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2.2 Educação conscientizadora e a hipertensão arterial sistêmica

2.2.1 Histórico sobre educação conscientizadora

Refletir sobre saúde e educação, no contexto da entrada do século XXI, significa um desafio na busca de alternativas para os vários problemas oriundos do desenvolvimento. A modernidade gestou um tipo de desenvolvimento, mas não encontrou saídas para os problemas decorrentes desse desenvolvimento.

Avanços tecnológicos e científicos colocaram ao alcance do homem mecanismos capazes de diminuir distâncias, combater doenças, dominar a natureza; enfim, prolongar o tempo da vida, mas não conseguiram, em contrapartida, tornar tais avanços um direito de todos. Assim temos a grande contradição de nosso tempo: ao lado do alto nível de desenvolvimento da ciência e da tecnologia, o mais alto nível também de desigualdade na distribuição dos resultados positivos desse desenvolvimento (SANTOS, 1989).

Os desafios colocados para a saúde pública, no mundo contemporâneo e, em especial, no Brasil, enfatizam a necessidade de pensarmos ações integradas com outros setores/campos de atuação, que envolvam outros atores no enfrentamento dos problemas.

Nessa perspectiva, como pensar a educação, diante da realidade brasileira, país emergente, onde a cada ano se acentuam os processos de empobrecimento e injustiças sociais, de conseqüente adoecimento da população, agravando-se e multiplicando-se os modos de exclusão? Tal realidade de vida da população traz o

aumento de doenças como o diabetes, hipertensão, dentre outras, cuja prevenção poderia ser potencializada a partir de uma educação conscientizadora3.

É preciso buscar uma educação capaz de construir uma nova consciência, que dê ênfase não só à aquisição de conteúdos, mas também ao desenvolvimento do processo de construção do conhecimento; que invista na formação humanizada e humanizadora, capaz de possibilitar o encontro das pessoas na luta por objetivos coletivos, com solidariedade e cooperação, em que a escola, a família e a sociedade se unam em um esforço concentrado na construção de valores pragmáticos e éticos.

À luz de toda a discussão sobre participação social, valorização do conhecimento popular e alternativas pedagógicas que promovessem a emancipação de sujeitos críticos, surge o que se chama de educação popular. Esse movimento por uma educação de modo diferente daquele que se conhecia nas escolas e principalmente para quem estava fora delas, ganhou força por várias razões, tanto por meio da crítica ao estilo populista de se fazer política e de se permitir movimentos populares com liberdades vigiadas, quanto pela preocupação de profissionais comprometidos com a participação popular (BRANDÃO, 1981,1999).

Essa relação entre educação popular e movimentos neo-populistas levantam muitas questões acerca da ferramenta de organização popular por meio de uma prática conscientizadora (BRANDÃO, 1981, 1999; JAPIASSU, 1983).

Os laços entre educação e transformação social estreitaram-se. Surge o aumento da demanda por uma educação que não transformasse só o pensar de

3 Em relação à palavra conscientização Freire (1980, p. 25), relata que: “Acredita-se geralmente que sou autor deste estranho vocábulo conscientização por ser este o conceito central de minhas idéias sobre a educação. Na realidade, foi criado por uma equipe de professores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros por volta de 1964. Pode-se citar entre eles o filósofo Álvaro Pinto e o professor Guerreiro. Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu significado, porque estou absolutamente convencido de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade. Desde então, esta palavra forma parte de meu vocabulário. Mas foi Hélder Câmara quem se encarregou de difundi- la e traduzi-la para o inglês e para o francês”.

homens-trabalhadores, mas sim de sujeitos de reflexão de um contexto nacional. Naquela época (meados da década de 60), surge o conceito de “educação

bancária” para trazer à cena a reflexão sobre o modelo de educação tradicional,

que era imposta pelo Estado como forma de exercer um poder simbólico sobre as pessoas, um poder de manutenção do status quo (GADOTTI; FREIRE; GUIMARÃES 1986; FREIRE; NOGUEIRA, 1989).

Para Freire (1979, p. 67-68):

Na concepção “bancária” que estamos criticando, para a qual a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimento, não se verifica nem pode verificar-se esta superação. Pelo contrário, refletindo a sociedade opressora, sendo dimensão da “cultura do silêncio”, a “educação” “bancária” mantém e estimula a contradição. Daí, então, que nela: a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados; b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados; d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a prescrição; g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador; h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele; j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos.

