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História e sentidos das práticas de saúde na Estratégia de Saúde da

Ao longo da história, as práticas de saúde foram- se adaptando ao contexto histórico das nações. O seu desenvolvimento está profundamente associado às composições sociais das diferentes nações em épocas diversas. Cada período histórico é determinado por uma formação social específica, trazendo consigo uma caracterização própria que engloba sua filosofia, sua política, sua economia, suas leis e sua ideologia (GEOVANINI, 2002).

Acreditamos que é interessante iniciarmos com uma reflexão e discussão acerca com uma investigação semântica da palavra ‘prática’. Para isso, consultamos dois dicionários online, o Aurélio e o Michaelis.

Segundo o Dicionário Aurélio Online (2014),

Prática: [...] Palestra, conferência, fala. / Pequeno discurso feito por um eclesiástico aos fiéis no intervalo da missa. / Execução de alguma coisa que se projetou [...]

planos muito bem imaginados, mas desastrosos na prática. / Processo, maneira de fazer: prática engenhosa. / Uso, costume, convenção: prática parlamentar. / Experiência, hábito: ter prática de nadar. // Pôr em prática, realizar: pôr em prática uma teoria. [...] Exercícios relativos ao culto: práticas religiosas.

No dicionário Michaelis online (2014), ‘prática’ é definida como:

[...] 1 Ação ou efeito de praticar. 2 Realização de qualquer ideia ou projeto. 3 Aplicação das regras ou dos princípios de uma arte ou ciência. 4Exercício de qualquer ocupação ou profissão. 5 Execução repetida de um trabalho ou exercício sistemático com o fim de adquirir destreza ou proficiência: A prática leva à perfeição. 6 Habilidade em qualquer ocupação ou ofício adquirida por prolongado exercício deles: Ter muita prática. 7 Modo ou método usual de fazer qualquer coisa. 8 Maneira de proceder; uso, costume. 9 Conversação, palestra; conferência, discurso. 10 Pequeno sermão ou discurso feito por um sacerdote aos fiéis antes ou no intervalo da missa; exortação. 11 Cumprimento (falando de deveres, virtudes, leis, ordens). 12 [...]Exercício maquinal de alguma arte ou ofício; rotina. 13 [...] P.

do mundo: a) experiência da vida; b) conhecimento dos usos e costumes da sociedade em que se vive. Pôr em prática: efetuar, executar, realizar”.

Percebemos que o significado da palavra ‘prática’ nos dois dicionários apresentam algumas semelhanças, mas também demonstram importantes peculiaridades que contribuem para a nossa reflexão quando relacionados à saúde.

O Dicionário Aurélio, apresenta basicamente um sentido de ação e a afirmação de que reprodução da ‘prática’ pode trazer habilidades. Portanto, a expõe como uma maneira de agir.

Já o dicionário Michaelis online, também define ‘prática’ como ação, porém traz outras interpretações, como a aplicação das regras ou princípios de uma arte ou ciência. Nesse sentido, podemos relacionar a prática como uma ação raciocinada, ou seja, uma ação que não deve ser uma simples repetição ou mecanização, pois se trata de uma ação embasada em algum tipo de conhecimento e com objetivos. Ao contrário do que se entende quando uma ação é meramente mecanizada, ou seja, desprovida de sentido. Também menciona quando alega um significado de rotina, que deve ser bastante refletido quando se pensa nas práticas principalmente no campo da saúde coletiva que defende a integralidade das ações de acordo com a necessidade dos usuários.

Segundo Acioli (2003, p. 158), os termos “Prático” e “Práxis”, também são utilizados como referências às práticas sociais, e os define:

Práxis, que significa ação em grego, é um termo referente a uma ação voluntária voltada para uma razão prática, um agir prático. O materialismo dialético concebe a práxis como uma ação transformadora das condições concretas da existência. A práxis engloba tanto a ação objetiva do homem quanto suas produções subjetivas, articulando ações e intenções. E Prático, indica para a filosofia e para o senso

comum, uma ação ou o que diz respeito à atividade humana concreta. Refere-se ao que pode ser objetivado e traduzido em ação.

A mesma autora ainda reintera que “as práticas são frutos de condições relacionadas ao contexto social, político e econômico e de aspectos subjetivos e de interesses dos grupos sociais” (ACIOLI, 2003, p. 50). Esta definição cabe à equipe da ESF em promover a integralidade das práticas de saúde e organizá-las de acordo com as necessidades de saúde dos usuários.

Antes de entrarmos na questão da ESF, procuramos entender como foi a história e o surgimento das práticas de saúde.

