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todos os meninos pelo meio simples/ que acón selho, son jamais haver o menor accidente; e mesmo n'esta cidade o tenho feito ccra vanta gem a todos os meninos, cujas mãis tenho par tejado"(207).

Para entender a base do conhecimento dos médicos no campo da obstetrícia, adendo outra passagem do mesmo autor, na mesma tese!;, quando este descreve os cuidados que devem ser dados ao bebê acometido de asfixia:

"Quando a criança nascer asphyxiada, não deve ser logo separada da mãe ... . Depois do cor dao a criança deve ser envolvida em pannos - quentes, e levada para longe das vistas da mãi, e será mergulhada em hum banho quente , que se tomará mais excitante pelo addiciona mento de huma porção de vinho, aguardente ou vinagre; procurando-se sempre conservar o mes mo grau de calor do banho, e até aumentá-lo; devemos excitar também a sua pelle por meio de fricções feitas can as mãos, panos ... Alguns authores aconselhão ainda o excitamen to da boca do recem nascido por meio de aguar dente, ou vinagre, e o das fossas nazases por meio de pós, ou vapores irritantes, e também insufflação no anus da fumaça de papel queima do .¿."(¿08).

Pode-se perceber que não existia uma ruptura funda mental entre o conhecimento dos médicos obstetras e o das parteiras práticas. A diferença estava no reconhecimento legal de um e outro saber pois, se era a experiência que determinava o uso de tabaco no coto umbilical pelas parteiras, não parece ser de outra fonte a funda mentação do uso de aguardente, vinagre ou vapores irritantes como es timulante nos casos de asfixia, recomendados pelos médicos. O conhe cimento sobre o tétano umbilical, chamado popularmente de "mal dos

(207) XAVIER, Francisco Julio. Considerações sobre os cuidados que se devem prestar aos meninos na ocasião de seu nascimento e sobre as vantagens do aleitamento natural. Rio de Janeiro, Typogra phia Imperial e Constitucional de Seignot-Plancher E.G., 1833. p. 8. (Tese encontrada no primeiro volume de Teses da Faculda de de Medicina do Rio de Janeiro - UFRJ - 1833).

sete dias", estava em nível semelhante no que diz respeito ao conhe cimento dos médicos e das parteiras.

Outro aspecto importante que pode ser depreendido, da mesma tese, diz respeito a medicalização da família, dos hábitos, valores e cuidados básicos. 0 médico, pela higiene, penetra nas famí lias oitocentistas e toma assunto médico atividades básicas e cultu rais da vida dos indivíduos . Como podemos verificar pelo cunho normativo :e de busca de mudança de valores contidos nos seguintes trechos da tese de XAVIER:

"Todos os mamíferos nutrem seus filhos, por que suas mamas não foram feitas senão para nutrí-los depois do seu nascimento (...) isto estava reservado para a mulher; não para a po bre, e desculpável por sua miséria, porque es ta não he tão desnaturalizada, mas para a ri ca, rodeada de todos os favores, de todos os bens da fortuna; morra seu filho, con tanto que ella goze de todos os prazeres, que impor ta? He às mãis mercenárias, he às escravas que a maior parte das mulheres aqui confião seus filhos; he a ellas que entregão os cuida dos de mãi, despresando-se tão barbaramente hum dos deveres que a natureza mais recoirmen dou (...) A mulher não merece verdadeira mente o nome de mãi se não depois que tem aleitado o menino que deo à luz. (...) As mu lheres que não aleitão seus filhos, contrahem quasi sempre moléstias, provenientes desta in fracção da natureza ..."v2Í0)#

Os conhecimentos básicos sobre a procriação e o cuidado com os filhos deixa de ser naturalmente acessível a todos os cidadãos como parte dos valores culturais, para ser a fundamentação de um ser viço a ser comprado de um profissional especializado.

