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gum dado sobre o principio da desastrosa epi darda da Cholera-Morbus : o resultado foi o que todos esperavão, isto he, acharão-se as proporções conhecidas, e nada mais. ...He o ar que nos vivifica, fornecendo o elemento in dispensável à respiração; mas ao mesmo tempo elle he mui taz vezes o vehiculo da morte, quan do ou infectado por miasmas, ou peccando por algum outro princípio, destroe directamente o equilibrio vital, ou indirectamente negando a econcmia, os principios sem que não vivemos um so instante; ou em fim, obra de mil manei ras, que tem escapado â penetração de Medi cos. Durante a epidemia de Cholera-Morbus em Paris, a atmosfera deo sempre indicios de electricidade negativa: seria pois curioso que se observasse, se nos paizes aonde reinão endémica, ou epidemicamente as febres intermi tentes, que segundo a opinião geral, são ocea sionadas por miasmas vegetaes, ou animaes; se ria curioso, digo, e util, que se observasse n'esses lugares o estado electrico da atmosfe ra, que podia confirmar para sempre a presen ça dos miasmas, que tem escapado a mais refi nada analyse, ainda que parecendo manifestos por caracteres physicus. Assim se o estado electrico da atmosfera podes se ser destruido, ou mudado por hum agente, cano o chloro, por exemplo, he, para assim o dizer, evidente que existem miasmas no ar. Isto huma vez demons trado, a hygiene publica e particular ganha ria grandemente, e os medicos raciocinariao sobre dados positivos"(192).

As demais teses apresentadas â Escola Médico-Cirür gica do Rio de Janeiro, e arquivadas no volume de teses do ano de 1883, eram dissertações para concorrer a va gas em diversas disciplinas. O outro concorrente à vaga na cadeira de Physica-Médica era o Doutor João José

(192) CANDIDO, Francisco de Paula. Algumas considerações sobre a at­ mosfera. Rio de Janeiro, Typographia de Gueffier, 1833. (Pri meiro dos volumes sobre teses encontrados na Biblioteca da Fa culdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janei ro).

Cadeira de Clínica Externa concorreram dois cirurgiões, com os temas: "Considerações gerais sobre hernias abdominais" e "As inflamações gangrenosas em geral, e especialmente sobre o carbunculo e sua diferença da pústula maligna"; para a ca deira de Química teve um concorrente que apresentou o tema "Considerações sobre a maneira de se fabricar assucar no Brasil, e analyse da agoa gazoza"; para a Cadeira de Clínji ca Médica foi apresentado o tema "A origem natureza e desen volvimento dos tubérculos pulmonares"; para a cadeira de partos oferecida as "senhoras brasileiras", concorreram dois doutores em medicina, um formado pela Universidade da Bolonha e outro pela faculdade de Paris, concorreu também um cirurgião formado pela Academia Médico-Cirúrgica no Rio de Janeiro. Os temas apresentados foram, respectivamente: "Da hemorragia uterina, considerada como complicação sobrevinda ao processo do parto, e â expulsão do feto", "Considerações sobre os cuidados e os socorros que se devem prestar aos me ninos na ocasião de seu nascimento", "Ensaio sobre o Minis

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tério das manabiras em geral, demonstrado por classes"

Jã vimos, no capítulo quatro, que a base do conhecimen to dos físicos, cirurgiões barbeiros, jesuítas, práticos, sangradores, etc, era semelhante na materialização deste co nhecimento que são as medidas práticas de intervenção tera pêutica. No que diz respeito a fundamentação teórica, a for ma de raciocinar e investigar clinicamente e no tipo de aparelho formador, haviam diferenças claras entre os poucos físicos

de formação européia e os demais que aprenderam praticando com familiares ou mestres, aprendizagem típica do trabalho do artesão,

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saber universalista e teórico dos físicos ver sus o saber da observação prática e do legado da tradição oral dos demais. Esse conhecimento de base universalista e teórico, continuou sendo o hegemônico, depois da medicina institucionalizada até praticamente o final do século XIX. A diferença estava no espaço social ocupado pelos médicos que, a partir daí, conseguem fazer valer pela força, pela maior articulação com o Estado e pela legislação a sua su premacia no setor.

