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4.2 No campo: a construção e organização dos dados

4.2.2 O quadro de professores negros na UFSCar

Iniciaremos a apresentação e discussão sobre os dados da UFSCar, descrevendo um perfil desta instituição, a título de contextualização.

A Universidade Federal de São Carlos nasce em 22 de maio de 1968, em pleno contexto de ditadura militar. Como demonstra Valdemar Sguissardi (1993, p. 64), para os militares, o “ensino superior era visto como meio de modificar a sociedade” segundo a ideologia desenvolvimentista que seguiam.

Era necessário integrar a educação superior às orientações do novo projeto de desenvolvimento. Era necessário despolitizar o campo acadêmico, neutralizar as ações de contestação do movimento estudantil, ligado a organizações populares, e mantê-lo sob rígido controle. (SGUISSARDI, 1993, p. 34).

De acordo com tal orientação, no final da década de sessenta, o ensino superior tornou-se um forte instrumento para formar mão-de-obra qualificada capaz de modernizar o país o que, por sua vez, representava a recuperação do controle político sobre a universidade.

A fundação da UFSCar, respondia a estes interesses. Sua criação esteve relacionada diretamente com a articulação da política local na figura do político e empresário Ernesto Pereira Lopes. Médico, formado pela Escola de medicina da USP, este filho de portugueses chega a São Carlos por volta da década de 1940, para modificar a estrutura de poder até então centralizada nas mãos de duas famílias tradicionais, ligadas à oligarquia cafeeira56, os Arruda Botelho – parentes do Conde do Pinhal – e os “Sallistas” – ligado ao deputado estadual Pádua Salles, parente de Campos Salles. A partir da década de 1940, comerciantes e industriais passam a preencher as estruturas de poder público local. A figura do industrial Lopes destacou-se na cidade e rapidamente ele conquistou postos políticos, tornando-se deputado estadual, cargo que permanece por alguns anos e posteriormente Presidente da Câmera dos Deputados. Com presença marcante, tanto no quadro econômico quanto político do Estado de São Paulo57 , este político foi um dos grandes defensores da criação da UFSCar.

São Carlos, favorecida geograficamente por sua localização central e sua integração com São Paulo, pela ferrovia da Companhia Paulista e pela rodovia Washington Luiz, além de ser uma cidade que participava da expansão industrial centrada em São Paulo, teve peso para sediar uma universidade federal criada no interior.

Após longa negociação política local, Ernesto Pereira Lopes, juntamente com outras pessoas ilustres da cidade, conseguiu que a prefeitura da São Carlos desapropriasse e doasse um terreno de 277 alqueires que correspondia à fazenda Trancham, cujos proprietários eram os irmão Jaime, Antônio e Elias Caridá, residentes em São Paulo. Esta localidade era favorecida pelos

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Conferir OSIO, Júlio Roberto; Massarão, Leila M. “Os primeiros tempos e a formação da cidade de São Carlos (Final do século XVIII e século XIX)”.Texto elaborado a partir das fontes bibliográficas tradicionais do município. Prefeitura Municipal de São Carlos. FUNDAÇÃO PÓ-MEMÓRIA DE SÃO CARLOS.

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Na década de 1940, Ernesto Pereira Lopes já era dono de uma indústria de fogões elétricos e a gás. Em 1948, dedica-se à fabricação de geladeiras, produzindo um quarto da produção nacional. Em 1975, entra no ramo de tratores, produzindo 10% de todo a fabricação destes no país.

recursos naturais que dispunha, além de estar próxima à Rodovia Woshington Luiz. Os recursos da união foram usados para instalar os prédios, os laboratórios e a biblioteca central (SGUISSARDI, 1993). Muitos dos engenheiros formados pela EESC/USP foram convidados para lecionar na recém fundada universidade. Entre a aprovação da Lei de criação da UFSCar e sua instalação passou-se dois anos. Em março de 1970, esta instituição recebeu seus primeiros alunos.

Atualmente ela é referência nacional em várias áreas de conhecimento. Dividida em três campi, São Carlos, Araras e o mais recente, Sorocaba. A pesquisa que desenvolvo privilegiou o estudo do campus de São Carlos, por oferecer os cursos de engenharia (engenharia de materiais, de produção, civil e química).

O trabalho de campo realizado nesta instituição constituiu uma experiência particular dentro da pesquisa como um todo. Para chegar aos professores negros, focos de minha atenção, precisei recorrer aos dados que a instituição dispunha – organizados recentemente através de cadastro elaborado para o INEP – e que serviu como guia para que eu elaborasse um quadro sobre a presença étnico-racial dos docentes desta instituição. Estes dados foram sistematizados em tabelas e gráficos. Apresento-os a seguir. Todavia, desde já adianto ao leitor que, após iniciar as entrevistas com os docentes desta instituição, estive diante de uma situação nova que questionou bruscamente os dados que apresento a seguir. Contudo, entendo que é importante – até para que o leitor entenda o fato e suas dimensões – apresentar os dados desta instituição na ordem que estes foram apresentados a mim.

