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HISTÓRICO E DIVERSIDADE GÊNICA DOS PRECURSORES

Os primeiros ciclotídeos descritos na literatura foram a kalata B1 e a kalata B2, descobertos por Lorents Gran em 1973, a partir de extratos de folhas de Oldenlandia affinis (Rubiaceae), uma planta nativa da África. A kalata B1 chamava a atenção pela sua atividade uterotônica e por ser o peptídeo mais abundante no extrato desta planta, sendo apenas parcialmente caracterizado na época. Mais de vinte anos depois, sua estrutura tridimensional foi elucidada e sua caracterização foi finalizada: um peptídeo de 29 resíduos de aminoácidos, com seis cisteínas, três pontes dissulfeto e cadeia principal cíclica (SAETHER et al., 1995). Com a descoberta desta nova classe de peptídeos o interesse por ciclotídeos intensificou-se e, atualmente, já são mais de 200 sequências de aminoácidos depositadas nos bancos de dados, entre naturais e sintéticos, sendo reconhecidos como pilares para o desenho de novas drogas terapêuticas (PLAN et al., 2010).

Com sua grande importância e ausência de conhecimento aprofundado sobre a biologia molecular dessa classe de moléculas recém-descoberta, iniciou-se uma busca pelos genes produtores desses ciclotídeos, para então elucidar sua arquitetura gênica, expressão e regulação. Em 2001, o primeiro trabalho buscando genes de ciclotídeos foi publicado por Jennings e colaboradores, revelando que os RNA mensageiros eram inicialmente traduzidos em uma grande proteína precursora linear e multidomínio, onde os ciclotídeos estavam inseridos, sendo liberados após clivagem do MCD, gerando então o peptídeo maduro. Foram identificadas várias proteínas precursoras diferentes, revelando que os ciclotídeos são codificados por uma família multigênica. Além disso, foi possível descobrir que O. affinis apresentava três tipos diferentes de precursores: (1) Simples, com apenas um domínio de ciclotídeo; (2) Duplo, com duas regiões que se repetem (NTR, MCD e CTR); (3) Triplo, com três regiões repetidas (NTR, MCD e CTR) (JENNINGS et al., 2001) (Figura 6).

Figura 6 - Diferentes precursores proteicos existentes em O. affinis, onde OaK1 representa um

precursor simples, OaK2 representa um precursor duplo e OaK3 representa um precursor triplo. Em cinza: região do peptídeo sinal (ER-Signal), em azul: pró-domínio N-terminal (NTPD), em verde: região repetida N-terminal (NTR), em roxo: domínio do ciclotídeo maduro (MCD) e em vermelho: região C-terminal (CTR). Acima de cada MCD está identificado o nome do ciclotídeo produzido.

Os precursores proteicos das kalatas em O. affinis foram os primeiros genes de ciclotídeos a serem elucidados, nomeados OaK (Oldenlandia affinis Kalata), sendo atualmente conhecidos dez precursores diferentes: (1) Simples (OaK1, OaK3, OaK5, OaK7, OaK8, OaK9 e OaK10, sintetizando as kalata B1, kalata B7, kalata B19, Oak7, Oak8, kalata B20-linear e kalata B1 novamente, respectivamente); (2) Duplos (OaK2, que expressa as kalata B6 e kalata B3; e OaK6, que expressa o Oak6a e o Oak6b); (3) Triplo (OaK4, que produz a kalata B2 três vezes). Dessa forma, O. affinis apresenta uma das maiores diversidades de precursores na mesma espécie, com grande variabilidade de tamanho e de sequência (JENNINGS et al., 2001; MYLNE et al., 2010; QIN et al., 2010).

