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CAPÍTULO 3 – HISTÓRIA DAS MULHERES NO BRASIL

3.2 Por que a História das Mulheres?

Certamente as mulheres brasileiras não precisam de mais um homem falando sobre a história delas. Já lutam pelo seu lugar de fala e, felizmente, já podem falar por elas mesmas e por nós. Entendo que esse não é meu lugar de fala. Minha condição é a de um professor de

história, incomodado com uma deficiência em suas aulas e em sua própria visão de mundo, que busca completar esse olhar a partir dessa temática.

Na condição e no lugar de fala de homem e professor de história, peço licença para entrar nesse assunto. Talvez seja produtivo compartilhar com você que lê esse texto agora as percepções e um pouco da prática de um professor de história hoje no Brasil, que está junto com alunos do Ensino Médio todas as manhãs. Assim, podemos entender melhor de onde parte o meu interesse e a minha escolha por esse tema. Justificar essa escolha pode ser útil nessa conversa, na medida em que isso diz muito também sobre a escola, os professores, os alunos, a cultura escolar, as aulas de história e também sobre a própria sociedade.

De início, fiquei pensativo e até cheguei a ser questionado em algum momento se eu poderia falar sobre esse tema. Eu, homem, falando sobre a história das mulheres. No entanto, na busca por uma defesa simples e imediata, basta uma rápida pesquisa no campo da historiografia que poderemos encontrar com facilidade grandes historiadores, autores, homens, que se dedicaram a essa temática. Portanto, parece que posso também falar sobre o tema. É possível. Evidentemente seria preciso contextualizar e analisar cada pesquisa, cada obra e cada autor, para saber das particularidades, dos caminhos e até das críticas que receberam e recebem ainda sobre esses trabalhos. Mas no contexto dessa pesquisa, por ora, quero pensar e te mostrar como cheguei a esse tema e o que isso pode revelar sobre o ensino de história e nossa sociedade.

Infelizmente, a realidade em muitas escolas é que para o aluno, ainda hoje em pleno século XXI, o conhecimento histórico, ou talvez seja melhor dizer “o conteúdo histórico”, na prática, ainda se apresenta muitas vezes como macro, masculino, elitista, nacional e oficial. Triste realidade que nós professores de história devemos assumir e problematizar. Pode não ser constante, majoritário ou predominante, mas certamente é a realidade das aulas de história em muitas das escolas no Brasil. Aqui falo pela minha experiência. Do que vi nas escolas que conheci e pelo que conheço na experiência de outros professores. E justifico também essa percepção me apegando a uma lembrança, a uma experiência pessoal. Há algum tempo (quatro anos) uma aluna do Ensino Médio me perguntou “Por que a história estuda só a história dos homens?”. Recebi uma porrada. Se ela me desse alguns minutos para pensar e preparar algo, naquele momento eu teria uma resposta para ela. Eu saberia lhe dizer o porquê de ser assim ou pelo menos o porquê da sua percepção. Eu tinha condições, mesmo que com alguma dificuldade, de explicar historicamente sua indagação. Porém não havia uma situação inovadora que eu e a escola pudéssemos lhe oferecer, algo que pudesse lhe dar, na prática, uma resposta para sua angústia. Não havia essa situação em minhas aulas de história, nem em nossa escola, nem em nosso currículo. Essa pergunta pode ter surgido em outro momento na vida escolar

dela, com outro professor, em outra escola, mas o fato é que minha aula de certa forma não resolveu essa questão. Se não fosse assim, ela me diria: “Nossa, professor, até esse ano eu achava que a história estudava somente a história dos homens”. Infelizmente não foi isso o que aconteceu. E eu mantive a triste visão de que a história nada tinha a ver com ela.

Dito isso, é necessário que as aulas de história possam evidenciar sujeitos “silenciados” na história, levar os alunos até esse debate e juntos analisar e compreender que existe espaço para a construção de novas perspectivas que produzam uma consciência histórica mais abrangente.

É preciso que as aulas de história ofereçam condições para que os alunos também se percebam como sujeitos históricos, que podem contribuir para a construção e diversificação das narrativas, da representatividade, da identidade e da memória. Poderíamos e podemos usar outras temáticas pertinentes, como a dos trabalhadores, dos negros, dos indígenas, da alimentação, do esporte e muitos outros grupos ou temas. Portanto ainda estou buscando neste trabalho uma resposta e uma situação de aprendizagem inovadora para essa aluna e para tantos outros alunos.

