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CAPÍTULO 1 – ENSINO DE HISTÓRIA, MEMÓRIA E IDENTIDADE

1.7 Transversalidade – O tema como finalidade

Falamos até sobre a História, o ensino de história e alguns conceitos inerentes a essas categorias. Para fechar essa parte e começarmos a falar sobre museu e museologia, gostaríamos de ampliar a perspectiva sobre o ensino de história e o processo de ensino aprendizagem. Outras disciplinas podem contribuir com o ensino de história e a produção de saberes que façam sentido.

Ainda é um desafio conseguir fazer com que os alunos tenham a clara ideia de que os conteúdos ensinados na escola e os saberes produzidos possuem utilidade e conexão com a sua realidade. Ainda é um desafio para os alunos e, principalmente, para os professores. Muito provavelmente a organização dos conteúdos e disciplinas, de forma fragmentada, produzem no aluno uma sensação de que o conhecimento se divide em “gavetas” e que cada disciplina possui a sua. As salas, os horários, as séries, os conteúdos e muitas outras categorias integrantes do espaço escolar acabam por reforçar a ideia de fragmentação dos saberes, criando assim uma dificuldade para que o aluno possa dentro do processo de ensino e aprendizagem estabelecer os “links” e fazer as conexões entre os temas, os conteúdos e as disciplinas escolares. Esse modelo e essa dificuldade de conexão no processo acabam muitas vezes distanciando o que é assimilado ou ensinado na escola da realidade do aluno. Nesse sentido, se ele não enxerga utilidade e conexão do conteúdo com a realidade à sua volta, o desinteresse é o resultado mais notado. Segundo Freitas Neto (2010), esse é um velho problema, e um velho desafio da educação, visto que a partir dos anos 90 o Brasil tem buscado como uma das propostas para superar essa dificuldade e a fragmentação, a Transversalidade, que está prevista e organizada dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais da década de 90.

A partir de análises sobre a realidade brasileira, especialistas de diversas áreas de ensino apresentaram os cinco temas transversais para a educação nacional: ética, pluralidade cultural, saúde, orientação sexual e meio ambiente. Ou seja, a partir da constatação da necessidade de discutir questões presentes no cotidiano dos brasileiros, como, por exemplo, os permanentes casos de corrupção e de desrespeito à pessoa e à noção de cidadania, o preconceito contra grupos étnicos, de gênero e de orientação sexual, as precárias condições de saúde de parte considerável da população, a desinformação sobre a educação sexual, visível em muitas escolas no alto número de adolescentes grávidas, e na necessidade de preservação dos recursos naturais e na contenção da degradação do meio ambiente, como forma de garantir a própria existência (FREITAS NETO, 2010, p. 59).

Existe uma enorme quantidade de possibilidades para se usar, de forma transversal, um museu dentro da escola e assim buscar multiplicar as opções de como a história pode estabelecer um diálogo com outras disciplinas no processo de ensino/aprendizagem, contribuindo para diversificar a experiência do aluno e seu aprendizado e a construção de saberes.

Nesse trabalho, estamos buscando melhorar as aulas de história, e para isso estamos propondo usar o museu como meio, mas não só o ensino de história pode fazer uso dessa proposta. Outras disciplinas podem também se apoiar nessa ferramenta para a construção de saberes efetivos e diversificados. Estamos propondo nessa ocasião uma temática da História das Mulheres no Brasil, porém o museu sendo usado como uma plataforma pode se desdobrar em temáticas variadas, assessorado por disciplinas também variadas. Apenas para constar como exemplo, imagine uma exposição de fotografias de Marc Ferrez, retratando o Rio de Janeiro da virada do século XIX para o XX, o contexto é a reurbanização da cidade. Além da abordagem histórica que pode ser feita sobre o tema, o museu também suporta uma abordagem da biologia, analisando condições sanitárias e as doenças da época, e da geografia, analisando o uso e a apropriação do espaço urbano, suas territorialidades e a relação do progresso com o meio ambiente, ou da sociologia abordando as contradições da República e as segregações sociais ou das formas de resistências da população marginalizada e o papel da mulher nesse contexto, suas lutas e pautas. Enfim, esse é apenas um exemplo raso de como o projeto pode atender à demanda de diversos desafios contemporâneos, que ultrapassam os limites do ensino de história, e o da história da mulher no Brasil, ao mesmo tempo em que melhora a aula de história, já que tudo é história.

Segundo Freitas Neto (2010), trata-se se construir o conhecimento em função dos temas e não das disciplinas. Em outras palavras, os temas são os objetivos finais, a pauta que demanda da sociedade e que está presente na realidade dos alunos. E as disciplinas são os meios que permitem os alunos trabalhar e instrumentalizar conteúdos e conceitos, que possam de forma crítica propor entendimento e possíveis reflexões, abordagens e soluções para os temas.

Desse modo, o saber é construído a partir de uma nova prática escolar, que pode acompanhar as transformações do mundo, da sociedade e da realidade que cerca esse aluno. Essa proposta tem a potencialidade de superar velhos desafios referentes ao campo do ensino de História. Superar a velha justificativa pela falta de interesse – quase sempre verdadeira de que a História, coisa antiga, grandes nomes, datas, fatos, ou seja, tudo aquilo que se mostra a princípio muito distante do aluno. Aproximar o aluno e dar sentido para o conhecimento, de modo que além de estimular a curiosidade, a investigação e a criticidade, também facilita a construção e elaboração de outros conceitos como Representação, Pertencimento e Identidade.

Falando agora do cotidiano nas escolas. Na verdade, os argumentos apresentados acima são conhecidos por professores, coordenadores, diretores e especialistas. Ainda assim não vemos muitas práticas nesse sentido. O que falta então? Falta criar um canal, uma plataforma, um espaço pensado para tal finalidade. Criar a ocasião, a oportunidade para que escola, alunos e comunidade tenham a chance de propor novas situações para novos tempos.

Nesse sentido, pensar em um museu dentro do ambiente escolar é a deixa para que essas potencialidades aflorem. A partir de uma proposta para melhorar o ensino de história, podemos pensar também em entusiasmar outras disciplinas para que sejam meios para chegar aos temas que realmente importam aos alunos e à sociedade, para que todos entendam nesse processo que cada disciplina, cada ciência, tem no fim das contas o mesmo objetivo geral, que é de ajudar a viver melhor. Isso é Transversalidade. E podemos pensar os museus e a museologia dentro dessa lógica.