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Capítulo 5- Lago Paranoá: uma representação para análise de uma investigação

5.1 Histórico do Lago Paranoá

O Lago Paranoá é um patrimônio natural de Brasília e patrimônio da Humanidade (IHG-DF, 2017). Sendo este um trabalho que valoriza a história, a memória, os percursos, cremos que é de suma relevância para contextualização apresentarmos brevemente- para além das características hidrográficas- informações acerca da história do Lago Paranoá que, por sua vez, é atravessada pela história da capital federal. Essas são as intenções desta seção e, a partir desses elementos, apresentaremos as histórias de vida e percursos formativos dos(as) professores(as) marcantes para os processos de inserção e enraizamento da EA na educação Básica do DF com a representação desse importante patrimônio de Brasília e nacional.

Segundo o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (2017), a cidade de Brasília é recente. Ainda assim, as pesquisas apontam que “a sua história atravessou séculos e o Lago Paranoá participa dessa como se abraçasse com suas águas o clamor de suas origens” (IHG-DF, 2017).

Coadunando a esse aspecto, Berçott (2017) afirma que Brasília nasceu de um desejo antigo ainda dos séculos XVIII e início do século XIX, que visava a interiorização da capital federal. Sobre esse movimento de transferência da capital para o interior do país, Vilas Boas (2016) também contribui.

Um simples e rápido levantamento sobre a interiorização da capital político-administrativa do País permite verificar que tal pensamento perpassou diferentes atores, épocas, situações e contextos dos altos círculos administrativos e políticos da sociedade, sobretudo os que se debruçavam sobre questões ligadas à integração das populações e áreas interioranas brasileiras, além de discussões relacionadas à defesa da capital contra eventuais invasões estrangeiras. (p.20)

91 Para essa interiorização foram realizadas diversas expedições ou missões para conhecimento do centro do país. Segundo o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (2017), entre 1892 a 1896 havia uma Comissão Exploradora do Planalto Central. Um de seus objetivos foi atender o artigo 3º da Constituição Republicana de 1891 que mencionava sobre a demarcação de uma área de 14.400 Km no Planalto Central para nela estabelecer a futura capital federal. Destaca-se a Missão Cruls, que por sete meses fez o estudo de quatro mil quilômetros e a demarcação da área mais propícia à interiorização da futura capital, situada em vilarejos e fazendas antigas no estado do Goiás.

A Comissão Cruls percorreu cerca de quatro mil quilômetros em sete meses, apresentando ao fim um relatório certificando o estudo. Após diversas análises e avaliações, enfatizou principalmente a hidrografia observada no Centro-Oeste. Ficou assim descrito pela comissão: Entre os vários estudos científicos realizados pela Missão Cruls, desde aspectos como clima, topografia, fauna, flora, entre outros, encontram-se os estudos dos cursos d’água de vários rios, entre eles o rio Paranoá, denominado, no Relatório da Comissão, “Paranauá”. Aliás, os recursos hídricos da área definida foram um dos elementos que chamaram a atenção dos integrantes da comissão, especialmente as águas da parte Centro-Sul do quadrilátero, e os levaram a indicar essa área como mais apta a sediar a capital federal. (FONSECA, 2001 apud BERÇOTT, 2017, p. 48).

Dessa missão, tomamos por destaque o botânico francês Auguste François Marie Glaziou. Ainda segundo Berçott (2017), apesar de Glaziou não constar oficialmente como membro, integrou a “quinta turma” da missão, sob a direção do chefe da comissão que batiza a expedição, Luiz Cruls. Com a experiência de mais de 35 anos de trabalho como botânico e paisagista, Glaziou “destacou as belezas da região, e fez a primeira menção à possível formação de um lago artificial a partir da construção de uma barragem” (BERÇOTT, 2017, p. 40). Com isso, foi pioneiro em falar de um possível espelho d’água na região onde Brasília seria construída. Ainda assim, Berçott (2017) ressalta a falta de reconhecimento de Glaziou.

não há sequer a menção de seu nome em obras na cidade de Brasília, bem como a ele não foi erguido nenhum tipo de monumento que o reverencie. Glaziou, pai do lago que abraça a cidade, nem sempre é

