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Em relação ao fenômeno phi, a equipe de Steinman argumenta que certo número de pesquisadores da neuroanatomia trabalha atualmente com a hipótese de que as informações visuais são processadas através de duas vias anatomicamente separadas, originadas na região V1 do cérebro. Uma processa cor e forma, e outra, posição e movimento. Uma vez observado que somente a via do movimento processa mudanças de posição em alta velocidade, essa talvez poderia ser a

explicação para o movimento aparente puro, sem cor ou forma, o que desencadeou outros tantos questionamentos: por exemplo, como se explicaria o fenômeno do phi colorido.

No nível da cognição, a segunda linha de raciocínio proposta pela equipe de Steinman sobre o fenômeno phi baseia-se no pressuposto de Poggio, Torre e Koch (apud STEINMAN, 2000) de que a tarefa principal de nosso sistema visual é a dedução. Como não recebemos informações totalmente completas dos estímulos à nossa volta, sempre haverá mais de uma interpretação, e por isso precisamos deduzir qual é a mais adequada com base em princípios de simplicidade, probabilidade e semelhança. A equipe de Steinman demonstra essa hipótese com dois exemplos que ilustram um movimento de oclusão a partir de uma figura de fundo. Faz então uma analogia com o movimento phi, sugerindo-o como puro movimento ilusório de oclusão, diferindo apenas pelo fato de não ter forma.

A linha cognitiva proposta por Steinman parece seguir em consonância com os últimos trabalhos desenvolvidos por Hugo Münsterberg, citados por Anderson e Fisher (1993). Münsterberg foi um dos poucos teóricos do cinema a observar mais de perto as pesquisas em andamento sobre a percepção do movimento. Em seu livro The Photoplay: a Psychological Study (2005), coloca que parecia haver certo consenso entre os pesquisadores da época de que as pós-imagens seriam as responsáveis pelo fato de não observarmos nenhuma interrupção na exibição sequencial uniforme de 16 imagens ou mais a cada segundo, enquanto o movimento em si era simplesmente o resultado do passar de uma posição a outra. Porém, aos poucos, esses mesmos pesquisadores deram-se conta de que essa explicação era simples demais para a complexidade do que percebemos como movimento.

It is not necessary to go further into details in order to demonstrate that the apparent movement is in no way the mere result of an afterimage and that the impression of motion is surely more than the mere perception of successive phases of movement. The movement is in these cases not really seen from without, but is superadded, by the action of the mind, to motionless pictures.9 (MÜNSTERBER, 2005, p. 49).

9 Não é necessário se alongar em detalhes para demonstrar que o movimento aparente não é, de forma alguma, o mero resultado de uma pós-imagem, e que a impressão de movimento é, com certeza, mais do que uma mera percepção de diversas fases do movimento. O movimento é, nestes casos, não muito uma visão externa, mas um efeito especial, acionado pela mente, as imagens imóveis. (tradução minha)

Como alternativa, Münsterberg propôs um processo de plenificação, um "preenchimento" concomitante ao recebimento da sequência de estímulos, no qual nossa mente atuaria. Ciente de que essa proposta, sozinha, não configuraria exatamente uma teoria para explicar a percepção do movimento, objetivou transformá-la em uma, através de experimentos sistemáticos em seu laboratório particular. Sua meta era estabelecer a natureza de nossos processos centrais superiores, mas infelizmente faleceu antes de concluir suas pesquisas.

Estudos mais recentes também têm reforçado a rejeição ao mito da “persistência da visão” quando demonstram que não se pode caracterizar o espectador como mero observador desconectado, que apenas testemunha imagens visuais à sua frente. Nosso sistema de recepção visual tem sido constantemente redesenhado para acomodar as experiências entre o corpo, o cérebro e a mente, esta última atuante não somente sobre a percepção do movimento, mas sobre todos os nossos sentidos. Maturana e Varella (2005), por exemplo, postulam que nosso estado de atividade neural, desencadeado pelas diferentes perturbações em cada pessoa, é determinado pela nossa estrutura individual, não pelas características do agente perturbador. No caso mais específico da visão, conjecturam que não há como estabelecer uma correspondência entre a tremenda estabilidade cromática com que vemos os objetos do mundo e a luz que emana deles. Afirmam que isso é válido para todas as dimensões da experiência visual (forma, textura, movimento etc.) e também para qualquer outra modalidade perceptiva.

