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Nesta seção apresento as falas dos professores entrevistados. As entrevistas foram organizadas por temas. Uma das minhas preocupações de pesquisa foi visualizar a presença de negros na universidade pública e, principalmente, entender como esta presença estava distribuída entre as diversas áreas de conhecimento. Orientada por estudos que identificavam que a área das

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Não posso deixar de observar que, em determinado momento histórico de nosso país, as crianças negras que eram registradas, passavam por um processo de embranquecimento – vindo de seus pais ou mesmo do agente de cartório. Quando eram mais “clarinhas”, eram classificadas como “brancas”. Isso pode explicar o que o professor R.L., comenta em sua entrevista. Sobre o assunto, ver: “Promotoria questiona omissão da cor na certidão de nascimento” FOLHA DE S. PAULO, São Paulo, 5 ago. 2006, Cotidiano, Caderno Especial C, p.6.

humanidades agrega mais negros que a área das exatas e tecnologia (TEIXEIRA, 2003; 2004), por se tratar de cursos que oferecem a possibilidade de conciliar estudo e trabalho, além de apresentarem menor relação entre candidato/vaga nos vestibulares, formulei questões que testassem essa hipótese nas instituições que pesquisei. Perguntei aos docentes se eles percebiam uma diferença entre a área de ciências humanas e de exatas e tecnologia, no que diz respeito à presença de negros. Indaguei também, qual seria a explicação para este fato, na opinião do docente.

Foi unânime a afirmação de que sim, havia uma representatividade “maior” de negros na área de humanidades. Todavia, um dos professores (F.A.) chamou-me a atenção para o fato de que a presença de negros na universidade é tão insignificante que não podemos pensar em termos de “mais”, de “maior” representatividade, já que praticamente não há representatividade desse grupo na universidade, seja qual for a área. Destaco a entrevista do professor F.A. da UFSCar, comentando sobre a existência de uma estratificação racial dos cursos.

Concordo, concordo. Eu não conheço as estatísticas, não sei se tem mais negros, quer dizer não[...]Perceber pela vida docente... tem tão pouco, poucos negros nessa universidade tá e alguns que eu identifico enquanto negros, mas eles também não se identificam enquanto negros, então você tem tanto na área de humanas quanto, aqui nessa universidade, quanto na área de, de, exatas, a professora que você falou que – aqui do lado – eu nem sabia que ela se identificava enquanto negra, ta, eu achava que não! Naquele departamento... os caras são contra... contra as ações afirmativas, são contra cotas, cotas sócio-econômicas eles ainda admitem, racial, nem pensar, que foi o grande pau aqui nessa universidade. Então você tem, tem tão pouca gente que, talvez na humanas tenha um pouco mais de pessoas que assumam a sua... a sua... negritude e se insiram nas lutas..., nas coisas que tem... em que esta questão aparece. Na área de exatas menos [fala alto], há uma inserção maior, ou uma identificação menor dos professores negros com as lutas. Isso você vê aqui no departamento.(F.A. – UFSCar).

Perguntei ao professor, segundo sua experiência na instituição, qual seria o número de docentes negros em seu departamento. Esta questão tinha também por objetivo identificar outros docentes negros naquele departamento, além de conhecer o perfil da universidade. A pergunta era sobre o número de professores em seu departamento.

Trinta e cinco. [Silêncio] o único que assume a negritude sou eu, têm outros que eu até posso dizer, tem negro, todo mundo assume que tem

negro na família mais não assume a negritude. Aí fica aquela história de olhar o biotipo, mas isso também não quer dizer nada. Eu não sei quer dizer... Priscila, o que você tem é um processo de que é difícil entrar na universidade, não sei se é mais difícil entrar na universidade, negro nas áreas de exatas do que nas áreas sociais, não sei, tá, aí a gente pode fazer uma distinção bom, agente pode até elaborar uma teoria né, quer dizer que na medida que tem uma menor renda... tem toda a dificuldade de entrar em universidades públicas, e a relação entre candidato e vaga é maior nas, nas de exata e medicina, e portanto, onde consegue entrar na universidade é na área de humanas e portanto... [...] É, eu acho que dá, daria pra construir... é que é tão pouco gente que, que do jeito que você pergunta “tem muito mais” [com ênfase] ta, eu acho que a gente é tão pouco na universidade que tanto mais perto do universo, entendeu? Então, relativiza isso, porque senão parece que é muito mais. Porque lá não deve ser nem, um décimo dos professores são negros ta! Legal, talvez nem um por cento, nem um por cento, aqui também não chega a um por cento, então a gente vai dizer; lá é maior do que aqui [lá quer dizer as humanidades, os cursos de humanas], não é nem um por cento do total de professores da área de, de humanas, aqui, por exemplo, não é nem um por cento de exatas, ter mais lá do que aqui não significa nada. É inexistente como um todo. O dado fundamental é que assim como inexistem alunos negros nas universidades públicas do Estado de São Paulo, inexiste professores negros. Temos exceções, e aí eu me identifico como exceção, tá.(F.A. – UFSCar).

