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CAPÍTULO 5 A PESQUISA NA ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

5.1 Análise dos momentos e documentos: registros coletivos dos processos

5.1.2 Horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC)

Um momento muito importante para a construção de conhecimentos e estudos são as reuniões de HTPC que ocorrem na escola às segundas-feiras, no período matutino para os professores que trabalham no período vespertino, e vice-versa. Os professores que possuem uma jornada de trabalho incompatível para com o horário da HTPC de segunda-feira, fazem esse momento pedagógico no período noturno das quartas-feiras. Uma vez ao mês, todos os professores se reúnem em uma HTPC coletiva, denominada de HTPC mensal, no período noturno das quartas feiras.

De acordo com o Estatuto do Magistério, Lei no. 79/99, o professor que trabalha na Educação Infantil usufrui de uma jornada de 28 horas semanais, das quais 20 horas se destinam a atuação em sala de aula, 4 horas de hora atividade (H.A.), realizada em local de livre escolha e 4 horas de HTPC. As HTPC’s são organizadas seguindo as diretrizes da SEDUC

Um dos princípios básicos da HTPC (Hora de Trabalho pedagógico Coletivo) é o de que o professor constrói o seu conhecimento na interação com o outro, num movimento de confronto das diferentes práticas e leituras do real. O professor, considerado na sua totalidade – cognitiva, afetiva e social irá, através do desenvolvimento de seu trabalho e da reflexão compartilhada, exercitando o fazer o pensar e o teorizar. Isto significa que todo educador faz teoria e prática. O que ocorre é que muitas vezes o educador não tem claro que subjacente à sua prática existe uma teoria. (CRITÉRIOS PARA A REALIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DAS HTPC, 2001, p. 1)

Nessa unidade, as HTPC são divididas em horas de estudo e horas de preparação de material em grupo e/ou individual. As horas de estudo são divididas em momentos de apresentação da pauta, dos avisos gerais e do estudo. Todo esse processo se desenvolve sob a tutela da orientadora pedagógica. Os avisos, em sua maioria, tratam do setor administrativo da escola e/ou documentos que são enviados pela SEDUC, que necessitam se tornar conhecidos pelo grupo.

O estudo é realizado com base em avaliações anteriores. Os temas são selecionados a partir de necessidades relacionadas à prática pedagógica, como: indisciplina, fases da escrita, matemática na Educação Infantil e Ensino Fundamental etc. Nesse cenário, há um espaço reservado aos professores para que solicitem uma ênfase maior a temas que emergem no cenário pedagógico, de que é exemplo o Ensino Fundamental de nove anos.

De modo geral, são pequenos textos, pesquisados pela orientadora, lidos no grupo e comentados por todos. Os comentários buscam fazer uma ligação com a realidade da escola e a de sua clientela. O grupo apresenta alguns professores que sempre se pronunciam e outros que se omitem, apenas observam. Esse fato pode se dar, segundo Tardif (2002, p. 99), porque alguns professores com mais tempo de serviço “possuem um domínio progressivo das situações de trabalho. Esse domínio abrange os aspectos didáticos e pedagógicos, o ambiente da organização escolar e as relações com os pares e com outros atores educativos”.

A orientadora se mostra incomodada com a postura desses professores, e em conversa informal nos relata “eu nunca sei o que eles estão pensando”.

Isso demonstra também que alguns professores não se sentem seguros para compartilhar suas dúvidas, dificuldades e certezas. Percebe-se que essa não é uma realidade exclusiva dessa escola. Ao perpassarmos por várias escolas a realidade delas é, senão idêntica, em sua maioria muito mais grave.

Esse fato se dá em parte pela insegurança de se exporem e explicitarem suas fragilidades. Acreditam que devem dominar todos os saberes. Afinal, são professores. Tal sentimento é agravado pela possibilidade de serem avaliados por seus gestores e por seus iguais.