Tabela 5 - Número de professores por sexo (UFSCar)

SEXO FREQUENCIA PORCENTAGEM

FEMININO 189 39,0%

MASCULINO 295 61,0%

Gráfico 3

Através do Gráfico 3 e da Tabela 6, pode professores por sexo, juntamente com as respectiva

UFSCar são homens e 39 % são mulheres. Tomamos, na construção destes dados, todo o quadro docente da UFSCar, independente do curso ou área. Comparando estes dados com os apresentados pela EESC/USP, podemos perceber qu

mais distribuído em relação ao sexo. Todavia, é preciso lembrar que esta instituição foi pensada para ser uma universidade, em seu sentido amplo, ou seja, ela desde sua origem ofereceu diversos cursos, na área de humanas, exatas e tecnológicas, biológicas e de saúde. Atualmente, estas áreas estão organizadas da seguinte forma: Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia (CCET) e o Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH). Este elemento pode explicar uma maior representação feminina nesta universidade, pela disponibilização de outros cursos que não só a engenharia, como é o caso da EESC/USP.

Tabela 6 AMARELO BRANCO ÍNDIGENA Total Global 61,0%

Gráfico 3 - Número de professores por sexo (UFSCar)

Através do Gráfico 3 e da Tabela 6, pode-se verificar a distribuição e o número de professores por sexo, juntamente com as respectivas porcentagens; 61% dos professores da UFSCar são homens e 39 % são mulheres. Tomamos, na construção destes dados, todo o quadro docente da UFSCar, independente do curso ou área. Comparando estes dados com os apresentados pela EESC/USP, podemos perceber que a UFSCar apresenta um quadro docente mais distribuído em relação ao sexo. Todavia, é preciso lembrar que esta instituição foi pensada para ser uma universidade, em seu sentido amplo, ou seja, ela desde sua origem ofereceu diversos nas, exatas e tecnológicas, biológicas e de saúde. Atualmente, estas áreas estão organizadas da seguinte forma: Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia (CCET) e o Centro de Educação e Ciências Humanas H). Este elemento pode explicar uma maior representação feminina nesta universidade, pela disponibilização de outros cursos que não só a engenharia, como é o caso da EESC/USP.

6 - Número de professores por cor (UFSCar)

COR FREQUENCIA PORCENTAGEM

AMARELO 21 4,3% BRANCO 424 87,6% ÍNDIGENA 6 1,2% PARDO 16 3,3% PRETO 17 3,5% Total Global 484 100,0% 39,0% 61,0% FEMININO MASCULINO

se verificar a distribuição e o número de s porcentagens; 61% dos professores da UFSCar são homens e 39 % são mulheres. Tomamos, na construção destes dados, todo o quadro docente da UFSCar, independente do curso ou área. Comparando estes dados com os e a UFSCar apresenta um quadro docente mais distribuído em relação ao sexo. Todavia, é preciso lembrar que esta instituição foi pensada para ser uma universidade, em seu sentido amplo, ou seja, ela desde sua origem ofereceu diversos nas, exatas e tecnológicas, biológicas e de saúde. Atualmente, estas áreas estão organizadas da seguinte forma: Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia (CCET) e o Centro de Educação e Ciências Humanas H). Este elemento pode explicar uma maior representação feminina nesta universidade, pela disponibilização de outros cursos que não só a engenharia, como é o caso da EESC/USP.

Gráfico 4 - Número de professores por cor (UFSCar)

Lembramos que estes dados foram elaborados através de um cadastro empregado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), o qual enviou um questionário à instituição, pedindo que esta o respondesse. Dentre outras questões, pedia-se que os docentes se auto-classificassem segundo sua “cor ou raça”. Para tanto, eram disponibilizadas as categorias utilizadas pelo IBGE, branca, preta, parda, amarela e indígena.

Levando em conta os resultados tabulados, podemos entender que a UFSCar é majoritariamente branca, pois 87,6% dos docentes assim se declararam. Sendo assim, 12,3% dos professores não são brancos. Estes estão distribuídos entre o que chamamos de negros (pretos e pardos), que somam um percentual de aproximadamente 7,8%. Os amarelos com 4,3%, e os indígenas 1,2%.

Tabela 7 - Número de professores das engenharias dividido por sexo (UFSCar)

ENGENHARIAS

FEMININO MASCULINO TOTAL

FREQUÊNCIA % FREQUÊNCIA % FREQUÊNCIA %

DECiv 4 14,81% 23 85,19% 27 100,00%

DEMa 5 14,29% 30 85,71% 35 100,00%

DEP 4 13,33% 26 86,67% 30 100,00%

DEQ 5 17,86% 23 82,14% 28 100,00%

Total Global 18 15,00% 102 85,00% 120 100,00%

Legenda: DECiv: Departamento de Engenharia Civil; DEMa: Departamento de Engenharia de Materiais; DEP: Departamento de Engenharia de Produção; DEQ: Departamento de Engenharia Química.

