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Núcleo de significação “A educação superior para o aluno”

5.2 Núcleos de significação do grupo focal dos alunos

5.2.1 Núcleo de significação “A educação superior para o aluno”

“Quando a gente começa a estudar, a visão começou a mudar, né? Ao invés de olhar reto, eu comecei a olhar como um todo.” (Lucas)

A maioria dos alunos que participaram do grupo focal trabalha e contribui financeiramente para o sustento da família, de modo que já se encontram inseridos no mercado de trabalho. Os estudantes consideram o curso superior como um sonho a ser conquistado. Dessa maneira, este núcleo informa o que significa para o aluno estar na universidade e as variações que fazem parte dessa busca por formação profissional superior. Observem-se as declarações sobre o significado de frequentar um curso superior para os alunos:

Maria Antônia: trabalhoso, mas prazeroso. Eu sempre quis cursar o nível superior. Pra chegar aqui, foi uma batalha grande, porque pra se manter não é fácil. Você tem que conciliar casa, trabalho, filho... Mas é muito prazeroso [...].

Lucas: eu fiquei 20 anos sem estudar... É como ela falou: um prazer muito grande.

Patrícia: [...] Aí, eu fiz um curso técnico de enfermagem e não consegui ingressar na área. Depois, eu fui fazer faculdade de Recursos Humanos e eu também não consegui ingressar na área. [...]. Então, por eu ter passado por esses outros cursos e não ter me realizado, foi muito frustrante. Então, terminar essa faculdade de Letras, pra mim, é um desafio muito grande, porque eu quero um sucesso profissional.

O uso do termo “batalha” é uma forte marca do significado do curso superior para a maioria dos alunos de instituições particulares. Esses alunos têm, diariamente, uma jornada tripla de afazeres: fazer-se presente na família, trabalhar e estudar na faculdade, em geral realizada à noite, depois do trabalho. Apesar de se sentirem satisfeitos – pois o sonho do diploma começa a adquirir concretude –, esses alunos sabem e vivenciam as dificuldades de voltar a estudar depois de alguns anos afastados da vida acadêmica. Não é fácil. E, muitas vezes, ao retornar, o aluno não acerta de primeira, não se identificando com o curso escolhido. Esse perfil de aluno, de acordo com Sampaio (2007), faz parte da nova configuração que a educação superior tem vivenciado com a expansão do setor privado. Nesse novo cenário, a diversidade de alunos que têm entrado nas faculdades supera a simples e ultrapassada diferenciação do corpo discente feita com base apenas nas condições socioeconômicas.

Antes da “batalha” para estar em uma universidade, existem os motivos que levaram os alunos a buscar uma formação superior. Embora Vasconcellos (2009) afirme que o diploma de nível superior tem perdido o valor, já que existem inúmeras pessoas formadas e desempregadas ou mal remuneradas, para muitos estudantes, especialmente os das instituições particulares, conseguir concluir um curso superior ainda é um sonho:

Luzia: Sempre foi um sonho meu o de fazer faculdade. Mas só que eu fiz tudo errado na minha vida. Eu comecei com 15 anos, eu tive a minha filha e parei de estudar. Depois, casei. Eu fiquei muitos anos fora da escola. Terminei o ensino médio em 2008, mas com vontade de fazer. Eu nunca tive o apoio da minha família, porque pra estudar na minha casa, o necessário era o ensino médio e não mais que isso [...].

Marina: [...] eu, também, sempre tive um sonho e o meu sonho sempre foi ser professora. Poderia vir qualquer outra coisa pra eu fazer, mas eu não queria. Eu queria só se fosse isso: se não fosse isso, eu iria ficar em casa. [...] Quando eu comecei, eu pensei que eu não ia conseguir continuar pagando. Só que era um sonho! Eu corri atrás e, hoje, eu faço pelo Fies. Eu estou

realizadíssima [...]! É um sentido, como disse o Lucas, é uma abertura de horizontes. Problemas, todo mundo tem, mas o dia que eu levanto às cinco horas da manhã pra vir pra faculdade, tudo melhora!