Em um ambiente dessa natureza, torna-se tarefa árdua nas HTPC’s ser instaurado e compartilhado um ambiente de segurança, de solidariedade, de solicitude, de relações afetuosas, entre outras. Vale dizer que se faz necessária ao corpo docente a troca de pontos de vista a respeito dos aspectos latentes à profissão docente.

Sabe-se que os professores vão se constituindo enquanto profissionais durante o exercício da profissão docente, portanto, ao longo desses anos podem vir a adquirir maior segurança, principalmente no que diz respeito ao que sabem ou não. Isso pudemos verificar nessas HTPC, os professores que se colocam abertamente são aqueles que já possuem maior tempo de serviço, em média de dez a vinte anos. Alguns já

passaram por outros cargos, como o de orientador pedagógico e formador de professores em outras instituições. Esses professores contribuem muito com o grupo na formação de seus pares porque possuem experiências ricas e uma linguagem muito próxima, o que facilita o entendimento. Nesse sentido, Tardif (2002, p. 84) afirma: “A análise e a reflexão sobre a prática profissional que se realiza constitui um valor e um elemento básico para a profissionalidade dos professores”.

Como já citado, os professores possuem um momento individual com a orientadora pedagógica agendada antecipadamente. Nesse encontro, o professor é solicitado a levar o caderno de um aluno que se destaca com melhor rendimento e um com rendimento abaixo da média; o caderno de planejamento; o caderno de registro e o plano anual. Nesse, a orientadora pedagógica apresenta a tabulação das avaliações da sala em questão e faz uma comparação do avanço das crianças de bimestre em relação ao subseqüente.

Com base nesses documentos, a orientadora pedagógica vai fazendo a sua análise a respeito do trabalho que a professora/or realiza de modo a apontar caminhos, limites e possibilidades. Nessa perspectiva, oferece material de apoio para o estudo e sugestões de atividades que venham ao encontro do nível de desenvolvimento em que se encontram as crianças.

O que salta aos olhos é a capacidade da orientadora de conhecer todos os alunos da escola, de modo a relacioná-los à suas famílias, principalmente os que apresentam dificuldades de aprendizagem e/ou problemas comportamentais.

Vários fatores colaboram para que ela conheça a sua realidade escolar, apontaremos alguns a título de exemplo. O primeiro, é o fato de estar na unidade escolar há oito anos como orientadora pedagógica. O segundo, é o compromisso dessa profissional com a escola, os alunos, os professores e com as famílias atendidas. O terceiro, e não menos importante, é a sua competência. É extremamente organizada, de modo a registrar todas as ocorrências da escola. Possui uma ampla visão do trabalho realizado pelos professores e alunos. Preocupa-se com a organização de cada fase do trabalho realizado pela escola, desde as entrevistas realizadas com as famílias até as aplicações das avaliações com os alunos durante o ano letivo.

No caso das entrevistas, faz questão de reiterar a importância desse momento aos professores, para que se possibilite uma aproximação maior entre a escola e as famílias, de forma a se viabilizar cumplicidade e parceria com elas.

Nas avaliações, participa de todas as etapas, do levantamento dos critérios de avaliação e da organização das atividades. Para o registro dessas avaliações possui um caderno onde anota, sala por sala, o nome da cada aluno e um perfil de seu desenvolvimento, tanto as dificuldades como os avanços. Nesse mesmo processo, isto é, por meio de tais dados, faz uma avaliação do trabalho de cada professor.

Todos esses dados são tabulados por ela e são apresentados nas reuniões pedagógicas e administrativas de cada bimestre. Esse material é muito rico para as análises do grupo a respeito do trabalho que estão realizando e na busca da construção de uma prática mais efetiva que leve a qualidade da educação de todos os alunos. São dados que possibilitam a construção de conhecimento por parte do grupo de professores e da própria orientadora pedagógica.