87,6% 4,3% 3,5% 3,3% 1,2% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Gráfico 5 - Número de professores das engenharias dividido por sexo (UFSCar)

Através do Gráfico 5 e da Tabela 8, pode-se verificar que, dos professores do DECiv, 14,8% são mulheres e 85,2% são homens, o que nos mostra a predominância masculina. No DEMa, 14,3% são mulheres e 85,7% são homens, no DEP, 13,3% são mulheres e 86,7% são homens, do DEQ, 17,9% são mulheres e 82,1% são homens. Este último departamento é o “mais feminino”. Podemos perceber que há uma diferença significativa no que diz respeito à presença feminina entre a UFSCar e a EESC/USP. Tomando as instituições como um todo (e não só a engenharia), na UFSCar 39% dos professores são do sexo feminino. Já no caso da EESC/USP, as professoras não chegam a 10% do total de docentes. Tomando como referência a presença de mulheres negras na engenharia, destaca-se o fato de na EESC/USP não haver nenhuma negra nas engenharias. Os três negros ali presentes são homens. Na UFSCar, o caso também é crítico, temos uma mulher negra como docente nos quatro cursos de engenharia oferecidos. Devemos lembrar que a Universidade de São Paulo é uma das mais tradicionais do país. Sua identidade social esteve e ainda está associada a referências socialmente almejadas, ou seja, ela procura atender a um anseio de modernidade (e modernização) da elite econômica e intelectual do Brasil. Desta forma, esta instituição não só atende a este grupo, em particular, como também se torna um lócus de sua reprodução.

Pensando que a sociedade brasileira tem bases na estrutura social colonial (patriarcalista e escravista), pode-se inferir que as instituições de elite – como entendo ser o caso da USP – sendo composta por representantes deste grupo, majoritariamente, exercitarão certo grau de sua herança cultural, o que pode explicar a baixa presença de mulheres na instituição analisada, bem como a

14,8% 85,2% 14,3% 85,7% 13,3% 86,7% 17,9% 82,1% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% FEMININO MASCULINO

ausência de mulheres negras que, socialmente são colocadas na base das relações de poder (LIMA, 1999) já que pesa sobre elas um duplo estigma, a cor de pele e o gênero. A ausência de negras na engenharia da EESC/USP insinua a dificuldade que estas mulheres têm em vencer este duplo estigma e chegarem ao topo do que socialmente é reconhecido como o lócus da racionalidade, ou seja, a área de exatas desta instituição.

Tabela 8 - Número de professores por cor divididos nas engenharias da UFSCar

ENGENHARIA

COR - FREQÜÊNCIA TOTAL GERAL

AMARELA BRANCA INDÍGENA PARDA PRETA

DECiv 1 26 0 0 0 27

DEMa 3 28 1 1 2 35

DEP 0 27 0 1 2 30

DEQ 1 23 0 1 3 28

TOTAL GERAL 5 104 1 3 7 120

Especificando as engenharias, podemos dizer que há maior concentração de docentes brancos no departamento de Engenharia de Materiais (28 docentes). Os pardos estão distribuídos nos departamentos de engenharia de materiais, produção e química (1 docente em cada). O departamento de Engenharia Química é o que tem concentração de docentes pretos (3 docentes). O departamento de Engenharia de Materiais é o que concentra docentes amarelos. Este departamento é o único que tem docente indígena (1 docente). Na Tabela 10 (abaixo) podemos visualizar estes dados em termos de porcentagem.

Tabela 9 - Porcentagem de professores por cor nas engenharias da UFSCar

ENGENHARIA

COR – PORCENTAGEM POR LINHA TOTAL GERAL AMARELA BRANCA INDÍGENA PARDA PRETA

DECiv 3,7% 96,3% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0%

DEMa 8,6% 80,0% 2,9% 2,9% 5,7% 100,0%

DEP 0,0% 90,0% 0,0% 3,3% 6,7% 100,0%

DEQ 3,6% 82,1% 0,0% 3,6% 10,7% 100,0%

Gráfico 6 - Número de professores por cor nas engenharias da UFSCar

O gráfico acima reforça o quadro indicativo da concentração de docentes por cor nas diferentes engenharias da UFSCar. A porcentagem de negros na Engenharia Química é praticamente duas vezes maior do que na Engenharia de Materiais58.

Estes foram os primeiros dados de que dispunha sobre a presença de professores negros na área de engenharia da UFSCar. Todavia, eles foram alterados devido os novos acontecimentos revelados nas entrevistas.