes da impressão. Neste texto, formulam algumas das mais importantes questões relativas ao estudo das redes sociais, como por exemplo: quantas pessoas conhecem o mesmo individuo? Que tipos de pessoas têm mais contactos? São essas as pessoas com mais influência numa rede? Qual a probabilidade de duas pessoas escolhidas à sorte se conhecerem? Qual a hipótese de terem um amigo em comum? Pool e Kochen iniciaram por observar o problema que consistia em determinar o número de contactos que cada pessoa obtém (Koochen & Pool, 1978).

Surgiu então a incerteza sobre o que era e em que consistia exatamente um contacto social. E mesmo quando se tornou clara a definição de “conhecimento”, de “contacto”, enfrentaram a circunstância de as pessoas não conseguirem prever com facilidade o número de indivíduos que conhecem. Por norma, subestima-se o número de pessoas que conhecemos. Assim, ficou determinado como critério para “conhecer alguém” (Koochen & Pool, 1978, p. 10): Quando A vê B reconhece-o, sabe o nome pelo qual o tratar e normalmente acharia apropriado cumprimentá-lo. Essa definição exclui, tal como notamos, reconhecimento de pessoas famosas, uma vez que são estranhos logo não sentimos a necessidade de os cumprimentar. Também exclui pessoas que vemos frequentemente mas cujo nome nunca aprendemos, por exemplo, o policial na esquina.

O trabalho debate pela primeira vez em termos científicos o fenómeno chamado “efeito de mundo-pequeno” e como os próprios autores declaram, no início do seu texto «Este ensaio levanta mais questões do que respostas (Koochen & Pool, 1978, p. 5)». Ithiel Pool e Manfred Kochen calcularam que, se cada individuo tiver cerca de 1000 conhecimentos, a maioria de pares de pessoas no planeta podem estar ligadas apenas por dois ou três intermediários, no máximo quatro (Koochen & Pool, 1978, p. 10). Alguns dos seus argumentos são lembranças do conto de Karinthy, atrás descritos.

Num estudo aos habitantes de Toronto em 1978, Wellman (1996), descobriu que 42% dos contactos de uma rede acontece entre vizinhos com menos de 1 milha de distância. Guest e Lee (1983) fizeram uma análise idêntica para a cidade de Seattle, e descobriram que para 35% das pessoas alvo do estudo, a grande parte dos seus amigos estariam na vizinhança. Otani (1999) usou dados do General Social Survey de 1986 (EUA) e

21 descobriu que cerca de 1 em 5 contactos numa rede de contactos estaria na mesma rede física.

Lee e Campbell (1999) utilizaram dados de Inquéritos de 1988 de Nashville, Tennessee, no sentido de encontrar ligações de relações sociais entre vizinhos. Definindo o que para eles era estar na vizinhança, de uma forma mais micro que a própria rua, apuraram que 31% desses vizinhos são considerados muito próximos pelas pessoas que responderam ao Inquérito.

Na sociologia, a teoria dos grafos é uma das bases do estudo das redes sociais, ancorado na chamada Análise Estrutural (Degenne & Forsé, 1999), proveniente das décadas 60 e 70, que dedica especial atenção à análise das estruturas sociais. Em trabalho anterior, foi demostrado que a aplicação direta dos referidos modelos da “ciência das redes” para os sistemas sociais não é capaz de dar conta da integridade desses objetos. Embora em alguns estudos, os modelos propostos se revelem frutíferos para análises dos fenómenos sociais, questões essenciais permanecem.

A abordagem, tal como proposta pelos autores, puramente estrutural e matemática dos fenómenos sociais, parece impedir que vários aspetos fundamentais sejam adequadamente compreendidos. A perspetiva parece pressupor a conexão entre os atores de forma igual, sem salientar sua qualidade, sua profundidade e suas especificidades, que em redes sociais, podem fazer diferença. Sem levar em conta o custo da ligação social e presumindo sua existência, os modelos podem levar a conclusões erradas quando aplicados diretamente para os sistemas sociais. Outro senão é a incapacidade dos modelos observarem os vários sentidos nos quais as relações sociais acontecem, como o contexto e o capital social gerado fazem parte de cada interação em uma Rede Social. Os modelos também falham ao levar em conta essas diferenças (RECUERO,2005).