Todo esse envolvimento requer muito trabalho e muitas habilidades por parte da orientadora, ou seja, requer uma competência profissional extrema. Poder- se-ia perguntar: mas tudo isso não é tarefa dela, enquanto profissional do ensino que esta em um cargo de orientação pedagógica de uma escola? Sim, mas todos que estão envolvidos com educação e conhecem um pouco da realidade escolar sabem que nem sempre isso acontece de fato.

O instrumento de avaliação do desenvolvimento das crianças, nos moldes como está hoje, foi uma sugestão da orientadora que pouco a pouco foi sendo aceita pelo grupo nesses oito anos de trabalho e foi sofrendo modificações, ou seja, foi sendo construída e reconstruída pelo grupo. O que a orientadora não abre mão é que sejam realizadas durante o ano letivo cinco momentos avaliativos: o primeiro é a sondagem inicial, e depois a do primeiro bimestre, a do segundo bimestre, a do terceiro bimestre e a do quarto bimestre.

A avaliação inicial e/ou sondagem inicial consta de atividades avaliativas de construção da escrita, conservação do número, desenho, socialização na sala e desenvolvimento motor, para a Educação Infantil e atividades avaliativas de todas as disciplinas do Ensino Fundamental, mas o foco principal é o desenvolvimento da escrita, interpretação de textos e noções matemáticas.

Os demais bimestres constam de atividades avaliativas a respeito de todas as disciplinas, socialização e comportamento na sala de aula. São aplicadas as atividades no decorrer das aulas, num período estabelecido, mas sem as chamadas semanas de provas, como acontecem em algumas redes de ensino. As atividades avaliativas são organizadas dentro de um tema estabelecido pelo grupo de professores,

que pode ser um tema para toda a escola e/ou um tema para professores de uma mesma série ou ainda um tema de trabalho na sala de aula de determinado professor. Esse é um tema gerador, que busca contextualizar os trabalhos.

Também podem ser aplicadas avaliações com materiais concretos, como na Educação Infantil, por exemplo, na conservação do número, com barrinhas de cuisenaire, blocos lógicos, massinha, entre outros. Nesse caso, os professores organizam fichas para anotarem os procedimentos dos alunos revelando assim a fase do desenvolvimento da conservação do número em que estão.

Cada professor possui uma pasta registro do desenvolvimento de sua sala de acordo com as avaliações aplicadas e/ou observadas. Com base nesses materiais e na observação de seus alunos, os professores preenchem o caderno de registro da sala, com registros individuais a respeito de cada aluno e a respectiva ficha de acompanhamento escolar de cada aluno sistematizada pela SEDUC.

Todo esse trabalho é muito importante para saber exatamente em que fase do desenvolvimento encontra-se cada aluno. Baseada nesses materiais de registro, a orientadora pedagógica elabora a sua visão do desenvolvimento de cada sala de aula, de cada grupo de séries, e da escola como um todo.

Nesse sentido, acreditamos que a escola construiu instrumentos de avaliação e registros a respeito de seus alunos muito importantes para o investimento em seu ensino e aprendizagem. Com base na análise desses dados, é possível mapear as principais dificuldades dos alunos e assim reorganizar o processo de ensino e aprendizagem para que se consiga um resultado melhor, ou seja, o desenvolvimento global e holístico da criança. Para atingir uma das metas do Projeto Político Pedagógico, isto é, o de “Melhorar os níveis de aprendizagem e rendimento escolar dos alunos”, o professor tem em suas mãos dados concretos do resultado do trabalho que está realizando. Nesse processo, é amparado pela análise da orientadora pedagógica para retomar o seu planejamento e incluir ou excluir materiais, procedimentos e materiais que possam vir a acelerar o desenvolvimento desses alunos. Esse é um ponto chave na construção de conhecimentos por parte desse grupo.

Todavia, há na escola algumas críticas em relação ao trabalho da orientadora pedagógica. Alguns professores acreditam que ela multiplica os documentos burocráticos a serem realizados por eles, de modo restar pouco tempo para eles se dedicarem ao processo de intervenção pedagógica. O que percebemos é que esses

documentos fazem parte das diretrizes da Secretaria Municipal de Educação (SEDUC) e que, portanto a orientadora pedagógica é cobrada em relação a sua execução.

