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3.4 A universidade pública brasileira, um processo contínuo de exclusão

3.4.1 Histórico do ensino superior brasileiro

Façamos um breve vôo panorâmico sobre a histórica do ensino superior brasileiro com a intenção de compreendermos sua atual situação e, ainda, a situação em que os negros se encontram dentro deste espaço social.

Segundo José Jorge de Carvalho (2006), a história do ensino “superior” brasileiro foi marcada pelo que o autor chama de “situação de stress racial”40, ou seja, um processo deliberado de exclusão dos não-brancos e, principalmente, dos negros, do sistema "superior" de ensino, encabeçado por uma elite oriunda dos imigrantes europeus que aqui chegaram sob o respaldo de políticas públicas de branqueamento engendradas pelo Estado brasileiro no século XIX, fato que deu o tom de exclusão que caracteriza o nosso sistema de ensino até hoje.

Como é sabido, a iniciativa da construção de universidades no Brasil, não data de longe. O primeiro projeto de universidade criado em território nacional foi o da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, no período da Primeira República, mais especificamente em 1924. Os historiadores do ensino brasileiro mostram que, no período colonial, não havia a menor intenção de criar sequer faculdades na colônia, os interessados em estudar iam para a metrópole onde muito poucos seguiam os estudos acadêmicos. Este quadro só foi modificado com a vinda da

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Ao usar o adjetivo superior não entendo que o ensino universitário deva ser pensado como a etapa superior do processo educacional. Entendo que cada etapa de ensino, mesmo que compreendida e realizada por segmentos, apresenta-se como uma totalidade em si, na medida em que expõe aos agentes em relação – tanto professor, quanto aluno – um aprendizado complexo que, visto pela perspectiva da segmentação, passa a ser compreendido não em sua totalidade, mas como parte incompleta de um processo de conhecimento por se fazer, que só é completado com o término do terceiro grau, ou seja, com o ensino superior.

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Carvalho apresenta este conceito como um instrumento fundamental para pensarmos como se deu a relação histórica entre negros e brancos no Brasil. Segundo o autor, o conceito busca expressar a diferença entre brancos e negros que favorece os primeiros em detrimento dos segundos. O autor ainda desagrega o conceito em “stress de classe”, “stress racial” e “stress educacional”, ambos somando-se na construção do ser negro no Brasil.

família real para o Brasil e a ascensão deste à qualidade de Reino Unido a Portugal e Algarve, momento em que são instalados os primeiros cursos em território brasileiro (TEIXEIRA, 2004).

As primeiras faculdades brasileiras criadas ofereciam cursos de Medicina, Direito, e Politécnicas: “eram instituições isoladas, com orientação profissionalizante no modelo francês, localizadas em grandes centros” (TEIXEIRA, 2004, p. 8). A idéia de universidade ganha corpo em fins do período imperial, no bojo das idéias liberais. A formação do quadro de dirigentes republicanos foi o principal motivo para que as elites deste período viabilizassem condições para a criação de uma universidade brasileira.

Segundo Jorge Nagle (1974, p. 128) “em 1915 se formalizava, de maneira lacônica e simplificada, o projeto de criação de universidade”. Todavia, apenas na década de 1920, em comemoração do centenário da independência do Brasil é que a primeira universidade brasileira foi realmente criada, a Universidade do Rio de Janeiro. Esta resultou do agrupamento de três faculdades já existentes: a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Para Nagle (1974), este modelo, que se colocava como o “padrão” de universidade brasileira foi muito criticado por sua construção pouco refletida e por seu caráter profissionalizante.

A justaposição de três diferentes faculdades não significou a criação do que os críticos deste modelo chamaram de “espírito universitário moderno”. Em poucas palavras o que eles reivindicavam era a criação de um espaço universitário que elegesse a produção, a reflexão e expansão das ciências humanas. No entanto, o que viam era um modelo que seguia o movimento contrário, quando priorizava áreas específicas do conhecimento que pudessem fornecer um quadro especializado para dirigentes da República.

Carvalho (2006) entende que nossas universidades públicas são herdeiras, em sua auto- representação, do modelo das universidades européias do princípio do século XIX. Segundo o autor:

[Marcada por uma] dicotomia entre um saber aplicado à indústria, à reprodução da vida, à acumulação do capital e o saber que formaria o caráter da classe burguesa (e cujo modelo foi a formação aristocrática), foi levada a diante sem rupturas por dois séculos e foi ser expressa, até hoje, na oposição entre os cursos de Ciências Exatas, por um lado, e os de Humanidades, por outro, que ainda é a nossa idéia-mestra organizadora do saber universitário (CARVALHO, J., 2006, p. 146).

Ou seja, articular os conflitos intra-elites e entre classes sociais, fazia do modelo de universidade a ser construído. A divisão entre áreas de conhecimento e o incentivo que cada uma deveria receber, faz parte de um jogo de poder que articula diferentes interesses.

Não podemos deixar de lembrar que a década de 1920, no que diz respeito à educação pública, foi muito significativa devido às mudanças realizadas pelo governo nesta área. Tratava- se da grande empreitada pela expansão do ensino fundamental público, estratégia que visava, entre outras coisas, erradicar o analfabetismo da população brasileira fornecendo-lhe o ensino básico gratuito. Nagle (1974), assim como Dávila (2006), refere-se a este momento como aquele em que o ensino público foi legitimador de uma estratégia política de cunho nacionalista, no que tange à construção do povo brasileiro a partir do afastamento do estigma da ignorância das sociedades pouco civilizadas. Nagle (1974) entende que o Estado, neste momento, está plenamente voltado para a expansão da escola pública e suas conseqüências, fato que motiva duras críticas, por parte da oposição, que reclama a falta de incentivo público para o desenvolvimento do ensino superior.