Milgram e Travers (1969) escreveram “Um Caso de Estudo do Problema Mundo Pequeno”, um trabalho em que relataram a experiência efetuada, procedimentos, análise de dados recolhidos e conclusões. Escolheram 296 pessoas, habitantes de Omaha e Boston, cujo objetivo era fazer chegar a um habitante de Sharon um documento por correio. Esse documento descrevia o estudo, pedia a pessoa para fazer parte do mesmo e fornecia algumas informações sobre a pessoa a quem o documento deveria chegar. Uma das questões a investigar consistia em saber qual das informações dadas usaria cada um dos 296 participantes para escolher a quem, seu conhecido, deveria enviar o documento. Incluía também uma lista em que cada pessoa registava o seu nome a fim de que os participantes seguintes não lhe enviassem novamente o documento e um postal que deveriam enviar para Milgram e Travers para que pudessem estar a par do decorrer da experiência. No final, das 296 pessoas selecionadas apenas 217 enviaram os documentos e 64 chegaram ao seu

22 destino, correspondendo a 29% do total enviado. O número de intermediários variou entre 1 e 11, fazendo uma média de 5,2%, ou seja, que entre cada vértice, o de partida e o de chegada, existem cinco outros vértices e seis arestas que os unem, uma conclusão que levou a famosa frase “seis graus de separação”, popularizada por John Guare em 1992, numa peça de teatro com o mesmo nome e adaptou para o cinema em 1993 e SixDegrees.com viria também a ser o nome da primeira Rede Social “online”, lançada em 1997.

Na década de 70 Mark Granovetter daria, como refere Recuero, «outra importante contribuição para o problema da estruturação das redes sociais», confirmando que os “weak ties” eram mais fortes do que os “strong ties” na criação e crescimento de uma Rede Social. Como explica Granovetter, «A força de uma ligação é uma combinação (provavelmente linear) da quantidade de tempo, a intensidade emocional, a intimidade (confidência mútua), e serviços recíprocos que caracterizam a ligação (Granovetter, 1973, p. 1361) ». Os “weak ties” compõem, neste caso, os amigos de amigos, os conhecidos, pessoas com quem a ligação não é tão forte ou quotidiana. Dos “strong ties” fazem parte os amigos e membros da família mais próximos, com quem existe uma ligação mais forte. As ligações mais fracas têm maior importância numa Rede Social, pois são os elementos que fazem parte deste grupo que servem de ligação entre grupos de ligações mais fortes. Com a ausência dos “weak ties” não existiriam redes sociais porque em cada grupo faria parte as mesmas pessoas fazendo com que aquele residisse fechado em si mesmo(Neves, 2011).

Em 2003, acompanhando as contribuições de Milgram e Granovetter para o estudo das redes sociais, Watts, Dodds e Muhamad (2003) fizeram uma experiência idêntica à de Travers e Milgram, mas por meio de “emails”. Solicitaram a 60 mil pessoas de 166 países que enviassem um email para que chegasse a uma das 18 pessoas-alvo, de 13 países distintos. Apenas 3% dos emails chegaram a uma destas pessoas, porém, os investigadores conseguiram confirmar e fortalecer os estudos em que se fundamentaram: em média as mensagens chegaram ao alvo, passando por 5 a 7 pessoas e as ligações mais relevantes foram justamente os fracos, ou seja pessoas que os participantes pensavam estar mais próximas da pessoa-alvo e não aquelas com quem eles próprios possuíam uma ligação mais forte.

Através deste estudo, perceberam também que o sucesso de cada ligação em rede, de qualquer Rede Social que fosse criada e mantida online, dependeria continuamente das pessoas e da participação de cada um, pois como diz Recuero (2009a, p. 103): embora os “sites” de Redes Sociais atuem como suporte para as interações que constituirão as redes sociais, eles não são, por si, Redes Sociais. Eles podem apresentá-las, auxiliar a percebê-

23 las, mas é importante salientar que são, em si, apenas sistemas. São os atores sociais, que utilizam essas redes, que constituem essas redes.

Grande parte do percurso produzido pela análise de redes sociais está relacionado com uma perspetiva estrutural, do qual a reintegração ajuda a compreender a falta de diferentes estudos, usarem metáforas como teia e tecido para alcançar a realidade social de cruzamento e interconexões das interações humanas.

Os anos 90 ficam na memória pelo surgimento das investigações nas várias áreas sobre redes sociais a partir de diversos pontos de vista, bastantes estimuladas pelo aumento da dificuldade da vida urbana e pelas comunicações interferidas pelo computador. Com um estudo mais alargado do conceito, em um afastamento de pontos de vista teórico- metodológico do estudo de redes, pesquisadores de distintas áreas do conhecimento propõem pensar sobre a ideia de “rede” como juntamento de uma restruturação no modo de raciocinar as organizações sociais, envolvendo um ponto de vista epistemológico que admita identificar as aproximações entre o local e o global, o particular e o universal, cada vez mais “sobrepostos” e responsáveis pela interconexão das identidades no panorama atual.

