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Capítulo 2- Método Biográfico: caminho para uma Investigação

2.4 Método biográfico e o campo de pesquisa em Educação

56 Não obstante, o paradigma científico moderno também dominou a esfera de pesquisas educacionais. Em se tratando de pesquisas envolvendo docentes, Nóvoa (2013) situa temporalmente a predominância do que chamamos de estudos sobre os professores na segunda metade do século XX. Tais investigações consideraram a possibilidade de estudar o ensino para além da subjetividade do professor, de modo a se direcionar a uma ciência objetiva da educação. Esses estudos eram balizados por diversas vias e modelos racionalistas de ensino- aspecto que caracteriza o modo paradigmático de conhecer e pensar, cunhado por Bolívar (2002) - e se fundou como resposta possível diante do crescimento dos sistemas socioeducativos. Nóvoa reconhece esse reflexo como útil, porém simplista, pois

Hoje sabemos que não é possível reduzir a vida escolar às dimensões racionais, nomeadamente porque uma grande parte dos atores educativos encara a convivialidade como um valor essencial e rejeita uma centração exclusiva nas aprendizagens académicas. (2013, p. 14) Galiazzi e Cupelli (2008) apontam que nessas pesquisas o docente é objetificado pelo pesquisador que, por sua vez, se preocupa em apontar os erros e encaminhar soluções a essa comunidade que é externa a ele. Logo, a produção de conhecimento se mostra desvinculada do contexto do professor e tem forte característica de regulação da prática docente.

Nóvoa (2013) indica que “as utopias racionalistas não conseguiram pôr entre parênteses a especificidade irredutível da ação de cada professor, numa óbvia relação com suas características pessoais e com as suas vivencias profissionais” (p.9). Diante desse cenário, a perspectiva de estudos com docentes passa a ganhar território.

Nessa perspectiva privilegia-se a co-construção do conhecimento nas interações que se dá em uma comunidade interpretativa. Assim, o outro é elevado da condição de objeto à condição de sujeito, primando-se pela produção de um conhecimento-emancipação que tem a solidariedade como estado de saber. (2008, p. 1, grifos dos autores)

Nóvoa (2013) sinaliza a publicação do livro “O professor é uma pessoa”, de Ada Abraham, publicado em 1984, como um importante marco dessa virada por ser um trabalho que dá importância à vida dos professores. Também afirma que na década de 1980 aumentaram as produções que posicionam os professores no centro dos debates educativos e das problemáticas da investigação:

[...] a literatura pedagógica foi invadida por obras e estudos sobre a vida

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e autobiografias docentes ou o desenvolvimento pessoal dos professores. (NÓVOA, 2013, p. 15, grifos do autor)

Essas obras e estudos nos remetem ao modo narrativo de conhecer e pensar tratado por Bolívar (2002). Esse autor defende que o modo narrativo é outra forma legítima de construção de conhecimento e que centra nos “sentimentos, vivências e ações dependentes de contextos específicos” (p.9). Também evidenciam o despontar da pesquisa pautada no método biográfico para o campo da Educação.

Passeggi e Souza (2017) destacam que essas pesquisas reemergiram nos anos 80 tendo grande contribuição dos pesquisadores pioneiros de “histórias de vida em formação” no contexto europeu, com pesquisadores francófonos tal como Gaston Pineau, Pierre Dominicé, Marie-Christine Josso; e lusófonos, como o já citado António Nóvoa. No contexto canadense, destacamos Connelly e Clandinin.

No Brasil, os estudos com as biografias tiveram grande influência desses pioneiros. Para compreender esse contexto, recorremos a Bueno, Chamlian, Sousa e Catani (2006) que buscaram apresentar uma revisão de trabalhos da área de Educação para analisar a abordagem das metodologias autobiográficas e histórias de vida nas pesquisas com as temáticas formação de professores e profissão docente entre 1985 e 2003. Constataram um aumento da expressividade de trabalhos ao longo do tempo que utilizam as metodologias autobiográficas e histórias de vida.

A intensificação de tais metodologias aqui no Brasil, sobretudo a partir dos anos de 1990, contribuiu para renovar a pesquisa educacional sob vários aspectos, notadamente no que diz respeito à pesquisa e à formação de professores, fazendo aflorar o interesse por questões e temáticas novas, tais como as que se configuram nos estudos sobre profissão, profissionalização e identidades docentes. (p. 402)

Essas autoras justificam essa intensificação devido ao amplo debate e reformas na legislação da Educação nos anos 1990- não restritas apenas ao Brasil, mas em toda América Latina- que conferiram um papel central aos docentes na construção de um novo cenário educativo. Embora no Brasil o movimento sobre os profissionais da educação tenha se iniciado nos anos de 1970, as discussões acerca da formação do professor e de sua profissionalização se intensificaram na década de 1990, período antecedente à aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96). Além disso,

58 [...] o acesso a textos publicados em Portugal e distribuídos aqui, reunindo colaborações de autores portugueses, franceses, suíços, italianos, com teorias e investigações sobre o método autobiográfico como recurso metodológico e como fonte de pesquisa, foi um dos aspectos definidores do cenário que se desenha nos anos de 1990. (BUENO et al, 2006, p.391)

Em outro estudo, inclusive já mencionado, Passeggi e Souza (2017), intentaram discutir as principais abordagens e possibilidades do movimento autobiográfico no Brasil, esboçando suas configurações no campo da Educação. Esses autores situam dois grandes períodos desse movimento no contexto brasileiro. O primeiro se refere a uma eclosão do autobiográfico e das histórias de vida em Educação, que aflora nos anos 1990- em concordância com Bueno, Chamlian, Sousa e Catani (2006). Um segundo momento foi marcado pela expansão e diversificação dos temas de investigação, que se deu a partir dos anos 2000. Eles afirmam que o movimento autobiográfico, inicialmente, teve seu foco voltado a uma área específica: a formação de professores. Tais trabalhos recorreram às histórias de vida e às narrativas autobiográficas

[...] como fonte e método de investigação qualitativa, indagando-se sobre práticas docentes, as trajetórias de formação, não apenas para produzir conhecimento sobre essas práticas, mas perceber como os professores dão sentido a elas. Emerge assim, das narrativas de professores, em formação inicial ou continuada, uma variedade de temas que entrecruzam memórias, percursos de formação, questões de gênero, trajetórias de aprendizagens e formação para a docência. (PASSEGGI; SOUZA, 2016, p. 13)

Retomando o segundo período do movimento autobiográfico brasileiro, Passeggi e Souza (2017) destacam que sua história se ancora e tem influência com o percurso do CIPA: Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica. É um evento bianual que ocorre no Brasil e teve sua primeira edição em 2004. Congrega pesquisadores de diferentes nacionalidades e de diversas áreas do conhecimento

com o objetivo de colaborar para os avanços do movimento (auto)biográfico do ponto de vista nacional e internacional e pensar os seus desafios. O Congresso, que se inscreve como uma iniciativa acadêmico-científica, constitui um espaço privilegiado de partilha de conhecimentos e de democratização de saberes decorrentes de pesquisas, fomentando a cooperação internacional, pesquisas e

59 práticas de formação que têm, nas narrativas biográficas e autobiográficas, seu campo de inserção, atuação e sua centralidade. (PASSEGGI; SOUZA, 2017, p. 22)

2.5 O sujeito como a reapropriação singular do universal social e