Josefa: Era um sonho fazer uma faculdade. Porém, quando saí do ensino médio, com 17 anos, eu tive que trabalhar pra ajudar os meus pais. Eu não consegui. Então, foi bem conturbado... Eu casei e, depois, eu tive filhos. O meu marido não deixava, porque ele achava que, se eu fosse vir pra faculdade, eu ia acabar largando ele. Aí, depois de tanto eu conversar com ele, ele falou: não, eu vou deixar. (Começou a chorar).

Quando os alunos referiram-se ao sonho de estar matriculados na faculdade, uma delas chegou a chorar de tão emocionada por estar conseguindo realizá-lo. Os relatos acima mostram as dificuldades que muitos alunos enfrentam para chegar à universidade. Esses alunos têm de superar barreiras sociais que dificultam o ingresso e a permanência na vida acadêmica. Talvez por essa razão, tais impasses parecem motivá-los a buscar uma formação profissional que transforme suas vidas. Quando falam da importância do estudo, transparece nos discursos dos alunos a certeza quanto a essa transformação pela educação:

Lucas: quando a gente começa a estudar, a visão começa a mudar, né? Ao invés de olhar reto, eu comecei a olhar como um todo. A visão reta é quando você fica acomodado nisso, na sua vidinha. Quando você começa a estudar, você começa a perceber coisas diferentes. Aí, muda tudo: a sua cabeça, muda o seu trabalho, muda a sua família, o seu jeito de se comportar, muda tudo!

João: [...] eu fiz a EJA. Eu tinha parado no segundo ano do ensino médio. E comecei a estudar na EJA, mesmo. Eu comecei a abrir a minha visão, a minha mente, né? Eu terminei e falei: eu não vou parar por aqui. Eu vou fazer uma faculdade, porque a nossa visão vai crescendo, vai abrindo um leque e o nosso íntimo pede que a gente estude mais.

Lucas: quando eu comecei a estudar, eu tive que conciliar o que eu aprendo aqui com o que eu faço no meu dia a dia. Está me ajudando bastante, porque eu estou me desenvolvendo na empresa.

Ao afirmarem que o retorno aos estudos lhes propiciou uma abertura no modo de entender o mundo a sua volta, os alunos indicam que deixar de olhar reto muda a postura, permite sair da acomodação e alcançar a percepção de um novo mundo. De acordo com Vygotski (1989), a fossilização dos comportamentos constitui-se a partir de processos psíquicos mecanizados e automatizados, embora contem, em sua origem, com processos vivos e em movimento. É a esse “despertar” para um novo mundo e uma nova vida que o aluno parece fazer menção quando relata que deixou “de olhar reto”, ou, em outras palavras, de conformar-se com o que está posto. De fato, a partir da abertura proporcionada pelo

conhecimento, eles começam a perceber que a realidade tem movimento, que é dinâmica e “aí, muda tudo: a sua cabeça, muda o seu trabalho, muda a sua família, o seu jeito de se comportar, muda tudo”!

A importância do estudo também faz parte de uma exigência do mercado. O aluno João relacionou a aquisição de conhecimento à possibilidade de melhoria no salário, pois, para ele, “[...] o mercado exige que a gente tenha um pouco mais de conhecimento pra poder alcançar um salário mais digno e melhor, né?”. Juntamente com o prazer de estar na universidade e de perceber as transformações que o conhecimento proporciona, vem, também, a preocupação em conseguir acompanhar a rotina acadêmica necessária para a formação profissional e para a aquisição do diploma, tal como se depreende dos seguintes depoimentos:

Josefa: aí, eu entrei e falei: nossa, eu não vou conseguir! Eu falei pro meu professor: eu vou trancar a matrícula. [...] Eu chegava em casa e tinha os meus filhos, ajudar eles a fazer lição, a fazer um monte de coisas. Eu também parei de trabalhar e, financeiramente, não estava dando pra mim pagar. E aí, na hora que eu me vi ali, entre aquelas provas, aquelas matérias, eu não sabia nem como lidar com aquilo!

