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3.1 Algumas categorias da teoria sócio-histórica

3.1.1 Historicidade

De acordo com os postulados da Psicologia Sócio-Histórica, a análise dos fenômenos psicológicos exige que se considere a vida do sujeito em um determinado tempo e lugar, com suas respectivas necessidades. É a categoria historicidade que responde por esses fatores.

Vygotski atribuiu grande importância à história em sua teoria. Até então, as outras abordagens psicológicas não consideravam a história na concepção do desenvolvimento humano, justamente por acreditarem em um desenvolvimento humano especificamente determinado pelas condições do meio ou por características basicamente inatas. Em contrapartida, em todas as suas obras, Vygotski (2000, p. 40) chamou a atenção “ao coletivo dos homens, para não deixar a história escapar-lhes das mãos”.

Segundo o filósofo, as gerações precedentes são responsáveis pelo mundo dos objetos e fenômenos que uma nova geração vivenciará. Como exemplo, podem ser citadas as explicações dos professores quanto ao comportamento dos alunos. Em seus discursos, eles normalmente remetem ao passado a fim de comparar e ou ter um parâmetro, o que demonstra que o fenômeno da indisciplina não pode ser entendido como uma questão da experiência individual ou como apenas consequência das condições do meio. Ao contrário, a indisciplina tem uma história de constituição também oriunda das relações institucionais precedentes. Leontiev explica a importância do processo histórico na aquisição do saber:

Está fora de questão que a experiência individual do homem, por mais rica que seja, baste para produzir a formação de um pensamento lógico ou matemático abstrato e sistemas conceituais correspondentes. Seria preciso não uma vida, mas mil. De fato, o mesmo pensamento e o saber de uma geração formam-se a partir da apropriação dos resultados da atividade cognitiva das gerações precedentes. (LEONTIEV, 2004, p. 284).

De acordo com Kosik (2011), a concepção de história baseia-se em duas premissas fundamentais: a primeira é que a história é criação do homem; e a segunda, dependente da primeira, é que esse processo de criação é contínuo. Ao produzir a história, o homem não começa do princípio, ele precisa apropriar-se do trabalho e dos resultados conquistados das gerações precedentes porque, “se a humanidade começasse sempre do princípio e se toda ação fosse destituída de pressupostos, a humanidade não avançaria um passo e a sua existência se escoaria no círculo da periódica repetição de um início absoluto e de um fim absoluto” (KOSIK, 2011, p. 238).

Vygotski considera que existem duas linhas de desenvolvimento psicológico humano: a natural, que dá sequência ao desenvolvimento filogenético do homem, e a cultural, que resulta da história social da espécie. A presença da perspectiva histórica no desenvolvimento humano se dá por meio de duas dimensões: (i) pela própria história do indivíduo, que é representada e concretizada nos instrumentos culturais; (ii) pela forma de investigar os fenômenos psicológicos em suas inter-relações com a história da sociedade. Além do estudo de sua conduta, para entender o homem é preciso compreender que o fenômeno psicológico é sempre cultural e histórico, de modo que é necessário sempre questionar como a cultura afeta o sujeito ao longo de sua vida (VYGOTSKI, 1989).

Segundo Pino (2005), ao dominar a natureza e satisfazer suas necessidades, o homem vai complexificando-se e refinando seu modo de agir no mundo, por meio de uma dupla linha de desenvolvimento:

Dessa dupla linha de desenvolvimento seguem-se duas séries de funções no Homem: as elementares (biológicas), regidas pelas leis da evolução, e as superiores (culturais), regidas pelas leis da história. A história do desenvolvimento humano é a passagem do nível natural da espécie homo para o nível cultural, humano; passagem do plano da natureza, ordem natural, para o plano da cultura, ordem simbólica, mediante a transformação das funções naturais pelas funções culturais, mas sem reduzir uma a outras. (PINO, 2005, p. 5, grifo do autor).

Quando a espécie humana consegue desenvolver novas capacidades que lhe permitem transformar a natureza por meio do trabalho e criar as condições necessárias para viver no meio social, ocorre a evolução da espécie, que, embora seja um movimento de ruptura, não

cessa o processo evolutivo, mas propicia ao homem ser o encarregado de seu próprio desenvolvimento.

A história do homem é a história dessa transformação, a qual traduz a passagem da ordem da natureza à ordem da cultura. Ao colocar a questão da relação entre funções elementares ou biológicas e funções superiores ou culturais, Vygotski não está seguindo, como o fazem outros autores, a via do dualismo. Muito pelo contrário, ele está propondo a via da sua superação. As funções biológicas não desaparecem com a emergência das culturais, mas adquirem uma nova forma de existência: elas são incorporadas na história humana. (PINO, 2000, p. 51, grifos do autor).

Para Vygotski (1995), quando se compreendem os processos psicológicos humanos superiores, pode-se entender os processos psicológicos mais elementares. Da complexa e ambígua relação entre os processos psicológicos elementares e superiores constitui-se a base para as novas formações psíquicas. Na perspectiva histórica e dialética, o estudo do objeto deve ser um processo que supera as características do objeto em si, buscando a origem de determinada função psíquica, desde o surgimento até seu desaparecimento.

As funções elementares que chamamos em qualquer sistema de conduta e que são restos de outras funções similares, mas mais desenvolvidas em outros sistemas psicológicos mais remotos, são uma prova viva da origem destes sistemas superiores e de sua vinculação histórica com camadas mais antigas no desenvolvimento da conduta. (VYGOTSKI, 1995, p. 65-66).

No que tange à indisciplina escolar, pode-se considerar que também ela acompanha as mudanças históricas vivenciadas pelas instituições de ensino. Dessa maneira, é importante contextualizá-la, descrevendo e explicando como se dá a educação superior privada no Brasil. É necessário analisar as condições históricas que determinaram os sentidos e significados atribuídos à indisciplina pelos docentes e discentes nesse contexto. É por meio da historicidade que se pode compreender o movimento do sujeito, o encadeamento de suas relações e as modificações presentes na realidade, pois “o homem cria a história e vive já na história há muito tempo antes de conhecer a si mesmo como ser histórico” (KOSIK, 2011, p. 210).