92 referido a partir de sua importância para a capital. (BERÇOTT, 2017, p. 41)

Esse botânico francês vislumbrou o que pode ser considerado o embrião do Lago Paranoá a partir dos abundantes recursos hídricos da região considerada pela missão Cruls. Ainda assim, demoraria pouco mais de seis décadas até a real existência da capital e do Lago. Isso porque, apesar do relatório Cruls ter sido finalizado e entregue, não houve uma medida prática para a efetivação da transferência da capital. Ainda assim, cabe ressaltar que nos anos que se passaram houve ações “mudancistas” (BERÇOTT, 2017) como, por exemplo:

✓ o lançamento, em 1922, da pedra Fundamental da Nova Capital em Planaltina- até então território do Goiás, mas atualmente inserida no DF- que visava “reabrir a discussão sobre o sítio exato onde deveria ser implantada a nova capital” (p?);

✓ A abordagem da interiorização da capital federal nas Constituições Federais de 1934 e 1946;

✓ o trabalho da Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital do Brasil em 1946, encabeçado pelo General Polli Coelho que avaliou e confirmou os mesmos elementos observados pela Missão Cruls em um relatório entregue ao governo federal em 1948;

✓ o trabalho de outra Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital do Brasil, em 1953, que selecionou a região definitiva para a mudança da Capital Federal, constando em um relatório entregue em 1955.

Ainda de acordo com Berçott (2017), o Projeto Vera Cruz é considerado o primeiro projeto urbanístico oficial da região do DF e se destinou a determinar o desenho e a localização final do Lago Paranoá. Levando esses aspectos em consideração, essa autora traça três períodos para a formação desse lago:

(i) o momento em que Glaziou descreve a possibilidade da existência do lago, a partir do represamento dos rios adjacentes à formação geológica existente no sítio estudado pela Missão Cruls; (ii) um segundo momento onde, efetivada a localização da nova capital no

93 território, são realizados estudos preliminares a fim de melhor determinar a localização do lago, definindo nível da água; (iii) e por último, o ato do represamento das águas e nascimento do lago. (p.35) O pico da história de fundação do Brasília e consequentemente do Lago Paranoá se dá no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Seu plano de governo tinha a meta 31, também denominada de meta síntese que visava a interiorização da capital federal sob a justificativa da criação de um centro de ocupação demográfica e crescimento econômico e social. De acordo com Vilas Boas (2016) “se revestira da ideia de integrar todas as regiões do Brasil, através do progresso e rompimento de isolamentos em que se consideravam estar aquelas áreas e populações.” (p. 21)

Quando empossado como presidente, JK já tinha ciência de todo contexto e estudos ocorridos no sentido da interiorização da capital político-administrativa do País como, por exemplo, os relatórios que definiram a localização da nova capital, o projeto Vera Cruz etc.

Em 1956, o processo de formação do lago foi iniciado, a partir do barramento do Rio Paranoá. Esse marco se deu até antes do lançamento do edital de concurso para o Plano Piloto da Nova Capital do Brasil, com isso os (as) candidatos (as) tinham ciência que deveriam criar uma cidade com um lago já definido. Somente em 1957 foi selecionado o projeto do arquiteto e urbanista Lúcio Costa.

Durante represamento do Lago Paranoá, houve uma muita tensão. Por um lado, havia incrédulos quanto ao seu enchimento e ao tempo que isso levaria para acontecer. Berçott (2017) até destaca uma das falas de JK “Como inaugurar Brasília sem o lago tão amplamente anunciado e que, além do mais, seria a moldura líquida da cidade?” (KUBITSCHEK, 1975, p. 279 apud BERÇOTT, 2017, p. 65). Apesar de toda apreensão, o nascimento do Lago Paranoá se deu em 12 de setembro de 1959 com o fechamento das comportas.

O contexto de formação do Lago envolveu outra grande tensão, mas que em diversas versões dessa história recebe menos holofote: a desativação da Vila Amaury e consequente realocação dos candangos que ali moravam. O trabalho de Ivany Câmara Neiva (2017) denominado “Uma cidade encantada: memórias da Vila Amaury em Brasília” se dedica a contar essa história. Antes de abordar essa situação convém

94 desenvolver alguns aspectos que marcaram a construção de Brasília. Oliveira (2008) destaca que o primeiro momento dessa construção foi caracterizado por uma grande chamada-convite aos brasileiros, que propunha a oportunidade em contribuir para o nascer de um novo país.