Os referenciais de análise para a Educação Infantil empregados pela escola não contemplam os conteúdos específicos desse momento da vida da criança, ou seja, fala-se muito sobre desenvolvimento global, mas o que se vê são ações direcionadas ao encontro dos conteúdos de basicamente duas disciplinas – Português e Matemática; os gráficos de desenvolvimento das crianças apresentados nas reuniões, até mesmo para o maternal, quando existia na unidade de ensino, focam apenas as fases da escrita, onde ficam as noções de seriação, conservação, ordenação, socialização, etc.?

Outra crítica de alguns professores do Ensino Fundamental é o fato de as salas serem compostas de forma homogênea, ou seja, todos os maus comportamentos e dificuldades de aprendizagem são aglutinados numa mesma sala, de modo a dificultar e até mesmo inviabilizar o trabalho do professor e a aprendizagem dos alunos.

São encontros e desencontros que ainda precisam ser vencidos e resolvidos pelo grupo. Mas, o que podemos destacar, como aponta Tardif (2002, p. 111), é que esse trabalho traz características que esboçam uma

[...] “epistemologia da prática docente” que tem pouca coisa a ver com os modelos dominantes do conhecimento inspirados na técnica, na ciência positiva e nas formas dominantes de trabalho material. Essa epistemologia corresponde, assim acreditamos, à de um trabalho que tem como objetivo o ser humano e cujo processo de realização é fundamentalmente interativo, chamado assim o trabalhador a apresentar-se ‘pessoalmente’ com tudo o que ele é, com sua história e sua personalidade, seus recursos e seus limites. (grifos do autor)

Sabemos, contudo, que nem todos os professores da escola conseguem enxergar nesse trabalho, essa possibilidade de crescimento e organização do ensino e da aprendizagem de seus alunos de uma maneira diferente

Alguns têm boa vontade, mas outros não renovam sua pratica, não se atualizam. Às vezes, o professor não quer mudar, acomoda-se na sua maneira de trabalhar, mesmo sofrendo com a indisciplina, com a dificuldade de aprendizagem dos alunos e não percebe que esses problemas estão relacionados à sua pratica, não percebe que é necessário que haja uma mudança. O professor quer que os alunos se adaptem a ele, mas ele mesmo não percebe que precisa mudar para atender a diversidade que existe, porque a escola mudou muito de cerca de dez anos para cá. (Gestor 1)

Essa é uma problemática que atinge muitos professores, não apenas nessa escola. Para que o professor mude sua prática é preciso muito mais. É preciso que ele realmente queira mudar, para que a partir daí se deixe formar pelo outro, seja ele o orientador pedagógico, seus próprios colegas de trabalho ou os cursos de formação. Como nos aponta Sacristán (2002, p. 86),

[...] devemos dar bastante importância aos motivos de ação o professorado, pois temos educado as mentes, mas não o desejo, não educamos a vontade. [...] para educar é preciso que se tenha um motivo, um projeto, uma ideologia. Isso não é ciência, isso é vontade, é querer fazer, querer transformar. E querer transformar implica ser modelado por um projeto ideológico, por um projeto de emancipação social, pessoal, etc.

O que pudemos destacar do momento de HTPC é que se constitui em um espaço rico para a reflexão conjunta sobre a prática docente nessa unidade escolar e que todos, cada qual a sua maneira estão construindo conhecimento, às vezes compartilhado, outras não, mas o que não se pode negar é a importância desse momento para a formação continuada desses profissionais do ensino.

Basta agora, como afirma Libâneo (2002, p. 76), “construir estratégias, procedimentos, modos de fazer, além de uma sólida cultura geral, que ajudam a melhor realizar o trabalho e melhorar a capacidade reflexiva sobre o que e como mudar”.

Uma boa estratégia é a organização de reuniões de planejamento e avaliação, com a participação de todos os funcionários da escola.