O que podemos concluir com estes estudos é que a universidade pública nasce voltada para um plano político específico, qual seja, a construção de uma nação republicana cujo modelo era vindo da Europa e dos Estados Unidos da América. Para pôr em andamento esta empreitada política, foi necessário formar os quadros que receberiam os postos de comando por parte do Estado. Sob esta perspectiva é que se assegura a construção das primeiras universidades brasileiras. Fato que foi corroborado anos mais tarde, na década de 1930, com a criação da Universidade de São Paulo, USP.

No governo de Vargas, foi aprovado o Estatuto das Universidades Brasileiras que, segundo nos mostra Teixeira (2004), definia que as universidades poderiam ser públicas, de qualquer das três esferas, ou privadas, e deveriam oferecer pelo menos três dos seis cursos considerados principais à época: Direito, Medicina, Engenharia, Educação, Ciências e Letras. A faculdade de Educação era voltada para a formação de educadores para o nível médio que, como vimos, era a prioridade deste período.

Foram três as universidades criadas, com três linhas bem distintas Anísio Teixeira criou a Universidade do Distrito Federal voltada à cultura e à pesquisa; Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde, criou a Universidade do Brasil, e os jesuítas, criaram a primeira Universidade Católica em 1946 (TEIXEIRA, 2004). Não obstante, em 1934, São Paulo cria a Universidade de

São Paulo (USP) inovando na organização: fez da Faculdade de Filosofia o eixo central das atividades de ensino e pesquisa. Todavia, os cursos tradicionais e conferidores de status social ainda eram preferidos.

Mesmo contando com um corpo de docente altamente qualificado e uma ampla oferta de cursos, a elite paulista continuou fiel aos cursos tradicionais: Medicina, Engenharia e Direito (TEIXEIRA, 2004, p. 9).

Com a ampliação do ensino de nível médio e a entrada da mulher no mercado de trabalho, em 1940, sobretudo no magistério, aumentou a presença feminina nos cursos oferecidos pela Faculdade de Filosofia. É importante enfatizar que estas faculdades não tinham compromisso com a pesquisa. Este fato só é modificado no período de 1945 a 1964 – período populista – quando ocorre um processo de integração do ensino superior, momento no qual surge a Universidade de Brasília.

Nos governos militares a partir de 1964, ocorre uma série de mudanças orientadas pela centralização do poder dos militares, mas é neste período que o ensino e a pesquisa são implementados nas universidades públicas. Acontecem reformas na organização e dedicação dos docentes universitários e, sobretudo, uma grande expansão das universidades41. Diga-se de passagem, o setor privado foi quem mais ganhou com esta expansão, ampliando o número de faculdades privadas.

Com a Redemocratização do país após 1980, a nova Constituição determinou o mínimo de 18% da receita de impostos da União para o ensino, a gratuidade do ensino público, e reiterou a vinculação entre ensino superior e pesquisa. Em 1996, a Lei 9.394 estabeleceu os níveis escolares; as modalidades de educação e ensino; instituiu a avaliação dos cursos de graduação e das instituições de ensino superior, ampliou a consignação de verba para educação de estados, municípios e do Distrito Federal para 25%, entre outras mudanças, desenhando os parâmetros arestas do quadro que conhecemos hoje.

Para Catani (2002, p. 27), o conceito de universidade, pensado de maneira mais ampla, pode ser entendido como um “espaço social provido de capital intelectual e cultural que se interconecta com outros campos sociais e que pode, ao mesmo tempo, expressar processos de reprodução e de transformação”, o que permite entender que a universidade carrega em si um

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A Lei da Reforma Universitária criou, entre outras coisas, os departamentos com chefias rotativas, o sistema de créditos, o vestibular classificatório (antes era eliminatório), os cursos de curta duração, o ciclo básico, o regime de tempo integral e a dedicação exclusiva. Além de valorizar a titulação e a produção científica “abrindo caminho para uma profissionalização maior do corpo docente e para o ensino de pós-graduação no país” (TEIXEIRA, 2004, p. 9).

grau de ambigüidade, posto que, ao mesmo tempo em que é garantido um certo grau de autonomia, por outro lado, não deixa de sofrer influências externas que, no nosso entender, acabam por se sobrepor e redesenham a autonomia da universidade conforme as demandas sociais, e particularmente, as políticas e as econômicas. Num contexto em que as demandas econômicas soterram todas as demais demandas, a universidade pública transforma-se rapidamente em um modelo empresarial e, como tal, restringe cada vez mais sua “produção” ao que é legitimado pelo capital econômico (CARVALHO, J., 2006).

O resultado mais evidente deste processo que tende a se espraiar, é a não universalização do ensino superior público, ou seja, a elitização cada vez mais forte do ensino superior público brasileiro. Para Carvalho (2006), este fato seria o reflexo de um processo presente já na própria concepção de universidade brasileira quando esta foi construída para abrigar uma elite bem específica, as elites brasileiras beneficiadas pelo Estado brasileiro a partir da ideologia política de embranquecimento da nação.