Tal vertente parece convergir para os estudos dos neurocientistas David Corney e Beau Lotto (2007), que examinam minuciosamente esse tipo de fenômeno com o propósito de revelar a percepção enquanto construção individual, concebida a partir de regras e convenções que o nosso cérebro impõe ao mundo que nos rodeia. Para eles, os fatores envolvidos no processo de categorização não são apenas inerentes aos próprios objetos, mas também ao seu contexto. Em comum, têm principalmente o estabelecimento do espectador como alguém atuante, dinâmico, que preenche as lacunas das imagens em movimento por meio de investimentos intelectuais e emocionais, envolvendo-se ativamente na recepção, do mesmo modo que com o mundo real ao seu redor – o espectador como cocriador, como ser que cria ao observar, cuja percepção se transforma em criação.

Zeki (1998), assim como Maturana e Varella (2005), nos alerta: há muito sobre a percepção das formas e do movimento que ainda não entendemos

fisiologicamente. Porém, ao mesmo tempo, Zeki nos diz que tal conclusão não deve nos inibir de dar atenção ao fato de que aquilo que os fisiologistas chamam de blocos de construção da forma – as linhas orientadas – são as mesmas que artistas interessados em representar os elementos constantes da forma têm utilizado; e aquilo que os fisiologistas consideram ser os blocos de construção da percepção do movimento – as células que respondem ao movimento em uma determinada direção – são os mesmos utilizados por artistas como Alexander Calder em seus móbiles (FIGURA 6).

Figura 6 - Hanging Mobile de Alexander Calder

Fonte: website Calder Foundation. Disponível em <http://calder.org>. Acessado em: 09 mar. 2015.

Zeki (1998) comenta que Jean-Paul Sartre descreveu as obras de Calder como “absolutas”, e observa que se pode estabelecer no mínimo uma similaridade superficial entre esses absolutos e os absolutos da forma, que eram praticamente uma obsessão para Mondrian e tantos outros de sua época. Postula que a busca por tais absolutos leva à abstração em sentido lato, que se refere a trabalhos em que nem o próprio ou suas partes constituintes representam qualquer objeto reconhecível no mundo visual, ou seja, a abstração não icônica, a mesma de que trata este estudo.

Zeki então se pergunta se, uma vez que nesse contexto as artes abstratas diferem radicalmente das artes representacionais, existiria uma diferença de padrão de atividade neural na observação de uma e outra. Faz apontamentos sobre os

resultados obtidos nos experimentos com a visualização de obras ligadas ao fauvismo e sua tentativa de liberar as cores de estruturas. Conclui que as pinturas abstratas em cores não precisam recrutar as áreas adicionais do cérebro que costumam ser mobilizadas quando se visualizam artes representacionais em cores, mas ao mesmo tempo compartilham muitos caminhos neurais em comum. Finaliza pressupondo que a estética, como qualquer outra atividade humana, obedece a determinadas regras, impostas pelo funcionamento de nosso cérebro. É uma convicção sua que nenhuma teoria sobre a estética pode ser considerada completa, ou ao menos profunda, se não tiver como base uma mínima compreensão do funcionamento do cérebro. Reconhece que sua abordagem pode parecer desagradável para alguns, principalmente aqueles para quem a experiência estética tem uma base opaca e assim deve permanecer. Compreende que as argumentações nesse sentido têm substância, porém coloca que devemos considerar que, pelo menos em um nível elementar, aquilo que acontece em diferentes cérebros quando vemos obras de arte é muito semelhante, razão pela qual podemos nos comunicar sobre arte e através da arte, sem a necessidade da palavra escrita ou falada. Pois a compreensão profunda do funcionamento do cérebro não irá comprometer a nossa apreciação da arte, não mais do que nossa compreensão sobre como funciona a visão dentro do cérebro irá comprometer o sentido da visão.

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