• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 – HISTÓRIA DAS MULHERES NO BRASIL

3.5 A história sob um olhar atento

3.5.1 “Olhar de Gênero” – Desnaturalizando assimetrias

Defendemos aqui a ideia de que para que as aulas de história consigam atingir seus objetivos e sua função social, faz-se necessária a incorporação de um “olhar de gênero”. Consideramos que um dos objetivos desta pesquisa e do museu da história das mulheres que ela propõe é questionar as aulas de história que ofereçam apenas abordagens tradicionais e incompletas de conteúdos tradicionais e incompletos, e de uma forma geral estamos buscando diversificar essas abordagens e esses conteúdos. Para que, dessa maneira, possam ser produzidos dentro da escola discursos democráticos, plurais e inclusivos que sirvam para questionar e desarticular de forma crítica e cidadã outros discursos ligados ao racismo, machismo, desigualdade, misoginia, discriminação e violência.

Em outras palavras, a intenção é oferecer uma situação nova de aprendizagem que possa instrumentar posicionamentos contrários ao preconceito e aos estereótipos. É preciso que professores possam olhar para os conteúdos selecionados para as aulas com um olhar diferente, um olhar de gênero, buscar nesses conteúdos essa desnaturalização de representações e assimetrias apontadas anteriormente, só assim podemos pensar nas questões atuais que envolvem os debates sobre o tema dessa pesquisa.

De uma forma ainda mais direta, o que queremos é pensar como uma aula de história em uma sala de 3º ano do Ensino Médio, que começa amanhã às 07h20min, pode também oferecer condições para que os alunos percebam o feminino e as mulheres na história. Se a história e o ensino de história entendem que existe uma diversidade de representações e manifestações culturais que são específicas nas relações com o contexto histórico a que pertencem, é necessário que um olhar de gênero contribua em todos os sentidos na análise dessa diversidade.

Portanto é necessário assumir que existe ainda essa lacuna na escola, nas aulas de história. Quantas aulas de história que começarão amanhã pela manhã estarão oferecendo um olhar de gênero para os conteúdos abordados? Ou ao menos questionarão e mostrarão onde estavam as mulheres nesse contexto?

As questões de gênero refletem o modo como diferentes povos, em diversos períodos históricos, classificam as atividades de trabalho na esfera pública e privada, os atributos pessoais e os encargos destinados a homens e a mulheres no campo da religião, da política, do lazer, da educação, dos cuidados com saúde, da sexualidade etc. (BRASIL, 2007, p. 41).

Segundo Pinsky (2010), existe ainda essa lacuna nas aulas de história. Para a autora, as pesquisas sobre gênero enriqueceram os debates e a própria escrita da história nas últimas décadas. É preciso fazer o mesmo com as aulas de história. Essa temática, esse olhar, também podem enriquecer as aulas de história.

Através de um olhar atento, inicialmente proposto pelo professor, qualquer conteúdo pode evidenciar para a análise dos alunos as construções sociais ligadas ao masculino e ao feminino ao longo da história, e dessa forma desnaturalizar as assimetrias encontradas em diferentes tempos, inclusive no presente. Um olhar de gênero, além de proporcionar a desnaturalização dessas assimetrias entre os gêneros, pode também levar o aluno à reflexão de que essas desigualdades são, ao mesmo tempo, geradoras de preconceitos, estereótipos e violências variadas. E com sorte, proporcionar que eles mesmos, os alunos, e as pessoas que eles conhecem, se percebam enquanto sujeitos históricos e que participam ativamente dessas construções, além do fato que isso tem impactos diretos na estrutura das relações do mundo do qual fazem parte.

Uma abordagem que considere um olhar de gênero pode, por exemplo, fazer o aluno perceber exclusões históricas relacionadas às mulheres. Excluídas da narrativa, não mostrando ou mesmo escondendo de diversas formas as mulheres ao longo da história e, ao mesmo tempo, perceber a exclusão social das mulheres ao longo dos anos, entendendo que haviam espaços e posições em que as mulheres não poderiam estar.

Se o gênero é socialmente construído por nós no cotidiano da família, da escola, da rua, na mídia, então parte-se do pressuposto de que essas convenções sociais podem ser transformadas, ou seja, discutidas, criticadas, questionadas, modificadas em busca da equidade social entre homens e mulheres, do ponto de vista do acesso a direitos sociais, políticos e civis. Educadores e educadoras têm a possibilidade de reforçar preconceitos e estereótipos de gênero, caso tenham uma atuação pouco reflexiva sobre as classificações morais existentes entre atributos masculinos e femininos e se não estiverem atentos aos estereótipos e aos preconceitos de gênero presentes no ambiente escolar (BRASIL, 2007, p. 51).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (1998), juntamente com suas orientações adicionais – PCN+ (2006), apontam que o ensino de história deve buscar desenvolver nos alunos habilidades e competências que os possibilite compreender que a sociedade é produto ou resultado de ações de diferentes sujeitos em diferentes contextos, com diferentes interesses e tensões. E que essas ações estão ligadas às escolhas que representam projetos sociais diferentes.

Ao perceber a sociedade como historicamente construída, o aluno pode desenvolver uma autonomia intelectual carregada de senso crítico e assim problematizar sua própria realidade, reconhecendo e aceitando as diferenças, mantendo ou transformando sua própria identidade e refletindo sobre sua visão e posicionamento no mundo. Dessa maneira, percebendo ele mesmo de alguma forma como construtor da história.

Para que isso aconteça é fundamental que seja oferecida ao aluno a oportunidade para que ele possa se apropriar de conhecimentos, conceitos e linguagens diferentes. Aqui está a contribuição fundamental das aulas de história. Para enfrentar os desafios ligados à solução dos problemas de nosso tempo é preciso que professores e alunos se desvinculem de forma crítica de verdades absolutas, de etnocentrismo e de determinismos, que são incompletos e insuficientes para dar conta da compreensão de uma sociedade complexa e diversa, como é a nossa.

O reconhecimento dessas tensões, porém, não deve conduzir os indivíduos e os grupos em que se inserem a atitudes imobilistas nem fatalistas. Antes deve proporcionar-lhes a consciência necessária que possibilita ações de transformação e aperfeiçoamento da realidade social, na perspectiva da efetiva construção da cidadania real (BRASIL, 1998, p. 14).

Trabalhar a história, em especial a história das mulheres, sob um olhar atento de gênero, possibilita a oportunidade de compreender essa história não como uma história “delas”, mas como já foi dito anteriormente, como uma história de nós, uma história mais completa, que não conforma com o silenciamento ou com a exclusão narrativa ou social de determinados grupos não privilegiados historicamente. A história das mulheres, nesse sentido, se desdobra para todos os lados e abraça tudo. Economia, política, ciência, trabalho, memória, identidade, cultura, relações de poder, relações de gênero, movimentos sociais e direitos. Conforme orientam os PCN:

A história social e cultural tem se imposto de maneira a rearticular a história econômica e a política, possibilitando o surgimento de vozes de grupos e de classes sociais antes silenciados. Mulheres, crianças, grupos étnicos diversos têm sido objeto de estudos que redimensionam a compreensão do cotidiano em suas esferas privadas e políticas, a ação e o papel dos indivíduos, rearticulando a subjetividade ao fato de serem produto de determinado tempo histórico no qual as conjunturas e as estruturas estão presentes. A produção historiográfica, no momento, busca estabelecer diálogos com o seu tempo, reafirmando o adágio que “toda história é filha do seu tempo”, mas sem ignorar ser fruto de muitas tradições de pensamento (BRASIL, 1998, p. 21).