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Este capítulo " Y, trata do processo de instituciona lização da enfermagem e resgata, inicialmente, a institucio nalização do trabalho dos precursores.. do que hoje se conhe ce como enfermagem profissional ou moderna.

Uma das primeiras vertentes do trabalho da enferma gem, organizado como serviço reconhecido socialmente foi o trabalho caritativo e assistencial aos indivíduos objetivan do o cuidado do corpo e da alma. Outra foi o trabalho leigo das parteiras, curandeiras e práticas que assistiam os indi víduos através de um trabalho de cunho profissional, tipo do artesão mas não institucionalizado (tanto no que di.z res peito ao tipo de formação quanto o que diz respeito ao pro cesso de trabalho em si). E, outra, como já foi caracteriza do, foram os cuidados prestados, nos domicílios, por mães e escravas aos filhos e aos incapacitados. Sem contar o traba­ lho dos feiticeiros e sacerdotes, das sociedades tribais, que incluia uma assistência global aos indivíduos necessitados de assistência de saúde.

Dada a importância quantitativa, qualitativa e histó rica do trabalho das parteiras e dos práticos religiosos e

leigos, no campo das atividades de enfermagem, a análise da institucionalização destas práticas precede a análise .. .'dá institucionalização da enfermagem como um campo do saber na. área da saúde.

A escola de formação de enfermeiros, no Rio de Janei ro, em 1923, ê destacada como elemento chave no processo de institucionalização da enfermagem e, a última parte do cap_í tulo, trata da análise do saber específico deste campo do conhecimento e das implicações da prática de enfermagem injs titucionalizada na divisão do trabalho do setor saúde e co mo se reproduz a divisão do trabalho internamente na enfer magem.

6.1 - Caracterização do Trabalho dos Precúrssores da Enfermagem no Brasil:

6.1.1 - As parteiras:

Os fenômenos relativos a procriação ños primordios da humanidade eram encarados como parte da vida dos indiví duos como as demais funções fisiológicas e a assistência ao parto e a parturiente não envolvia a concorrência do traba lho de outras pessoas como uma atividade especializada. As mulheres de uma mesma tribo ou grupo populacional se auto- ajudavam pela experiência e vivência dos fenômenos relat_i vos ao parto e nos primeiros cuidados com os bebês. Ou qua_l quer pessoa que estivesse_ perto no momento do parto ajuda va a parturiente.

Quando a população aumenta e surgem as primeiras ci vilizações da Antiguidade e mais precisamente no período

posterior que se convencionou chamar de Idade Média, a his tória registra a existência de múltiplos exercentes das ações de saúde que se organizavam em corporações para o exercício e a formação profissional, além da medicina clíni ca que se organizava de forma especial nos mosteiros e nas Universidades. Mas a população camponesa, que era a grande maioria, recebia uma assistência de saúde de pessoas do seu próprio seio que aprenderam com a experiência e com a tradji ção oral e que eram entendidas na arte de curar. Eram espe cialmente mulheres, chamadas de sábias pelo povo e de bru xas pelos médicos, pela Igreja e pelos poderosos. Essas mu lheres além de promover curas cuidavam das atividades rela tivas ao trabalho de parto e os primeiros auxílios âs crian ças recêm-nascidas. Era um trabalho com características de ofício, essencialmente feminino e que foi duramente perse guido do século XIV ao século XIX em toda a Europa, numa ação conjunta da corporação médica e das Igrejas Católica e Protestante, onde eram perseguidas as mulheres que se ocupa vam das atividades de cura, incluindo aí as curandeiras e as parteiras, todas abrigadas sob a denominação de bruxas

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No Brasil as atividades de cunho profissional de a£ sistência a parturiente não são encontradas entre os indíge nas mas aparecem com o processo de colonização. As caracte

(197) EHRENREICH, Barbara & ENGLISH, Deirdre. Witches, midwives and nurses - a history of wcrnen healers. London, Writers and Readers Publishing Cooperative, 1976. p. 24.