Além de O. affinis, poucas espécies de Rubiaceae tiveram genes de ciclotídeos elucidados, como Hedyotis centranthoides, da qual se conhece apenas dois precursores

kalata B1

kalata B6 kalata B3

kalata B2 kalata B2 kalata B2

OaK1 OaK2 OaK4

simples: Hcf1, que expressa o ciclotídeo hcf 1, e Kch1, o qual expressa o ciclotídeo kc 2; Hedyotes biflora, também com apenas dois precursores simples elucidados: Hbc1 e Hbc2, que produzem o hedyotídeo 1 e o hedyotídeo 2, respectivamente; e Chassalia chartacea, a qual possui dez precursores simples desvendados: ChaC2, ChaC4, ChaC7, ChaC8, ChaC13-18, gerando os chassatídeos 2, 4, 7, 8, 13-18, respectivamente. Estes chassatídeos foram descobertos recentemente, revelando os menores precursores proteicos de ciclotídeos dentre todos os conhecidos até a atualidade, pois além de apresentarem apenas um domínio ciclotídeo também não possuem o domínio NTR, sendo que o menor representante desse novo grupo possui apenas 75 resíduos de aminoácidos (Figura 7) (MULVENNA et al., 2006; GRUBER et al., 2008; NGUYEN et al., 2011b; NGUYEN et al., 2012).

Posteriormente aos estudos com O. affinis, rapidamente os genes dos ciclotídeos purificados de espécimes da família Violaceae começaram a ser rastreados, devido ao maior número de peptídeos isolados em relação às outras famílias e também por possuir ciclotídeos em todas as espécies testadas. Dessa forma, diferentes tipos de precursores também foram elucidados e nomeados conforme os de O. affinis. Dentre as Violaceae, o gênero Viola é o mais estudado. Em V. odorata foram encontrados precursores simples (Voc1, Voc2 e Voc3, os quais expressam as cicloviolacinas O8, O11 e O13, respectivamente; e Vov1, produtor da violacina A) e um precursor triplo (Vok1, o qual produz a kalata B1 e duas kalata S) (DUTTON et al., 2004; IRELAND; COLGRAVE; CRAIK, 2006). Em V. tricolor foram encontrados um precursor duplo (Triciclon, expressando os ciclotídeos triciclon A e triciclon B), e um triplo (Vtt1, expressando três cópias do triciclon A) (Figura 7) (MULVENNA; SANDO; CRAIK, 2005; GRUBER et al., 2008). Em V. biflora foram identificados seis precursores simples (Vbc1-6, expressando os ciclotídeos vibi E, vibi I, vibi J, vibi K, cicloviolacina O9 e vitri A, respectivamente (HERRMANN et al., 2008). Em V. baoshanensis, foram elucidados sete precursores e diversas variantes extremamente semelhantes para cada um deles, mas possuindo ciclotídeos diferentes, totalizando 27 precursores e tornando-se a espécie com maior número de precursores conhecidos dentro das Violaceae, com dezesseis precursores simples (VbPC1-5 e suas variantes, expressando diversas cicloviolacinas B e a cicloviolacina Y), quatro precursores duplos (VbPC6a-d, expressando cicloviolacinas e kalatas) e três precursores triplos (VbCP7a-c, expressando também cicloviolacinas e kalatas (ZHANG et al., 2009).

Outros grupos de Violaceae além do gênero Viola também foram estudados e muitos genes de precursores de ciclotídeos foram encontrados, assim como o gênero Hybanthus, com sete precursores simples desvendados em H. floribundos (Hyfl D, Hyfl E e Hyfl I-M,

gerando os ciclotídeos hyfl D, E, I-M, respectivamente) e dezesseis precursores parciais somando as espécies H. calycinus, H. debilissimus, H. enneaspermus, H. epacroides, H. monopetalus, H. stellarioides e H. vernonii (SIMONSEN et al., 2005). Além destes, e assim como em V. baoshanensis, a espécie Melicytus ramiflorus também apresentou um grande conjunto de precursores diferentes e suas variantes, com oito precursores simples (Mra13, Mra20-26) (Figura 7), sete precursores duplos (Mra4, Mra14, Mra18-19, Mra28-30) e dois precursores parciais (Mra16 e Mra17), todos estes produzindo os ciclotídeos mra4 até mra30 (GRUBER et al., 2008; TRABI et al., 2009). As espécies Gloeospermum blakeanum e Gloeospermum pauciflorum foram as últimas desta família a terem precursores elucidados, as quais apresentaram dez precursores simples (Gbc1-6 e Gpc1-4, gerando os ciclotídeos globa A-B, globa D-G, glopa D-E e vibi E) (BURMAN et al., 2010).