6.1.2 - 0 trabalho caritativo e a ideologia da submissão: 6.1.2.1 - A assistência religiosa:

A vertente do trabalho caritativo e religioso foi (209) Sobre o assunto 1er: COSTA, J.F. Op. cit.

muito inportante e hegemonizou a ideologia e o trabalho da enferma gem por longo período apõs o advento do cristianismo e sua persisten ci a ccmo doutrina religiosa poderosa em todo o mundo ocidental. Na en fermagemessa influencia foi tão grande que até hoje o seu trabalho é visto como parte da assistência caritativa e, os profissio nais de enfermagem, ccmo exemplo de abnegação, de vida ascética e de dedicação aos pobres desvalidos e necessitados de ajuda.

O discurso de alguns autores mostram essa visão do trabalho de enfermagem. Sobre Catarina de Siena (da Ordem Terceira Franciscana - Europa sêxulo XIV, vulto precursor da enfermagem pro fissional européia), escreve PAIXÃO:

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"Nao se contentava ccm servir doentes no hos pital. Procurava-os pelas ruas ou em casebres e providenciava a sua internação. Em 1372, du rante uma epidemia, trabalhou dia e noite no hospital de Scala. ... Pode-se visitar, ainda hoje, seu pobre quarto, onde se conserva .. a lâmpada que lhe servia para procurar os doen tes abandonados pelas ruas escuras de Siena. Catarina de Siena é um nome que deve ser guar dado pelas enfermeiras ccmo uma das mais per feitas realizadoras de seu ideal"(211).

Sobre Ana Neri, a mesma autora escreve: "Fundada a primeira escola de enfermagem de alto padrão no Brasil, foi-lhe dado o nome de nossa heroína, primeira enfermeira voluntária de guerra em nossa Pátria e modelo de dedica ção que deve ter toda enfermeira"(212)#

A ideologia dominante na enfermagem brasileira, até a década de 80 pelo menos, reproduz esta característica da rëligiosidade e espí^ rito caritativo. Sobre este aspecto, GERMANO apresenta ricas ilustra ções do discurso das direções de enfermagem veiculados pela Revista Brasileira de Enfermagem - REBEn, sem dúvida nenhuma um dos mais im portantes veículos de divulgação da profissão no país. Alguns frag

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(211) PAIXÃO, W. Op. cit. p. 43. (212) Ibidem, p. 110.

mentos destes discursos servem de ilustração. Referindo-se aos princí pios éticos fundamentais a serem considerados pelos enfermeiros ; TURKIEWICZ aponta: "... respeito à natureza humana, relação do homem

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com seu semelhante, direção vertical do hesitem a Deus" . . FORJAZ, dizque: "A enfermagem é uma profissão de caráter essencialmente so ciai, a sua finalidade precipua é servir â. humanidade segundo as _ ne cessidades do indivíduo e da sociedade" . e, MELEjO que: "... de ve a enfermeira manter uma nobre urbanidade de trato, recorrendo aos sentimentos de afabilidade e doação generosa ao serviço dos seus se melhantes, cera o que muito lhes atrairá a confiança e o respeito"^^?

As consequências foram praticamente 60 anos de exercício pro

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fissional sem uma maior organização da categoria enquanto trabalha dores do setor saüde, an especial no Brasil, onde os Sindicatos de En fermeiros surgem apenas na década de setenta e o Sindicato dos Empre gados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde (como se chama hoje o sindicato que congrega os empregados nas instituições de saüde, exce to os profissionais liberais e os que se organizam em sindicatos pro prios) nunca foi assumido pela enfermagem e principalmente pelos en fermeiros cano vima entidade sindical representativa dos seus interes^ ses profissionais e trabalhistas.

E, a Associação Brasileira de Enfermagem - ABEn, pri meira entidade organizativa da categoria, criada em 1926 com.o nome de Associação Brasileira das Enfermeiras Diploma das cumpriu até os anos 8 0 ^ ^ ^ o papel de reprodutora des

(213) TURKIEWICZ. O primado do espírito na profissão-.- In: GERMANO, R. Op. cit. p. 30.

(214) PORJAZ, Marina de Vergueiro. O aspecto social da enfermagem. In: GERMANO, R. Op. cit. p. 32.

(215) MELLO, Josefina de. Papel social da enfermeira. In: GERMANO, R. Op. cit. p. 32.

(216) A partir dos anos 80, desenvolveu-se na profissão um movimento de questionamento da prática profissional, analisando-a dentro do contexto histérico no qual ela se inseriu ao longo dos anos,