Os trabalhadores que vieram construir Brasília, chamados de candangos, vinham de todas as regiões do país, sobretudo áreas mais injustas e marcadas pela pobreza, representadas pelo Nordeste, Minas Gerais e Goiás. Muitas vezes eram trazidos em caminhões em condições desumanas, superando dificuldades, mas vislumbrados ao grande sonho de vida melhor. (OLIVEIRA, 2008, p. 60)

Retomando a Vila Amaury, Neiva (2017) escutou e registrou as histórias contadas por sete candangos que residiram nessa vila ou a visitaram, uma pesquisa que intentou “entrelaçar a escrita e a oralidade, o passado e o presente, a história oral e a memória” (p. 47). Com base nos relatos, essa autora destaca que na Vila Amaury moravam 20 mil habitantes em barracos de madeira construídos dentro da faixa chamada “cota mil”, pois demarcaria onde as águas represadas cobririam após o fechamento da barragem na formação do Lago Paranoá. Esses residentes eram operários ou candangos- que trabalhavam nas obras de construção civil de Brasília, tal como o Palácio da Alvorada, Congresso, Palácio do Planalto- e de suas famílias.

A instabilidade da moradia, a mistura de expectativa de apoio e de receio da remoção consistiam em preocupações constantes no cotidiano dos habitantes na Vila Amaury. Neiva (2017) destaca que essas pessoas, em geral, sabiam que a região onde se localizava a vila seria inundada. Nas histórias contadas, ela identifica desde os moradores que foram deslocados para outros locais antes da chegada das águas até aqueles que perderam tudo.

Figura 11: fotos da Vila Amaury e da região após a inundação (NEIVA, 2017, p. 11 e

95 A instabilidade da moradia, a mistura de expectativa de apoio e de receio da remoção consistiam em preocupações constantes no cotidiano dos habitantes na Vila Amaury. Neiva (2017) destaca que essas pessoas, em geral, sabiam que a região onde se localizava a vila seria inundada. Nas histórias contadas, ela identifica desde os moradores que foram deslocados para outros locais antes da chegada das águas até aqueles que perderam tudo. Dos depoimentos tomados por Neiva (2017) destacamos aqueles trazidos pelos sujeitos Domingas França Noiar, Pedro Venzi e Antônio Sousa, apresentados, respectivamente, a seguir:

“Quase todo mundo sabia, mas não deu tempo de tirarem suas coisas, a água cegou rápido e inundou toda história daquelas pessoas. A gente não queria acreditar que tudo ia desaparecer” (NEIVA, 2017, p.33) “As pessoas saem de Minas, Goiás, da Bahia, do Nordeste para vir tentar a vida aqui. E depois, de uma hora para outra, ver a água chegando e invadindo e levando tudo o que elas construíram- casa, móveis, memórias, histórias, a vida... É triste, viu” (NEIVA, 2017, p.36)

“o pessoal da assistência falava que iam dar casa fora ali da Vila. Nós mesmo, mandaram nós pra Sobradinho. Mas as condições foram de muita tristeza de largar tudo pra trás, por causa da água” (NEIVA, 2017, p. 39)

A investigação dessa autora evidencia que após a inundação da Vila alguns candangos foram para casa de parentes e outros tiveram que aceitar a opção apresentada pelo GDF aos “deslocados”, que seria residir nas cidades periféricas de Taguatinga, Gama e Sobradinho, principalmente.

Esse deslocamento dos habitantes da Vila Amaury é um exemplo do aspecto que é evidenciado no estudo de Oliveira (2008). Esse autor destaca que antes mesmo de

96 Brasília ser inaugurada, ocorreu o processo de desativação e remoção dos acampamentos de obras, vilas e a erradicação de favelas nas proximidades do Plano Piloto- centro de Brasília. Tal processo caracterizou a segregação como uma ação de estado na criação da capital federal. (OLIVEIRA, 2008)