A fala deste docente apresenta uma série de questões importantes. Ele não só confirma a tese desenvolvida por Moema de Poli Teixeira, como também nos mostra que a presença de negros na universidade pública é insignificante, tomando como parâmetro a presença de outras etnias/grupos raciais. O professor tem razão, esta presença não chega a um por cento. Como podemos inferir a partir dos dados que apresentamos em forma de tabelas e gráficos – ainda que alterados – os docentes negros, particularmente, encontram-se em proporção ainda menor que os alunos negros. O que pode estar evidenciando que os poucos alunos formados pelas universidades públicas, particularmente nas áreas mais concorridas, como é o caso da engenharia, não seguem a carreira acadêmica, mas, procuram inserir-se no mercado de trabalho. Ficando assim, uma pequena porcentagem de docentes negros nestas áreas. A pouca representatividade de docentes negros, de certa forma, repercute na formação dos alunos destes cursos, pensando que estes estarão cada vez mais acostumados com estereótipo (uma imagem) de docente universitário, que não é negro. Em outras palavras, a diversidade, conceito importante para a boa convivência entre os diferentes, estará prejudicada.

O professor F.A. chama a atenção para o fato de a área de exatas ser menos propícia à discussão da identidade, que o professor classifica como “negritude”. Fato já observado na pesquisa de Moema de Poli Teixeira (2004).

Outro professor reafirma a pouca representatividade de negros nas exatas e atribui este fato à questão econômica dos candidatos.

Sempre enfatizando, que toda vez que eu me referir à raça, daqui por diante vai ser entre aspas, eu concordo sim. A maior parte... É muito mais difícil, é muito mais caro, e o negro é identificado com a... agora está mudando um pouco, não é? Já existem segmentos importantes nas classes médias, mas ainda o negro é identificado com as classes baixas, economicamente falando. Então, como é mais fácil você, por exemplo, você trabalhar e estudar na área de ciências humanas, na área de engenharia e de medicina, por exemplo, é tempo integral. Então, isso inviabiliza, então, as pessoas de raça negra vão, preferencialmente, pra... já... preferencialmente vão os brancos, mas os poucos que chegam à universidade vão preferencialmente para a área de ciências humanas, acho que por causa dessa questão econômica. (L.M. – UFSCar).

Refletindo sobre a presença de alunos nas engenharias, de sua instituição, este professor diz que:

[...] Alunos, sim. Alunos, um número até significativo. Já, eu estou aqui há vinte e sete anos. Não noto, não noto um crescimento não, pelo contrário, eu noto até uma diminuição, eu noto que está havendo uma elitização dos estudantes de Engenharia Química e, de novo, voltando à primeira resposta, quer dizer, pela questão econômica, então, o número de pessoas mais... de pele morena, hoje, de pele negra, vem diminuindo. (L.M. – UFSCar).

Ainda sobre a pouca representatividade de negros, neste espaço, a professora A.S. nos mostra que:

Olha, eu não saberia quantificar, uma vez que convivo pouco com a área de humanas, então não saberia dizer se lá, tem mais negros do que aqui, o que posso dizer é que na área de exatas tem muito pouco negro [com ênfase]. [...] Mas, da minha experiência de 25 anos aqui na UFSCar como professora tive pouquíssimos alunos negros, muito pouco eu diria que [pensa] não sei se teria 10%, não sei, são poucos. Neste período eu tenho uma turma que tem 75 alunos e tem somente 2 alunos negros. [...] Olha parece que aumentou; mas eu não diria que é um [com ênfase] aumento expressivo não, mas acho que aumentou. Quando comecei não

via alunos negros; principalmente na área de engenharia, assim como também não via mulheres, as minhas primeiras turmas eram só de rapazes.(A.S. – UFSCar).

A fala da professora nos indica a dimensão de negros que cursam engenharia em universidades públicas de São Paulo. Numa turma de 75 alunos, a professora tem 2 alunos negros. Ainda comentando sobre a presença de docentes negros na engenharia, a professora aponta que:

É na Universidade, considerando apenas o Campi de São Carlos, acho que tem quase 600 docentes, então a gente conhece os docentes do próprio departamento e de algum departamento que está mais afim; mas não se conhece todo mundo é muito difícil. Acho que tem poucos negros na universidade, poucos, aqui no meu departamento sou só eu. (A.S. – UFSCar).