A história do desenvolvimento das práticas de saúde divide-se em seis períodos: a) As práticas de saúde instintivas: caracteriza a prática do cuidar nos grupos nômades primitivos, tendo como pano de fundo as concepções evolucionista e teológica; b) As práticas de saúde mágico-sacerdotais: aproximam-se da relação mística entre as práticas religiosas e as práticas de saúde primitivas desenvolvidas pelos sacerdotes nos templos; c) As práticas de saúde no alvorecer da ciência: corresponde o progresso das práticas de saúde devido ao surgimento da filosofia e a evolução da ciência. Estendeu-se até os primeiros anos da Era Cristã; d) As práticas de saúde monástico-medievais: focaliza a influência dos fatores socioeconômicos e políticos do medievo e da sociedade feudal nas práticas de saúde e as relações destas com o cristianismo. Aqui aparece a Enfermagem como prática leiga, desenvolvida por religiosos e abrange o período medieval compreendido entre os séculos V e XIII; e) As práticas de saúde pós-monásticas: evidencia a evolução das práticas de saúde e, em especial, da prática de Enfermagem no contexto dos movimentos Renascentistas e da Reforma Protestante.

Corresponde ao período que vai do final do século XIII ao início do século XV; f) As práticas de saúde no mundo moderno: considera as práticas de saúde e, em especial, a da Enfermagem sob a ótica do sistema político-econômico da sociedade capitalista e ressalta o surgimento da Enfermagem como prática profissional industrializada (GEOVANINI, 2002).

Portanto, que o cuidado sempre esteve presente desde a origem das civilizações, como uma prática instintiva e empírica, com o mínimo de reflexão crítica e poucos de princípios científicos (MARIN; GIORDANI, 2009).

A transformação histórica das práticas de saúde relaciona-se com as demais práticas sociais, quanto às formas de organização e de produção da vida social. Na Idade Média as práticas de cuidado, subordinavam-se ao dogmatismo religioso. Na era capitalista, a prática de saúde se subordinava a lógica do mercado, passando a ser organizado a partir de uma lógica

privada, tratando a saúde como uma mercadoria com fins lucrativos (ZOBOLI; FRACOLLI;

CHIESA, 2011).

Reiteramos que neste estudo, optamos pelo uso do termo ‘práticas de saúde’, por percebermos que as mesmas estão intimamente ligadas ao cuidado, ou seja, as mesmas podem ser apreendidas como a extensão do cuidado. Por isso, entendemos que o cuidado como uma filosofia ou uma identidade, algo maior, como uma essência que deve estar embasando quaisquer práticas de saúde.

Outra questão a esclarecer, está relacionada às definições de cuidado que estão relacionadas às práticas de saúde da enfermagem. O Enfermeiro possui relação direta com os ACS, pois supervisiona suas atividades. Portanto, as práticas de saúde dos Agentes Comunitários de Saúde são influenciadas por conceitos e reflexões do cuidado em enfermagem.

Concordamos com Pinheiro (2015) que define cuidado como um modo de agir produzido através da experiência de um modo de vida específico e apoiados por aspectos políticos, sociais, culturais e históricos, que se transformam em práticas de espaço e na ação de cidadãos sobre os outros em uma dada sociedade.

No entendimento de Giordani (2008, p. 40), “cuidar supera um ato, uma ação mecânica ou automatizada, sendo portando, mais caracterizada por uma atitude”.

[...] Daí o ‘cuidado como ato’ resulta na ‘prática do cuidar’, que, ao ser exercida por um cidadão, um sujeito, reveste-se de novos sentidos imprimindo uma identidade ou domínio próprio sobre um conjunto de conhecimentos voltados para o ‘outro’

(PINHEIRO, 2015).

Desse modo, concordamos com Merhy (2002), que toda prática de saúde produz procedimentos, e consequentemente cobiça atos cuidadores e curadores. O cuidado como ato resulta na prática do cuidar que quando exercida proporciona no sujeito novos sentidos imprimindo uma identidade ou domínio próprio sobre um conjunto de conhecimentos. Trata-se de uma maneira de agir que é fruto da experiência de um estilo de vida característico e tracejado por aspectos políticos, sociais, culturais e históricos, que se revelam em práticas de espaço e na ação de cidadãos sobre os outros em uma sociedade (PINHEIRO, 2009).

Para Ayres (2001), se considerarmos a mesma ideia de cuidado para o plano mais concreto das práticas de saúde, vamos permanecer intactos no seu conteúdo fundamental e no seu significado mais relevante, pois, cuidar da saúde de alguém é mais que construir um objeto e intervir sobre ele. Para cuidar há que se considerar e construir projetos; há que se

sustentar, ao longo do tempo, um estreitamento entre a matéria e o espírito, o corpo e a mente.

Portanto, a atitude de cuidar não pode ser apenas uma pequena e subordinada tarefa de parcelar das práticas de saúde.

A prática do cuidado é uma prática social, a qual pode ser determinada historicamente e, por sua vez, reflete posições diante do desenvolvimento e da realidade social (FERREIRA;

ACIOLI, 2010).

A Estratégia Saúde da Família (ESF) tem sido referida como a estratégia estruturante para o alcance de mudanças significativas no contexto da Saúde Pública brasileira, principalmente por propor importantes mudanças na forma de conduzir as práticas de saúde.

Possui potencialidades para contribuir para a construção de um novo paradigma assistencial mais voltado para a prática humanizadora e holística (SILVA; MOTTA; ZEITOUNE, 2010).

Em outras palavras, trata-se de uma tentativa de transformar as ações predominantes da área curativa e hospitalocêntrica para a prática de saúde com ênfase na prevenção e a promoção da saúde.