Lozares (1996) fala das redes sociais como conjuntos de atores (indivíduos, grupos, organizações, comunidades) vinculados através de um conjunto de relações sociais. Em formulação similar, Rizo García (2003) trata das redes como formas de interação social, espaços de convivência e conectividade, que se definem fundamentalmente por intercâmbios dinâmicos entre os sujeitos que as formam. As redes constituem organizações sociais que permitem a potencialização de recursos e a contribuição para a resolução de problemas a partir de uma lógica de não homogeneização dos grupos sociais, mas de organização da sociedade em sua heterogeneidade, mediante a estruturação de vínculos entre grupos com interesses e preocupações comuns. Embora a reflexão de Rizo García (2003) sobre as redes seja sugestiva, deve ser tomada com precaução no que se refere ao princípio de que as redes sociais, sempre e por definição, tenderiam a busca de soluções de problemas. O movimento de organização social em redes pode ser acompanhado, muitas vezes, pela simples necessidade de formar vínculos, sem um fim concreto de ação e intervenção social ou propósito de redimensionamento das hierarquizações ou de situações de fragmentação e desarticulação sociais.

Partimos, portanto, do entendimento das redes como estratégias de interações sociais, espaços de intercâmbios flexíveis, dinâmicos e em constante movimento, que não deixam de comportar relações de poder expressas nas disputas, hierarquias e assimetrias que constituem a esfera da comunicação e da cultura. As redes manifestam uma forma de estar junto, de conectar-se e formar laços, ao mesmo tempo que podem implicar um modo

24 de participação social cuja dinâmica conduza ou não a mudanças concretas na vida dos sujeitos ou das organizações. Entendemos, ainda, que as redes sociais configuram interações entre sujeitos, podendo apresentar-se como redes informais, configuradas por requisitos subjetivos, ou podem ser organizadas formal ou institucionalmente a partir da atuação coletiva de grupos com poder de liderança, podendo, ainda, ser híbridas entre as duas configurações. Além disso, as redes contam, para sua organização e funcionamento, com a mediação das tecnologias da informação e da comunicação, especialmente a internet, ao mesmo tempo em que são dinamizadas por espécies de “teias invisíveis”, formadas por interações entre sujeitos não mediadas pelas tecnologias (Cogo & Brignol, 2010).

Os indivíduos constroem as suas redes, online e offline, sobre a base de seus interesses, valores, afinidades e projetos. Devido à flexibilidade e ao poder de comunicação da Internet, a interação social online desempenha um papel cada vez mais importante na organização social no seu conjunto.

Na perspetiva de Castells (2007b) a “cibercultura”, através do “ciberespaço”, configura-se como um novo “ambiente” de estímulo ao surgimento de reações da vida pós- moderna perante a nova sociabilidade facultada através dos mecanismos de troca e interatividade entre os sujeitos utilizadores. O surgimento desta “Sociedade em Rede, utilizando o termo de Castells, alimentada pelo uso “global” da Internet é, na conceção de Castells (2003b) e Wellman (1988), o lugar constitutivo das atuais formas relacionais.

A Internet é o coração de um novo paradigma sociotécnico, que constitui na realidade a base material de nossas vidas e de nossas formas de relação, de trabalho e de comunicação. O que a Internet faz é processar a virtualidade e transformá-la em nossa realidade, constituindo a sociedade em rede, que é a sociedade em que vivemos (Castells, 2003b, p. 287).

Na definição de Boyd (2007) a caracterização de um site como formador de redes sociais se dá a partir de características específicas como ser “baseado em torno de perfis, um tipo de página pessoal (ou com menos frequência, de um grupo) que oferece uma descrição de cada membro. Além do texto, imagens e vídeos criados por um membro, o perfil na Rede Social também contém comentários de outros membros e uma lista pública das pessoas que se identificam como amigos dentro da rede” (Boyd, 2007) (Saturnino, 2009). A definição de Rede Social “online” pode variar conforme a forma de abordagem elegida. Mas, na verdade, desde que algo funcione na www como uma rede que liga os seus utilizadores e lhes permite interagir entre eles, pode ser já definido como Rede Social.

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