Em adição aos ciclotídeos encontrados nos grupos Rubiaceae e Violaceae, um trabalho pioneiro de busca por ciclotídeos na família Fabaceae elevou o interesse por esses peptídeos, pois o grupo das leguminosas, além de representar a terceira maior família de plantas do planeta, também é detentora de numerosas espécies importantes para o agronegócio e para a economia mundial. Assim, para entender melhor a distribuição e evolução dos ciclotídeos nesse grupo, extratos de Clitoria ternatea foram analisados e evidenciaram a existência de ciclotídeos na família Fabaceae, representando atualmente o maior grupo vegetal produtor de ciclotídeos. Quando estudada a nível transcricional, surpreendentemente, os precursores de C. ternatea revelaram uma arquitetura gênica totalmente inédita entre os genes de ciclotídeos conhecidos, onde onze precursores (CterM, Ctc1-2, Ctc4-5, Ctc7-9, Ctc12-14, expressando os ciclotídeos cter A, cter B, cter M, cT1- cT12) apresentaram uma estrutura quimérica, alocando no mesmo precursor um domínio de ciclotídeo (MCD) e um domínio da cadeia A da albumina de ervilha (Pisum sativum Albumin 1-A chain), separados por uma região ligante de 10 aminoácidos (Figura 7). Assim como os outros precursores já conhecidos, este precursor tem inicio com um peptídeo sinal (ER- Signal) e termina com uma porção C-terminal hidrofóbica, porém não apresenta o pró- domínio N-terminal (NTPD) e nem o domínio de repetição do N-terminal (NTR). Esse novo arranjo gênico, evidenciando a substituição da cadeia b da albumina por um domínio de ciclotídeo, também implica em diferentes mecanismos de seu processamento e evolução, abrindo novas possibilidades de estudos dentro deste grupo multigênico (POTH et al., 2011a,b; NGUYEN et al., 2011a).

Ampliando ainda mais as buscas por novos grupos vegetais produtores de ciclotídeos, recentemente, estudos com Petunia x hybrida revelaram a primeira evidência da presença de ciclotídeos na família Solanaceae. A descoberta de ciclotídeos em Solanaceae

é muito significativa porque esta família de plantas inclui a batata (Solanum tuberosum) e o tomate (Solanum lycopersicum), duas das maiores culturas alimentares do planeta, somando mais de 450 milhões de toneladas produzidas por ano. Através de análises transcricionais foram encontrados três precursores simples (Petunitide1-3, expressando os ciclotídeos phyb A, phyb B e phyb C, respectivamente). Adicionalmente, análises de bioinformática também revelaram a presença de várias ESTs desta espécie em bancos de dados públicos que foram relacionadas como possíveis precursores de ciclotídeos. Os novos precursores encontrados em Solanaceae possuem uma organização muito parecida com aqueles encontrados em C. chartacea (Rubiaceae), apresentando um CTR e um ER- Signal relativamente curtos, quando comparados com os mesmos domínios de Rubiaceae e Violaceae, agrupando-se juntamente com os menores precursores proteicos de ciclotídeos conhecidos (POTH et al., 2012).

Diferente dos demais genes encontrados até então, os quais foram alvo de busca específica por codificantes de ciclotídeos, um gene foi elucidado na tentativa de entender a resposta transcricional do milho (Zea mays) durante o processo de infecção pelo fungo Ustilago maydis. Nesse estudo, vários genes diferencialmente expressos foram identificados, denominados Ustilago maydis induced (Umi) e Ustilago maydis repressed (Umr). Dentre estes, o clone Umi11 continha uma fase de leitura (ORF) codificando uma proteína de 90 aminoácidos, possuindo a mesma estrutura dos precursores proteicos de ciclotídeos, apresentando um domínio de ciclotídeo maduro (MCD) com 34 resíduos, representando o primeiro gene de ciclotídeo dentro da família Poaceae (Figura 7) (BASSE, 2005).

