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2. O RITMO

2.2 O RITMO DO QUADRO

Atualmente, o princípio básico para colocação de uma imagem em movimento no Cinema, seja ela de que tipo for, consiste no desenvolvimento ou na captura de uma sequência de outras tantas imagens. A cada uma dessas unidades de figuração dá-se o nome de frame (quadro) cujo conteúdo é um enunciado estático do ponto de vista da Física. No entanto, quando vários desses quadros são exibidos diante de nossos olhos a determinada velocidade, temos uma sensação de fluidez cinética que nos ilude e nos faz pensar que as imagens contidas é que estão em movimento, e não o seu suporte. Essa frequência de quadros por segundo caracteriza um ritmo sem o qual a ilusão não aconteceria: o do deslocamento – ou substituição, dependendo do suporte – dos quadros em relação ao tempo. Também chamado de cadência ou frame rate, este ritmo é mensurado através de uma unidade chamada

fps (frames per second17). Pode ser considerado, por uma analogia com os animais,

o modo de “respirar” do Cinema, onde sua ausência causa a “morte”, ou seja, a ausência do movimento.

A forma como os frames são concebidos dá origem ao que considero como primeira ordem de classificação técnica das imagens em movimento, estabelecida nos termos de “filmagem real” e “animação” nas palavras do professor de Cinema Sébastien Denis (2010). Sua definição para o “real” e a “realidade” ele busca nas palavras de Anne Souriau, que o define como algo que existe efetivamente em ato, que existe em si mesmo, e não simplesmente na representação que um outro tem dele. “O real é o conjunto de tudo o que é real, tomado globalmente. A realidade é, quer a qualidade do que é real, quer o conjunto de tudo o que apresenta tal qualidade.” (SOURIAU,1990, p. 1209, apud DENIS, 2010).

Denis também nos informa que o cineasta russo Serguei M. Eisenstein utiliza o termo “Cinema natural” para definir o que não pode ser considerado como sendo animação, ao passo que boa parte dos autores em língua inglesa, como é o caso de Johnston e Thomas, utilizam o termo live action (ação viva).

Na filmagem real, tudo que se move ou se transforma através dos quadros também foi movido ou transformado no mundo em tempo real. Seja para presentificar uma bailarina dançando, uma cortina balançando, um pintor a deslizar seu pincel sobre um quadro ou uma árvore a se curvar sob uma tempestade, o processo de produção se dá através de câmeras que capturam automaticamente os acontecimentos e os transformam em imagens. O frame rate destas capturas varia na média de 24 quadros por segundo em câmeras de película, a 25 ou 30 quadros nas câmeras de vídeo analógicas, a depender do sistema utilizado (RODRIGUES 2007). Mas no mundo digital, a busca por cada vez mais instantes fugazes do mundo natural é incessante, e cientistas das universidades de Tóquio e Keio no Japão conseguiram desenvolver uma câmera capaz de registrar fenômenos tão rápidos quanto a condução do calor por um material. Segundo Veras (2014), já existe nos dias de hoje uma máquina com estas características. Batizada de STAMP (Sequentially Timed All-optical Mapping Photography), ela tem um intervalo de tempo entre a captura de cada frame de cerca de 100 femtosegundos, ou seja, menos do que um trilionésimo de segundo. É uma câmera 36 bilhões de vezes mais rápida que um iPhone 5s, cuja cadência máxima atual é de 120 FPS.

Os frames se configuram como sendo unidades fundamentais da imagem em movimento e essenciais às obras cinematográficas, mas podem ser também

identificados em outros tipos de arte e sobre suportes tão diferentes quanto antigos, como por exemplo, na arte rupestre. Entre os desenhos feitos há 12 mil anos nas cavernas de Altamira, na Espanha, há um bisão com oito patas. A maneira como as patas foram desenhadas possibilita que se indague a respeito da forma como foi desenhado, ou seja, que ao invés de documentar uma anomalia, aquela imagem revele um autor motivado em decompor a sequência de um movimento. Uma exposição feita em 2009 no sul da França propõe que as origens dos desenhos animados pode ser rastreada até muito mais longe, mais de 30.000 anos atrás. Montada pelo arqueólogo e cineasta Marc Azéma como resultado de sua tese de doutorado, argumenta através de aproximadamente 30 painéis ilustrados que os primeiros artistas das cavernas utilizavam algumas das técnicas de animação que cartunistas da atualidade também presentificam nas produções de hoje (FIGURA 7).