Escutei a expressão: “sou só eu no meu departamento”, dos três docentes negros entrevistados. Pela fala dos docentes, podemos inferir que a distribuição das carreiras nas universidades públicas está diretamente relacionada à condição social do candidato ao curso. Como afirma o professor L.M., a sociedade brasileira tem formulado a imagem do negro associada à pobreza, à classe baixa. A influência é tão forte, que faz com que os negros selecionem, a priori, o curso que passaria, tendo em vista sua condição educacional e financeira. É o que a professora A.S. fala:

É o seguinte: eu acho que tudo vai da base; da educação de base... e acho que muitas vezes hoje o negro acaba desistindo; no meio do caminho, talvez pela própria circunstância, fica mais difícil de lutar; ele se autodiscrimina. (A.S. – UFSCar).

Como vimos na seção passada e aqui é confirmado pela professora, a democratização do ensino público, da maneira como foi empregado, ocasionou a queda na qualidade do ensino que era fornecido. As primeiras gerações que foram beneficiadas com um ensino público de qualidade, como foi o caso de todos os docentes que entrevistei, chamam a atenção para a constante queda na qualidade do ensino público. Fato que, como mostra a fala acima, torna-se um argumento a agravar a situação do negro no Brasil. A constante queda na qualidade do ensino público tende, a meu ver, naturalizar, principalmente nos negros de pouco poder aquisitivo, a percepção de que eles são responsáveis por sua condição de fracasso escolar e, conseqüentemente

social já que, não conseguem perceber que o problema está “na base” do sistema escolar. Contudo, não se pode esquecer que para além do fator econômico e da qualidade do ensino público oferecido, há o elemento da discriminação e do preconceito racial agindo sobre o sistema escolar em todas as suas fases. Combinados, estes elementos contribuem para a ausência dos negros nos bancos universitários e, conseqüentemente, nos departamentos das principais universidades do país.

O professor R.L. da EESC/USP comenta a estratificação das carreiras universitárias e a presença de negros nestas:

Eu concordo sim com esta afirmação, assim embora seja uma concordância assim, quase que impressionista pela minha experiência mesmo. E eu acho que isso se deve primeiro, a um certo... vamos dizer assim, a uma desvalorização das Ciências Humanas em relação as Ciências Exatas e Tecnológicas no próprio mercado de trabalho. O que faz com que a concorrência e a inserção social dessas outras áreas sejam maiores né, do que a área de Humanas. É então, eu atribuo a isto a presença maior de negros nas áreas de Ciências Humanas. [...] Não, acho sim, com certeza, a manutenção, por exemplo, de um aluno de odontologia, de medicina né, é uma manutenção muito mais onerosa do que, por exemplo, na área de humanas. Então, eu acho que isso realmente é um dos fatores de exclusão.(R.L. – EESC/USP).

Para além da questão da educação pública, que atualmente tem deixado a desejar, duas questões são essenciais neste sentido. A primeira é a baixa auto-estima do negro e a segunda é a condição econômica a que este grupo se encontra. As duas questões estão interligadas, dizem respeito à identidade do negro em nossa sociedade. Como já discutimos, a história do povo negro no Brasil foi marcada por situações de restrições econômicas e culturais. Entendendo que isso não quer dizer que os negros não dispunham de cultura, ao contrário, o problema era que sua cultura não era valorizada socialmente e, por isso, precisavam assemelharem-se ao modelo de cultura hegemônico. Desta forma, não é difícil encontrarmos negros que se “auto-discriminam”, ou seja, entendem sua imagem tal qual a sociedade lhe informa. Por isso, se acham feios e incapazes de ascensão social.

Chegar à universidade é um feito na vida de um negro, principalmente tratando-se de uma universidade pública e, se o curso é de alto status social – como a engenharia – o feito é ainda maior, tornando-se mais difícil encontrar negros que conseguem realizá-lo. Entendo que não se

trata de “preferência” por cursos de humanas, mas como aponta Teixeira (2004), é uma escolha racionalizada, mas do que vocacional. A escolha é feita mediante condições imediatas – possibilidade de trabalhar durante o curso, disponibilidade de estudar durante muitas horas, etc. – e visa ascensão que o diploma pode oferecer no futuro. É preciso entender esta “ausência” de negros na universidade tendo em vista a identidade social deste grupo e as condições que ele dispõe para manipulá-la.