Mas somente essas questões que estão relacionadas à prática como professor de história são insuficientes para justificar a escolha dessa temática. Não posso cometer o equívoco de não me perceber também como um sujeito histórico, e dessa forma perceber que o interesse no tema vem de uma problemática do tempo presente e da realidade desse sujeito/ historiador/professor/pesquisador e homem.

Poderia relatar aqui várias situações que de alguma forma me incomodaram e “acenderam uma luz” sobre a necessidade de estudar mais sobre a história das mulheres e gênero. Julgo conveniente compartilhar nesse texto, que é destinado também a professores, ao menos duas dessas situações. Ambas aconteceram dentro do contexto do Profhistória.

A primeira delas aconteceu durante uma aula em que a professora nos propôs que analisássemos um trecho de uma palestra de um educador que falava sobre a capacidade da escola ou da escolarização do sistema sufocar e reduzir a capacidade criativa dos alunos. Em sua fala, esse educador acabou relatando algumas situações do cotidiano dele, da esposa e dos filhos. Em um desses trechos ele comenta sobre o fato dele ser homem e se sentir limitado em só conseguir fazer uma coisa de cada vez, ao passo que a esposa apresentava a “capacidade” de trabalhar, estudar, dar comida para as crianças, lembrar-se de pagar as contas, lembrar compromissos e por aí adiante. Ele dizia isso como se estivesse elogiando a esposa. Pronto. Esqueça o debate sobre educação e criatividade, pois foi esse trecho da palestra que gerou um debate fértil e acalorado na aula. Ao final do vídeo, uma colega de turma argumentou que o

comentário dele sobre a esposa era uma visão machista. Houve divergências de outros alunos e alunas. E eu me manifestei argumentando que não parecia machismo e que entendi que ele estava brincando e até elogiando sua esposa. Sim, eu achava realmente isso. Achei durante um tempo. Para resumir, e não me valer apenas de subjetividades, o fato é que eu mudei completamente de opinião. Ao longo dessa pesquisa e do Profhistória, comecei a ver esse comentário do palestrante como uma forma de reforçar estereótipos ligados historicamente à questão feminina, à questão de gênero. Fui percebendo aos poucos que precisava estudar mais e ouvir mais sobre essa questão, de modo que só assim poderia diversificar minha visão e leitura de mundo, o que inevitavelmente de alguma forma reflete diretamente nas minhas aulas de história.

Descobri um novo universo que mudou muito a minha percepção da função do ensino de história. O que entendo por função ou responsabilidade do ensino de história já apresentei anteriormente nesse texto. O que estou relatando tem a finalidade de tentar mostrar o processo de estranhamento que tive sobre uma determinada temática e os desdobramentos desse desconforto, que agora se tornaram buscas. Desconforto é a palavra. Algumas questões, aos poucos estão deixando de parecer “naturais” ou apenas brincadeira. É como se eu estivesse usando óculos e estivesse buscando enxergar esses discursos, essas disputas, essas assimetrias relacionadas ao tema.

A segunda experiência que gostaria de compartilhar é sobre o título da minha pesquisa. Inicialmente, eu dei o título de “Museu Itinerante: história da Mulher no Brasil”. Durante uma aula do Profhistória em que todos estavam apresentando seus temas e objetivos para os colegas, ao final da minha apresentação recebi alguns comentários, entre eles o de uma aluna, professora, colega do Profhistória, que sugeriu a alteração do título. Disse que eu deveria colocar Mulheres no lugar de Mulher. Justificativa da minha colega: “Somos Plurais”. Depois de algumas “porradas”, assim percebi a necessidade de sair urgentemente do senso comum, sentir desconforto, ouvir e pesquisar. Ao mesmo tempo ficou bastante clara a necessidade de fazer esse mesmo processo nas aulas de história. Acho que esse foi meu maior ganho nesse processo do Profhistória. De verdade. Minha aluna tinha razão ao evidenciar que estudar História era para ela estudar a história dos homens.

Por essa e por outras razões que podem e poderão ser percebidas ao longo deste trabalho, que a escolha aqui nesse momento é a História das Mulheres no Brasil. Quero continuar essas transformações e levá-las para a escola. Mas como não cair na velha armadilha de levar mais uma vez para a escola a História das Mulheres contada pela perspectiva dos homens? Veremos adiante.