Posteriormente, através de ferramentas de bioinformática, foram encontradas diversas sequências com a mesma estrutura dos precursores proteicos de ciclotídeos em espécies da família Poaceae: outros oito precursores simples em milho (Zea mays A-E, G, H e J), quatro em trigo (Triticum aestivum A-D), um em milheto (Pennisetum glaucum), um em sorgo (Sorghum bicolor), um em cevada (Hordeum vulgare) e um em cana-de-açúcar (Saccharum officinarum), totalizando 20 precursores em monocotiledôneas (MULVENNA et al., 2006). No entanto, não existia nenhuma evidência proteica para comprovar a síntese desses peptídeos nessas plantas, até que várias gramíneas foram analisadas e oito novos ciclotídeos foram sequenciados de Panicum laxum, nomeados panitídeos L1-L8, representando a primeira espécie da família Poaceae a ter a produção de ciclotídeos comprovada. A partir dos dados proteicos, subsequentemente, foram encontrados quatro novos precursores completos (Panicum laxum precursor 1, 2, 4 e 6, codificando os ciclotídeos panitídeos L1, L2, L4 e L6, respectivamente) e três precursores parciais

(Panicum laxum precursor 7-9, codificando os panitídeos L7-L9) (NGUYEN et al., 2013). Esta descoberta, somada aos estudos com as famílias Fabacea e Solanaceae, fornece novos conhecimentos a respeito da distribuição e evolução dentro do reino vegetal, e particularmente dentro do grupo de plantas de cultivos economicamente importantes, como P. laxum, por exemplo, o qual é amplamente utilizado no pastoreio de gado e de ovinos (NGUYEN et al., 2013).

Figura 7 - Representação esquemática da diversidade estrutural de precursores proteicos completos

elucidados de diferentes espécies das famílias Rubiaceae (OaK1, OaK2 e OaK4 de O. affinis; ChaC8 de C. chartaceae), Violaceae (Mra13 de M. ramiflorus; Triciclon e Vtt1 de V. tricolor), Fabaceae (CterM de C. ternatea) e Poaceae (Umi11 de Z. mays). Comparação do tamanho real das proteínas em número de aminoácidos, onde o menor possui 75 resíduos (ChaC8) e o maior possui 300 resíduos (Vtt1). Geralmente, os precursores de Rubiaceae e Violaceae possuem um ER-Signal (cinza), um NTPD (azul), um NTR (verde) e um CTR (vermelho) flanqueando cada MCD (roxo), sendo as únicas famílias a apresentar precursores duplos ou triplos. Alguns precursores exibem arquitetura diferente, como a perda de domínios.

Além das possíveis variações entre número de cópias gênicas ou quantidade de MCD em cada precursor, existe outra peculiaridade no início dos genes de ciclotídeos, marcada pela presença de um único intron dentro da sequência que codifica o ER-Signal, encontrado apenas nas famílias Rubiaceae e Fabaceae, o qual não existe em precursores da família Violaceae, acendendo uma luz no estudo sobre a evolução desta família gênica

Mra13 Oak1 Umi11 Precursores Simples Precursores Duplos Oak2 Triciclon Precursores Triplos Oak4 Vtt1 Precursor Quimérico CterM

ER-Signal NTPD NTR MCD CTR Região Ligante PA1-cadeia A

ChaC8 kalata B1 mra 13 umi11 chassatídeo C8 kalata B6 kalata B3

kalata B2 kalata B2 kalata B2 triciclon A triciclon B

triciclon A triciclon A

triciclon A

dentro dos distintos grupos vegetais (GRUBER et al., 2008; NGUYEN et al., 2011a,b). Esses introns contêm alto conteúdo de AT (entre 72% e 79%), característico de introns de plantas, e são altamente conservados (podendo chegar a 99% de identidade), podendo desempenhar função importante na sinalização de eventos de splicing (cis-regulatory elements) (BROWN et al., 2002; NGUYEN et al., 2011b).

Atualmente, contabilizando todos os precursores completos, semicompletos e parciais elucidados (simples, duplos e triplos), abrangendo todas as famílias estudadas (Rubiaceae, Violaceae, Fabaceae, Solanaceae e Poaceae), existem mais de 150 sequências presentes na literatura e depositados nos bancos de dados públicos (NCBI), sendo que alguns precursores completos das diferentes famílias estão exemplificados na Figura 7.

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