Patrícia: [...] é difícil encarar prova, textos, com tanto tempo afastada.

Quebras de rotinas são sempre difíceis, justamente porque quebram hábitos. Se encarar uma nova rotina não é fácil, entrar na acadêmica, com trabalhos, textos e provas, é uma tarefa quase impossível para os alunos que têm tripla jornada e não têm o tempo a seu favor, porque já passaram muitos anos afastados dos estudos. Assim, é necessário ensinar o aluno a estudar, a organizar-se diante das disciplinas e dos horários e, inclusive, a lidar com textos e trabalhos. Ao apresentar o plano da disciplina, é importante explicar que, assim como o professor precisa de um instrumento de planejamento para organizar sua ação, o aluno, igualmente, precisa aprender a organizar-se e a planejar-se para ser bem-sucedido nas demandas da vida acadêmica. De acordo com Menegolla e Sant’Anna (2003), um dos critérios para a formulação de um bom plano de ensino é construí-lo com base na realidade concreta na qual professores e alunos estão inseridos. Logo, é possível afirmar que a condição do aluno trabalhador e também o tempo em que esteve afastado dos estudos devem ser considerados nas estratégias de ensino a serem utilizadas no decorrer das aulas.

O aluno sente-se mais seguro ao perceber que o professor não só está ciente das condições vividas por ele – jornada dupla ou tripla, retorno aos estudos depois de um longo afastamento –, como também considera esses aspectos no processo de ensino. Ademais, nem todos os alunos usufruem das políticas públicas que ajudam no financiamento do curso, razão

pela qual precisam trabalhar para custear seus estudos. É com vistas a esse panorama que Souza, Petró e Gessinger (2012) explicam a evasão na educação superior, justamente pela falta de condições financeiras e pelas dificuldades enfrentadas no processo de aprendizagem. Outra causa da evasão reside na decepção dos alunos quando percebem que a universidade, na realidade, é muito diferente do que imaginavam. Alguns alunos do grupo focal declararam que se assustaram ao ingressarem na universidade. Estas são algumas das causas apontadas para essa surpresa:

Luzia: [eu pensava] que seriam alunos com vontade de aprender. Aquela sala quietinha, em que o professor consegue explicar, consegue dar aula [...]. Maria Antônia: eu acho que o que eu estranhei foi [que] são todos adultos, não tem nenhum adolescente, não tem criança de quinta série que está ali pra brincar, pra correr. Eu acho que o comportamento dos alunos é um comportamento infantilizado.

Josefa: quando eu entrei na universidade, eu achei que, por se tratar de adultos, seria totalmente diferente. Eu tinha uma ideia totalmente diferente. Eu tomei um susto!

Desse modo, é necessário que esse novo perfil de aluno seja pensado pelas IES e incorporado aos planos e às metas a serem atingidos. Efetivamente, sem considerar tais características do alunado, o fenômeno da evasão na educação superior dificilmente será superado. Historicamente, a educação superior sempre teve um caráter elitista. Durante muitas décadas, esse tipo de ensino era destinado a poucos, justamente pela falta de vagas (FÁVERO, 2006; SAMPAIO, 2000). Para muitos alunos de hoje, esse caráter elitista ainda continua, mas com outras nuances. O problema não radica mais nas dificuldades de acesso, mas na necessidade de assegurar condições de permanência, investindo no próprio processo de formação. Daí o fato de que chegar ao ensino superior é, para muitos alunos, um sonho.

Nesse grupo focal, reuniram-se alunos que tenderam a atribuir um sentido perfeito à educação superior, a ponto de considerá-la imune aos problemas vividos na educação básica. Nessa perspectiva, não caberiam salas com barulho, conversas de alunos, queixas de professor e adultos com comportamento infantilizado. De acordo com Pimenta e Anastasiou (2002/2005), assim como o professor tem dificuldades em lidar com a heterogeneidade dos alunos, estes últimos parecem também não aceitar as condutas de seus colegas, justamente porque, para eles, os alunos são agora adultos e devem se comportar como tal.