As práticas de saúde na ESF devem ser atreladas às necessidades locais, a partir das quais as ações são elaboradas. Sendo assim é o contexto social de cada comunidade, que permite a implantação eficaz ou não dessas práticas (KEBIAN, 2011).

Paim e Almeida Filho (2000) incorporam ao conceito de prática de saúde, as dimensões objetivas do processo de trabalho, das relações técnicas e sociais que permeiam tais práticas.

O lidar com o cotidiano das práticas de saúde coloca-nos em contato com a realidade dos usuários, os quais apresentam uma pluralidade de recursos populares de cuidados com o corpo, coadjuvantes às terapêuticas oficiais (TEIXEIRA; NOGUEIRA, 2005).

Neste sentido, é necessário conhecer e refletir sobre as práticas de saúde contextualizadas, referidas à existência de determinados grupos sociais, como as suas condições de saúde e doença, num movimento “de fora para dentro” da lógica dos serviços de saúde (ACIOLI, 2003).

Concordamos com Teixeira e Nogueira (2005), que é importante abarcar as experiências do cliente no que se refere às práticas populares de cuidado, no sentido de favorecer o cuidado de si e uma pedagogia crítica e sensível no campo da saúde, por meio de trabalhos participativos na comunidade.

Segundo Acioli (2003, p.36),

As práticas de saúde são construídas através de vários habitus que estão relacionados à interiorização de normas e valores presentes na cultura. São práticas orientadas por uma gama de influências; institucionais, familiares e referentes ao grupo social de que fazem parte. Dessa forma, possuem vários sentidos, que misturam vários elementos da biomedicina e de outras racionalidades médicas e da chamada medicina tradicional ou popular. Podem ser percebidas como maneiras de fazer, que implicam estratégias e táticas de pessoas e grupos desenvolvidas em determinados contextos, no sentido de superação de limites que definem suas práticas. Há, portanto, uma combinação entre as práticas ou maneiras de fazer, e elementos presentes nos contextos da vida cotidiana das pessoas e do lugar que ocupam nos grupos sociais em que se inserem.

É necessário pensar amplamente sobre as práticas de saúde, procurando analisá-las como práticas que não possuem uma única direção, isto é, não servem somente a um único grupo de interesses, a dos profissionais de saúde ou dos usuários (MERHY, 2002).

Na prática de saúde na ESF, os profissionais devem renunciar a vontade de poder que reduz tudo e a todos a objetos, desconectando-se da subjetividade humana. É necessário enxergar integralmente a criança, o jovem, o adulto e o idoso, enfim todo aquele que é assistido como pessoa, como sujeito. Pois, é pessoa em sua totalidade existencial que busca a atenção dos profissionais de saúde (ZOBOLI; FRACOLLI; CHIESA, 2011).

O profissional em suas práticas de saúde não deve se preocupar apenas em tratar a doença ou aliviar os sinais e sintomas ou dar conta dos problemas. O que o contempla é que sua presença, não é meramente física ou profissional, mas de uma pessoa capaz de escutar, entender e acolher, em uma relação profissional- usuário aberta, compreensiva, leal e confiante. Uma relação que valoriza e possibilita decisões compartilhadas no cuidado (ZOBOLI; FRACOLLI; CHIESA, 2011).

“Falar das práticas de enfermagem pressupõe o entendimento de que a profissão, enquanto prática social busca sempre responder às exigências sociais e de saúde de uma determinada época e de um determinado espaço social” (ERMEL; FRACOLLI, 2005, p. 534).

Para Souza et al. (2005, p. 269), “o cuidado de enfermagem consiste na essência da profissão e pertence a duas esferas íntimas: uma objetiva que se refere ao desenvolvimento de técnicas e procedimentos, e uma subjetiva, que se baseia em sensibilidade, criatividade e intuição para cuidar de outro ser”. Para tanto, “O cuidado é expressivo a partir do momento em que deixa de ser uma tarefa para ser uma ação que proporcione crescimento para quem cuida e para que é cuidado” (FONTES; ALVIM, 2008, p. 194).

O agente comunitário de saúde (ACS) exerce o papel de “elo” entre a equipe e a comunidade. É um profissional que utiliza as práticas de cuidado no seu cotidiano está próximo das famílias, entende os seus modos de vida, identifica as necessidades e sugere as condutas pertinentes (KEBIAN, 2011). Por fim, entender e refletir as práticas de saúde destes

profissionais torna-se necessário, a fim de colaborar para o aperfeiçoamento dos processos de formação e aprimoramento das práticas desses profissionais.

É importante lembrar que não se poder colocar nas costas do ACS o árduo e complexo papel de ser a mola propulsora da consolidação do SUS, pois na prática esta consolidação depende de um conjunto de fatores técnicos, políticos, sociais e o envolvimento de diferentes atores, incluindo os próprios ACS que sem dúvida tem um papel fundamental (TOMAZ, 2002, p. 85).

Portanto, conhecer e entender as práticas de saúde dos ACS é uma maneira de estimular futuros estudos sobre este objeto a fim de responder a esses e outros questionamentos sobre o papel deste profissional na Estratégia Saúde da Família.