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3.2 O projeto republicano: a escola pública brasileira vista como instrumento de

3.2.1 O branqueamento explicitado, a reforma do ensino e suas conseqüências para os

A década de 1940, marca a entrada de algumas mulheres no mercado de trabalho (DÁVILA, 2006; TEIXEIRA, 2004), o que denota uma conquista bem recente. Como vimos, no período colonial, como no imperial, às mulheres, quando muito, conseguiam uma educação voltada para a boa manutenção do lar e da família. E este “privilégio” ainda era direcionado para as mulheres da elite e não para as escravizadas, ou as libertas que estiveram, em sua maioria, sempre com o papel de cozinheiras, lavadeiras, amas, babás, quituteiras. Estas ficavam com todo serviço doméstico, que não era digno de ser realizado pelas mulheres da elite, que só aprendiam a comandar todo este processo (FONSECA, 2000).

Como nos mostra Teixeira (2004), foi apenas na primeira metade do século XIX que surgiram as primeiras escolas destinadas às mulheres, as Escolas Normais. Ainda assim,

permanecia a distinção explícita entre o currículo formal e o currículo feminino. Em geral, a educação feminina esteve marcada por um conteúdo moral muito forte; o ensino primário era para elas o patamar mais elevado, o que as excluíam dos primeiros cursos superiores do país: Medicina (1808), Engenharia (1810) e Direito (1827), visto que os cursos normais, freqüentados por pequena parcela da elite que dispunha de dinheiro para tanto, não preparavam as estudantes para as faculdades (TEIXEIRA, 2004).

O ensino destinado às mulheres também foi alvo da ação eugênica empreendida pelos Pioneiros da Educação, nas décadas de 1930 e 1940. O ensino elementar apresentava em seu currículo disciplinas que visavam preparar as mulheres para os cuidados com os futuros filhos além da higiene e do vigor físico.

Todavia, como nos mostra Dávila (2006, p.113), na década de 1940, as mulheres assumiram a docência: “lecionar se tornara uma profissão atribuída ao gênero feminino”. Ainda que fosse possível encontrar homens, estes estavam principalmente nos Ministérios, como era o caso do Ministério da Educação e Saúde: “as mulheres dominavam as fileiras do ensino e da administração na escola elementar”. Todavia, não eram todas as mulheres, mas as mulheres brancas de uma elite empobrecida, pois, dentro da estrutura requerida como modelo para o brasileiro, a docência teria que expressar para os alunos o modelo a ser seguido. Por isto, mulheres brancas e da elite.

A medida em que as mulheres procuravam acesso às profissões liberais, a escassez de vagas nas escolas públicas normais provocou uma competição acirrada que desalojou os homens e as mulheres não-brancas que antes detinham muitos destes empregos (DÁVILA, 2006, p. 113).

Mesmo com muita dificuldade, era grande o esforço realizado por algumas famílias negras para que seus filhos e filhas tivessem acesso ao ensino. Alguns destes casos foram bem sucedidos e, não sem muito esforço familiar e pessoal, encontrava-se no início do século XX, uma pequena parcela de negros em profissões com status social mais elevado, como por exemplo, a docência e a administração escolar. Sobre o fato, fala-nos Dávila (2006, p. 149): “Na virada do século [XIX para o XX], o sistema escolar do Rio de Janeiro contava com diversos professores, administradores e diretores de escola de cor”. Fato explicável, pois, até então, não era exigido aos professores um diploma formal. Dada a falta de profissionais especializados,

aqueles que conseguiam alcançar um grau mais elevado de estudo encontravam-se qualificados para lecionar, principalmente no ensino elementar.

Com a reforma do ensino empreendida pelo Ministério da Educação e Saúde, este fato muda completamente. Agora havia um cuidado muito sistemático na escolha dos professores. Deles era exigido o diploma da Escola Normal, o que em si era pré-requisito quase inacessível para os negros pobres, pois, após as reformas do sistema de ensino, um verdadeiro batalhão de testes era realizado nos candidatos a vaga para a Escola Normal Superior, o que fazia com que poucos candidatos fossem aceitos.

Ao analisar fotografias oficiais das escolas do Rio de Janeiro na década de 1920, Dávila (2006, p. 151) conclui que cerca de 15% dos professores eram de cor. Já na análise das fotografias de 1930, este número cai para 2%. Ainda assim, eram professores de pele mais clara “mulatos de pele clara”, nos dizeres do autor. Muito embora o número de professoras brancas fosse muito expressivo, era possível encontrar “professores de cor”, que participavam principalmente da instrução vocacional e da administração escolar. “Outras fotografias mostram diretores de cor, inclusive o diretor da escola normal do Rio de Janeiro”. Outro fator analisado por este autor foi a idade dos docentes negros, que também foi modificada. Os que ainda persistiam na docência, nos anos de 1930, eram mais velhos do que aqueles encontrados na década de 1920, fato que nos possibilita perceber que, provavelmente, os negros interessados na docência não conseguiam mais entrar nesta carreira. Os que ainda estavam nela eram aqueles poucos que persistiram (muito provavelmente por conseguirem se adaptar às reformas) desde a década de 1920.

Para as crianças brancas, o modelo era o das professoras brancas da elite, para as crianças ditas “rebeldes”, de pouca capacidade intelectual, ou seja, as crianças negras, o modelo eram os professores vocacionais. Novamente a polarização negro = trabalho serviçal e branco = trabalho intelectual, era representada no sistema de ensino público.

No que diz respeito à profissionalização da docência. Segundo Dávila (2006, p. 148) “O quadro imaginado de professores – com efeito, o moderno quadro de professores que os reformadores educacionais criaram – era branco, feminino e de classe média”. Formaram assim uma identidade para a docência na qual era praticamente vetada a entrada de negros ou negras. Nesse sentido é exemplar o depoimento de um militante da Frente Negra Pelotense, citado por Dávila (2006, p. 160):

Muitas jovens ethiopes, que se diplomavam educadoras, lutam para conseguir lecionar e tem que o fazer particularmente, na impossibilidade de trabalhar para o Estado. A maioria desiste, vendo os exemplos dolorosos, e vão para a costura, condição máxima que pode desejar a mulher que possui as ‘consideradas’ características da descendência africana.

Por este depoimento, podemos visualizar a situação dos negros que, com muito custo, conseguiam se educar e partiam para um lugar no mercado de trabalho que valorizasse seu nível de conhecimento.