Combatendo a educação bancária, o autor mostra que os educadores críticos não devem permitir que os seres humanos sejam vistos como educandos-objetos, ou seja, simplesmente depositários de um “saber” imposto. Quanto mais os educandos são exercitados para aceitar passivamente os depósitos que lhes são feitos, “tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos” (FREIRE, 1979).

Mais especificamente, desde a década de 60, Paulo Freire4 organizou, de forma metodológica, por meio de suas “primeiras palavras”, uma pedagogia do indivíduo oprimido e uma educação como prática de sua liberdade. Nesse contexto, o autor, por meio da interação teoria e prática, passou a questionar o modelo de educação tradicional. Sua maior contribuição foi a problematização das peculiaridades existentes na prática popular de ação educativa (FREIRE, 1979).

Outros educadores e acadêmicos também deram suas contribuições para a promoção da justiça social por meio de princípios pedagógicos distintos. Mas, com certeza, foi Paulo Freire, com sua simplicidade crítica e suas indagações, no auge das ditaduras latino-americanas, que transformou discursos políticos de bandeiras em reflexões de práticas intervencionistas nas comunidades marginalizadas, principalmente em se tratando da educação de adultos, na qual, inclusive, deixa claro que não existe teoria dissociada de prática e vice-versa. Com sua influência e mesmo após a sua morte, expandiram-se consideravelmente a produção bibliográfica, os estudos de casos e as experiências com práticas alternativas de educação, que também trouxeram muita contribuição para o desenvolvimento do ideário de uma democracia participativa.

Essa educação renovada transforma não apenas os métodos de educar, mas também as pessoas que são educadoras e educadas em uma sociedade em transformação. A educação popular procurava compreender as relações entre o mundo do trabalho e o mundo dos pensamentos escritos, é o que os educadores da época denominaram “aproximação entre teoria e prática” e a chamaram de “educação conscientizadora” (TORRES, 2000; GADOTTI, 2003).

4 A Enciclopédia Larousse Cultural comete um grande equívoco, quando no verbete Freire (Paulo

Reglus Neves), coloca como um de seus principais livros “Pedagogia dos oprimidos”. Sabemos que

A exemplo do que vem ocorrendo na Europa (Espanha, Itália, Portugal, Inglaterra), nos Estados Unidos e em alguns países da América Latina, no Brasil, a luta pela democratização da gestão e pela autonomia da escola, que implica uma completa mudança na estrutura e na qualidade do sistema de ensino, vai, pouco a pouco, consolidando-se em muitas municipalidades e estados.

Esse rico e variado movimento educacional está associado a uma concepção pedagógica cada vez mais consolidada, por meio de práticas educativas públicas e privadas. Tais exemplos, direta ou indiretamente, inspiram-se no pensamento de Paulo Freire; o que mostra a sua atualidade e força transformadora. Algumas idéias pedagógicas, ou de intuições originais de sua prática, são facilmente encontradas nessas experiências de educação-cidadã, fundadas em relações eminentemente democráticas. Alguns princípios dessa práxis são: partir das necessidades dos alunos e das comunidades; instituir uma relação dialógica professor-aluno; considerar a educação como produção e não como transmissão ou memorização mecânica e acumulação de conhecimentos; educar para a liberdade e para a autonomia; respeito à diversidade cultural; defender a educação como um ato de diálogo no descobrimento rigoroso, porém, imaginativo, da razão de ser das coisas e realizar um processo de planejamento comunitário e participativo (FREIRE, 1996).

Tais escolas, inicialmente muito centradas na democratização da gestão e no planejamento participativo, aos poucos, ampliaram suas preocupações para a construção de um novo currículo (interdisciplinar, transdisciplinar, intercultural) e de relações sociais, humanas e intersubjetivas, novas, enfrentando os graves problemas gerados pelo aumento da violência e da deterioração da qualidade de vida nas cidades e no campo.

Felizmente, tais transformações foram absorvidas por algumas escolas que formam profissionais de saúde (VILELA, 2002; LALUNA; FERRAZ, 2003).

Acreditamos que os profissionais da área de saúde devem atuar como

educadores conscientizadores do processo de educação, motivando as pessoas

para realizar o autocuidado.

Na prática, observa-se a importância dos profissionais da área de saúde como mediadores, facilitando aos usuários dos serviços a verbalização de seus problemas. Tais profissionais são identificados como pessoas de confiança, para compartilhar seus problemas e questões de ordem física, social, familiar, econômica e emocional.