As autoras registram tambán que as bruxas foram dizimadas na Eu ropa. Que novecentas foram mortas em Wertzberg, na Alemanha e ou tras tantas na Itália, Frariça, Inglaterra, etc. Que em Toulouse, quatrocentas foram mortas em um só dia.

risticas deste trabalho são semelhantes as descritas na li teratura mundial: tinha reconhecimento popular; era dè apr endi^ zagem empírica mas com uma particularidade, pois no proce£ so de institucionalização da medicina, acompanhado de inten sa perseguição aos curandeiros e práticos em geral, a forma ção de pessoal para a assistência ao parto foram absorvidas pelas escolas de medicina na forma de curso anexo como o de formação de farmacêuticos.

O trabalho das parteiras foi institucionalizado quan do se estruturam os cursos de formação de parteiras, anexos as Escolas de Medicina em 1832 e quando a sua prática passa a dar-se no espaço institucional hospitalar, não mais de forma independente mas sob controle médico.

O artigo n9 2 da Lei-de 3 de outubro de 183 2, estabe lece que cada Academia contará com quatorze professores, todos de profissão médica, portanto estes ensinarão também os alunos dos cursos de farmácia e de parteiras. Não foi re cuperado o saber popular nem os práticos não médicos tive ram possibilidade de ensinar os profissionais da sua área. Aos médicos coube o direito de exercer todos os ramos da ar te de curar (artigo n9 12 da mesma lei), âs parteiras diplo madas foi delegado o direito de partejar e aos farmacêuti_ cos o de ter botica e mexer com os medicamentos. A institu cionalização da prática das parteiras lhes retira a autono mia e a vinculação com a comunidade, transformando-as em uma profissão auxiliar, subordinada as regras emitidas pe las escolas médicas que normatizam o exercício profissional das três profissões, bem como emitem e validam diplomas.

nais de saúde no Brasil, as mulheres coube as atividades re lativas aos fenômenos da procriação e aos homens as demais (medicina e farmácia). Sô em 1879, os cursos institucional^ zados foram oferecidos indistintamente para homens e mulhe res.

A sociedade oitocentistà brasileira_era..,..basicamente patriarcal de exclusão das mulheres dos direitos mínimos de cidadania como o direito de voto, excluindo-as do exerci cio de cargos públicos e discriminando-ás quanto ao acesso a rede de ensino. Essa característica fica claramente retra tada na legislação do ensino! formal profissionalizante do setor saúde na época.

A legislação vigente na época me permite perceber, ao analisar os requisitos para o ingresso nos cursos de par teira (vide os critérios para ingresso no curso expressos no artigo n? 22 dá lei de 1832 e na reforma de 1854) , que esta era uma atividade menos letrada que a da ...medicina e a única que era exigido um atestado de "bons costumes',1 co

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(198) O artigo 22 da Lei de 1832 estabelece cano critérios para cursar a Academia que: "o estudante que se matricula para o Título de Doutor em Medicina, deve: 1?) ter pelo menos dezesseis anos ccm pletos; 29) saber latim, qualquer das línguas francesa, ou ingle za, philosophia racional e moral, arithmetica e geonetria. 0 que se matricula para obter o título de Pharmaceutico, deve: 19) ter a mesma idade; 29) saber qualquer das duas línguas francesa ou ingleza, arithmetica, geonetria, ao menos plana. A mullier que se matricula para obter o título de parteira, deve: 19) ter a mesma idade; 29) saber 1er e escrever corretamente; 39) apresentar um atestado de bons costumes passado pelo Juiz de Paz da frequesia respectiva".

A reforma de 1854, mantém a mesma estrutura básica dos cursos de medicina, farmácia e parteira e estipula, ainda, nos requisitos para inscrição no curso de parteira que: "as pessoas do sexo fe minino que frequentarem este curso deverão ter pelo menos 21 anos de idade, e apresentar, sendo solteiras, lincença de seus pais ou de quem suas vezes fizer, e, sendo casadas, o consenti mento de seus maridos".

BRASIL, Ministério da Saúde - Fundação Serviços de Saúde Pübli_ ca, Op. cit. p. 13-7.

mo se este tipo de atestado garantisse a idoneidade moral da concorrente ao curso e,também, como se os médicos e os bo ticãrios não necessitassem de uma conduta moral digna para o exercício de sua profissão ou como se estes estivessem "acima de qualquer suspeita", não precisando assim apresen tar um certificados destes valores.