Figura 7 - Marc Azéma / Passé simple / le Centre de Préhistoire du Pech-Merle (Lot) / le Musée de Préhistoire d'Orgnac – Grand Site de France (Ardèche)

Fonte: website Science Magazine: Blogs & Communities , Origins, The Prehistory of Cartoons. Publicada em 29 de Julho de 2009

O mesmo pode ser observado nas pinturas paleolíticas da caverna Lascaux, onde figuram cinco cabeças de cervos em série; em inúmeros exemplares de pinturas de vasos gregos, em que figuram sequências de dançarinos; ou ainda no

vaso iraniano de 5.200 anos (FIGURA 8) que se parece muito com a configuração de um zootrópio18 (FIGURA 9).

Figura 8- Vaso Iraniano encontrado em Burnt City

Fonte: Mehr News Agency

Figura 9 - Zootrópio

Fonte: Wikimedia Commons

18 O Zootrópio é um dos vários dispositivos de animação pré-cinema que produzem a ilusão de movimento, exibindo uma sequência de desenhos ou fotografias que mostram fases progressivas do movimento.

Portanto, seja em rochas ou cerâmicas, pinturas ou vitrais, celulóides ou fitas magnéticas, existem inúmeros exemplos de frames ao longo da história da arte, tanto ocidental quanto oriental. que evidenciam o anseio do ser humano de mostrar em imagens o registro dos movimentos que percebe no mundo.

Na animação, em contraponto à filmagem real, a produção das imagens não se dá somente através da captura de imagens, e esta, quando acontece, não é em tempo real;

[...] ela é uma técnica (ou melhor, um conjunto de técnicas), e não um gênero, como tantas vezes se lê […]. Essas diferentes técnicas permitem de fato realizar filmes que pertencem a todos os gêneros (filme noir, comédia musical, burlesco, filme de terror, filme de guerra, etc.), inclusive nos modos de documentário e experimental, e responder a tentativas artísticas e comerciais tão variadas como o cinema e a filmagem real. (DENIS, 2010, p. 7).

A cadência das animações não são fixas e dependem de vários fatores. É muito comum nas animações tradicionais, por exemplo, a utilização de 12 quadros por segundo para imagens capturadas através de filmadoras e 15 quadros por segundo para capturas feitas através de câmeras de vídeo. Essa cadência permite diminuir pela metade o número de quadros a serem produzidos, sem contudo prejudicar a percepção do movimento aparente. O fluxo do movimento fica com um pouco mais de flickering, mas essa característica não se mostra como problema se não for diminuído o que parece ser o limite para a percepção desse movimento, 12

frames por segundo. Porém, como projeções e exibições possuem determinados

padrões de frame rate em seus equipamentos, impedindo por vezes configurações diferentes das especificações de fábrica, os animadores passaram a simplesmente duplicar os quadros para economizar trabalho e adequarem-se a elas. Dessa maneira passaram a existir o que aqui chamo de quadro-imagem e quadro-tempo. O quadro-imagem configura-se pelo conjunto de frames formados por imagens idênticas e que se configuram como se fossem apenas um único quadro ao invés de dois. Ao passo que o quadro-tempo consiste no número exato de frames intercalados ao longo de um segundo na linha do tempo e mensurados através das especificações técnicas dos materiais e equipamentos utilizados (FIGURA 10).

O quadro-imagem é a mínima parte da construção de um movimento, enquanto que o quadro-tempo é a mínima parte de um segundo distribuído em uma

timeline. Em uma analogia com nosso sistema respiratório, o quadro-imagem

corresponderia ao ato voluntário de inspirar e expirar, e o quadro-tempo corresponderia ao ato involuntário de nosso corpo absorver e transformar o oxigênio em energia. Podemos prender nossa respiração enquanto nosso corpo continua processando o oxigênio que nos resta, do mesmo modo que podemos “prender” um quadro-imagem sobre os quadros-tempo. Interessante também perceber que é esta capacidade de reter e soltar a respiração, o controle que temos em relação às saídas e entradas de ar em nosso sistema respiratório, que permitiu a formação de um sistema fonológico, que por sua vez originou o desenvolvimento de nossa linguagem verbal (SILVA, 1997).

Hugo Münsterberg foi um dos primeiros pesquisadores a sugerir um número mínimo de imagens por segundo nas projeções: “Not more than one sixteenth of a

second is needed to carry us from one corner of the globe to the other, from a jubilant setting to a mourning scene.” 19 (MÜNSTERBERG, 2005, p. 142). E também

um dos primeiros a perceber que as reproduções cinematográficas tinham possibilidades bem diferentes do teatro tradicional, como, por exemplo, o recurso de edição. Para se produzir um efeito de tremor, por exemplo, ele sugere que se troque a ordem dos frames de uma cena a um ritmo de 3 quadros sequenciais e um de retorno, e conclui que o efeito final é de um tipo que não ocorre na natureza e não pode ser reproduzido nos palcos: “The events for a moment go backward. A certain vibration goes through the world like the tremolo of the orchestra.”20

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