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CAPÍTULO 1 – ENSINO DE HISTÓRIA, MEMÓRIA E IDENTIDADE

1.6 Memória, Diversidade e Identidade

A percepção da diferença (o “outro”) e da semelhança (“nós”) varia conforme a cultura e o tempo e depende de comportamentos, experiências e valores pessoais e coletivos. O convívio entre os grupos sociais tem gerado “atitudes de identificação, distinção, equiparação, segregação, submissão, dominação, luta ou resignação, entre aqueles que se consideravam iguais, inferiores ou superiores, próximos ou distantes, conhecidos ou desconhecidos, compatriotas ou estrangeiros. Hoje em dia, a percepção do ‘outro’ e do ‘nós’ está relacionada à possibilidade de identificação das diferenças e, simultaneamente, das semelhanças. A sociedade atual solicita que se enfrente a heterogeneidade e que se distingam as particularidades dos grupos e das culturas, seus valores, interesses e identidades. Ao mesmo tempo, ela demanda que o reconhecimento das diferenças não fundamente relações de dominação, submissão, preconceito ou desigualdade” (BRASIL, 2006, p. 26).

A abordagem anterior sobre a memória só faz sentido na proposta desse trabalho, se conseguimos desenvolver simultaneamente as categorias de diversidade e identidade. A identidade, pois se lembramos, temos a ideia de quem somos e ao que pertencemos e representamos. A diversidade, pois em sociedade não somos e não pertencemos igualmente. Assim, na medida em que lembramos, identificamos a nós e aos outros, sabendo da existência das diversidades. Conhecendo as diversidades fica mais fácil compreendê-las e respeitá-las.

Segundo Hall (2002), o conceito de identidade (Identidade Cultural) apresenta uma “evolução” histórica que deve ser considerada para pensar como chegamos à ideia de identidade que temos hoje. Essa ideia pode ser entendida como um sistema de identificação, reconhecimento, significação e representação. Em resumo, buscamos responder à famosa pergunta, “quem sou eu?”. Para tentar desenvolver essa ideia, ele usa outros dois conceitos como apoio. Globalização e Pós Modernidade. Para Hall, a globalização e os fluxos intensos das últimas décadas, de pessoas e informações, alteraram bastante o conceito de identidade3.

3 Hall está escrevendo esse texto no início dos anos 90, no calor da discussão desse conceito nessa época. O próprio conceito de globalização pode não apresentar ainda um consenso entre os principais autores que escreveram sobre. Esse também pode ser o caso do conceito de pós-modernidade. Mesmo fazendo uso desses conceitos para sua análise, o foco é a Identidade. E também o que nos interessa nesse trabalho. De toda maneira,

A identidade na pós-modernidade estaria mais fluída e cada vez mais híbrida, o que causa um choque com uma concepção tradicional de identidade dos séculos XIX e XX, principalmente aquela ligada à ideia de nação, pois com a fluidez da pós-modernidade, a noção de nação pode ser quebrada ou pelo menos afetada por uma cultura cada vez mais híbrida e global. É claro, no próprio texto Hall reconhece também movimentos que vão à contramão ou que resistem a essa identidade globalizada. Podemos considerar que algumas críticas podem ser feitas a esse pensamento. Será que vivemos mesmo na pós-modernidade? Conseguimos abandonar aquele sujeito do racionalismo? Ou mesmo, o que é a globalização? Atinge todas as pessoas? Já que podemos pensar na globalização sob o olhar de Milton Santos (2008), que também pode ser vista como uma perversidade que aumenta a desigualdade entre as pessoas e os lugares.

De modo geral, Hall apresenta o conceito amplo de Identidade e faz uma proposta de pensar a crise atual dessa categoria dentro do contexto de globalização. Mas para ele a globalização rompe com ideias tradicionais mais rígidas e provoca crises, como é o caso da ideia de nação. Essa análise do autor nos interessa bastante, pois também se liga à ideia das funções desempenhadas pelos museus ao longo da história e no novo lugar que tentaremos colocar o museu dessa proposta. Se entendermos a identidade como uma forma de expressão social, estamos propondo que novas experiências, novas significações e novas representações podem encontrar espaço dentro desse um espaço de memória, o museu.