As reformas de 1879 e de 1884, também mantêm a estru tura básica dos cursos da legislação anterior, sendo que a reforma de 1879, além da mudança em relação a discriminação sexual, incluiu como lente do curso de parteiras uma partei ra.

0 que fica claro ê que de um ofício independente a arte de partejar passou a ser uma atividade subordinada e controlada pela medicina. Ãs parteiras coube as atividades de cunho manual e devidamente delimitadas dentro da globali dade da assistência a parturiente, a puérpera e ao recém- nascido, aparecendo então com característica de divisão par celar do trabalho, sem controle da decisão terapêutica, da avaliação clínica e da prescrição da assistência.

Relacionando o processo de institucionalização .dos ofícios da área da saúde no Brasil, em especial no caso das parteiras, com o processo ocorrido nos demais países do mun do ocidental posso afirmar que há uma semelhança no que diz respeito a característica feminina do trabalho e ao papel de discriminação social vivenciado pelas mulheres» tanto na sociedade brasileira quanto nos países europeus e na Amêr_i ca do Norte. No entanto, a absorção do trabalho das partei_ ras, como especialidade da medicina, se deu de forma menos abrupta no Brasil do que nos países capitalistas desenvolví

dos, sendo que no Brasil, até hoje, mesmo cora característjL cas diferenciadas do que era no século XIX, o trabalho das parteiras leigas ou profissionalizadas, formalmente, ainda tem importante peso no contexto das ações de saúde do campo obstétrico. Acredito que a diferença no processo de absor ção do trabalho das parteiras como especialidade da mediei na no Brasil em relação aos países capitalistas desenvolvi dos possa ser explicada pelas diferenças na formação políti co-econômica destes países, onde o Brasil permanece por vã rios séculos com uma estrutura econômica predominantemente pré-capitalista, enquanto que as forças produtivas na Euro pa e nos Estados Unidos jã estão nesta época, plenamente de senvolvidas nos moldes do modo capitalista de produção e os investimentos governamentais em formação profissional espe cializada e em produção científica são claramente diferen ciados na relação países capitalistas desenvolvidos e subde senvolvidos.

EHRENREICH e ENGLISH descrevem que na Europa e nos Estados Unidos, a partir dos anos quarenta do século XIX, os médicos se organizaram mais efetivamente nas escolas e em associações com o objetivo de se firmarem efetivamente como o grupo social hegemônico do setor saúde e que para um grupo ocupacional se firmar como grupo hegemônico é neces sãrio; além da construção de um corpo de conhecimentos espe ciai e reconhecido pela sua eficácia técnica, o estabeleci_ mento de regras que normatizem o exercício profissional e£3

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tabelecendo os criterios de participaçao no grupo . Ne£ 176

te processo de imposição da medicina como hegemônica no se tor saúde, surge a obstetricia como uma especialidade médi_ ca. Afim de buscar a sua afirmação social como especialis tas, os obstetras desenvolveram uma campanha de perseguição pública às parteiras, acusando-as de ignorantes e incompe tentes e de serem responsáveis pela "sepsis puerperal" e pe la oftalmia neonatal. EHRENREICH e ENGLISH dizem que este fato realmente ocorreu nos Estados Unidos, na Inglaterra , na Alemanha e em diversos países europeus e que esta campa nha persecutória não foi acompanhada de uma melhoria na qua lidade do cuidado obstétrico. As mesmas autoras citam um e£

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tudo feito pelo professor Johns Hopkins, em 1912 que con cluiu que os médicos americanos eram menos competentes que as parteiras e que, no entanto, foram os médicos que consegui ram garantir o monopólio da assistência na área obstétrica e não as parteiras. "Os doutores tinham poder e as parte_i

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No que diz respeito ao saber e a formação profissio nal dos médicos e das parteiras no Brasil, a análise do cur rículo dos dois cursos e do conhecimento - produzido pelos pro fessores da disciplina de partos dos cursos formais, relacio nando com a prática das parteiras permite visualizar que a absorção da prática das parteiras, para o âmbito do preparo formal, não pode ser explicada apenas pelo discurso oficial/ de estratégia para o aprimoramento profissional da assistên cia a parturiente, mas também pela busca dos médicos em cons truir a sua hegemonia no setor.

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