É a identidade que permite aos indivíduos reconhecerem-se como membros de um grupo, de uma comunidade, de uma sociedade, de uma cultura. A identidade decorre da experiência vivida, pressupõe um conjunto de significações e representações relativamente permanentes, que facultam aos membros de um grupo social compartilhar, ao longo do tempo, uma história e um território cultural comum. A identidade pode, então, ser entendida como uma forma de expressão social (GONÇALVES, 2004, p. 75).

Nesse sentido, o museu pode ser usado como um “lugar de memória” e ser pensado como uma instituição a serviço da comunidade e engajado com os problemas contemporâneos. Sua função é então promover e viabilizar uma gama cada vez maior de memórias, pois a memória, em especial a memória coletiva, está relacionada diretamente à questão da Identidade, à ideia de pertencimento. Esse é um ponto fundamental e deve ser um objetivo buscado pelo ensino de história e pelos museus.

compartilhamos a ideia de que somos envolvidos nessa conjuntura pós anos 90 e que essas condições influenciam de alguma forma nossa concepção de Identidade.

O ensino de História pode desempenhar um papel importante na configuração da identidade, ao incorporar a reflexão sobre a atuação do indivíduo nas suas relações pessoais com o grupo de convívio, suas afetividades, sua participação no coletivo e suas atitudes de compromisso com classes, grupos sociais, culturas, valores e com gerações do passado e do futuro (BRASIL, 1998, p. 22).

Buscar a diversificação de memórias e narrativas pode possibilitar nos aproximarmos da representação da pluralidade de nossa sociedade. Isso vai muito além de dizer que devemos valorizar as diferenças. Está relacionado à ideia de que quanto mais abrangente for o acesso e a produção de uma memória coletiva, mais abrangente também se torna o sentimento de pertencimento, a identidade.

Mas até que ponto essa abrangência pode chegar? Visto que é enorme a quantidade de grupos diferentes culturalmente e socialmente. O ponto máximo dessa abrangência não desconsidera as diferenças culturais e históricas dos diferentes grupos que compõem nossa sociedade. Pelo contrário, torna-se abrangente justamente ao possibilitar evidenciar tais diferenças. O ponto máximo dessa abrangência talvez esteja na tentativa de considerar as especificidades, mas ainda assim buscar estabelecer alguns traços de uma identidade comum, que no limite considera o sentimento de pertencimento a um grande grupo, a humanidade. Impossível? Podemos sonhar. Talvez essa seja uma das grandes buscas que pautam agendas democráticas em várias sociedades desde o final dos anos 40 do século XX.

Os museus podem contribuir de alguma forma para ampliar essa ideia, na medida em que oferece aos seus visitantes a possibilidade do contato com construções coletivas da humanidade. A linguagem, por exemplo, é uma construção coletiva e pode ser compartilhada de diferentes formas para que possamos enxergar o “outro”. A linguagem oral, a linguagem textual ou mesmo a linguagem das coisas podem ampliar nossas experiências e as chances de vermos o “outro”, que assim como eu, também é parte constituinte da nossa memória, da nossa cultura, da nossa história e da nossa sociedade. O “nossa” aqui é entendido no sentido amplo de humanidade. Evidentemente não somos todos iguais no sentido cultural, mas devemos buscar igualdade nos direitos que permitam e assegurem as condições básicas para uma vida com dignidade social. Isso não é de forma alguma uma novidade, visto que há décadas tem sido o norte de muitas lutas e conquistas, e a referência mais comum, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Os museus, nesse sentido, são fundamentais para potencializar a produção e o acesso às diferentes memórias e, dessa maneira, devem se comprometer em minar e desarticular discursos totalizantes que de alguma forma possam acabar promovendo o preconceito, a intolerância, a segregação e a dignidade social. Sua função está no lado oposto. Seu compromisso está na

diversidade, na tolerância, no diálogo, no desenvolvimento social e na cultura de paz, ligando- se ao presente e, sobretudo, ao tipo de sociedade que almejamos para o futuro.

Segundo Benjamin (1985), os museus fazem parte da casa dos sonhos da coletividade. Estamos acreditando nessa ideia. A memória e os museus podem servir para vários propósitos. Estamos tentando estabelecer mais um aqui: “A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens” (LE GOFF, 1994, p. 477).