Dois modelos claramente diferenciados caracterizam o saber médico da segunda metade do século XIX, o da Socied¿ de de Medicina do Rio de Janeiro, ambientalista multicausal e com base experimental, e o da Escola Tropicalista Baiana, positivista, baseado na pesquisa metódica, em busca da especi ficidade para chegar a generalizações. A hegemonia do posi tivismo na produção e reprodução do conhecimento médico só ocorre após a reforma do ensino de 1882 e com a institucio nalização do modelo sanitarista de Oswaldo Cruz no início do século XX.

O modelo hegemônico que percorre praticamente todo o século XIX pode ser exemplificado pela resistência dos mê dicos ocupantes dos cargos oficiais do âmbito da saúde e dos médicos da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro face às descobertas do Dr. Finlay, sobre o mosquito aedes aegypt como agente transmissor da febre amarela, preferindo acreditar que os miasmas, emanações fétidas dos animais ede plantas em decomposição e as condições ambientais por si só

eram responsáveis pelo processo de transmissibilidade da doen ça. 0 conflito entre este modelo e o defendido pelos membros da Escola Tropicalista, exemplifica a relação entre as duas correntes de pensamento e as denúncias dos tropicalistas ãs fragilidades do modelo hegemônico. Um episódio, que foi bas - tante polêmico e divulgado, foi o conflito ocorrido entre o Dr. Wücherer da Escola Tropicalista Baiana e o Conselheiro Jo bim da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro sobre a etiolo gia da "Hipoemia Intertropical ou Ancilostomíase". O médico alemão radicado na Bahia era defensor do modelo alemão positif vista de investigação e formulação de generalidades a partir de constatações objetivas. Defendia a necessidade de uma dife renciação entre a anemia e a "hipoemia", considerava a defi - ciência alimentar como causa da anemia mas dizia que era ne - cessãrio fazer uma diferenciação entre a causa das duas doen­ ças.

"Para isto faz um diagnóstico diferencial ba seado na anatania patológica, menciona o a gente etiolõgico (ancilostonum duodenale) e relata que este foi unicamente encontrado em indivíduos falecidos de cansaço (o nane pôpu lar da doença), ou no decurso da moléstia. Es ta orden (falecidos no decurso da moléstia

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indica a ordem presénte em seu modelo de co nhecimento. A ordem seria: inicialmente des­ coberta do agente etiolõgico através da au tõpsia, em seguida, através de uma evolução detalhada das fases que a doença atravessa I . nos portadores, e do uso de diagnósticos di­ ferencial; por fim novo retomo â autópsia, no sentido de buscar uma confirmação de sua teoria. Descreve o verme, seus costumes e sua localização no corpo humano e termina por explicar que a anemia que verifica - na opilação é efeito da subtração de sangue pe los vermes. Assim ao determinar a causa,

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ncmeia a doença: anacilostaníase. Note — - se que o nane anterior da doença - hipoemia - está ligado ao empobrecimento do sangue, que era tonado cano causa; na realidade não pas­ sava de um efeito. Estas inversões causa- e feito serão uma constante ao se analisar o modelo de conhecimento da Escola em compara­ ção con o da Sociedade. Termina afirmando que à mudança da patologia deve seguir-se uma mudança de terapêutica, deixando perceber uma relação de dependência existente entre esses dois mementos de seu modelo" (194).

Por outro lado o Conselheiro Jobim apontava causas com binadas na origem da doença e não a especialidade causal, a se

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guinte citação do representante da sociedade sobre a etiologia da( "hipoemia" caracteriza a concepção de saúde dominante e re presentada pela instituição:

"CL usQ .exclusÍY9:_cfe alimentos..Jieeyláceòs, jãS. mo farinha de mandioca, milho, feijão, . nòs parece uma das causas predisponentes do seu desenvolvimento ... .Os efeitos da umidade, o andar descalço, mal vestido e dormir no sereno ... igualmente julgamos que muito con tribui para o seu desenvolvimento o abuso de bebidas alcoólicas ... .Se dizemos bebi­ das alcoólicas de mã qualidade ê porque te mos a nossa cachaça cano pior que o pior vinho" (195).

A preocupação da Sociedade de Medicina e Cirur gia do . Rio .zide;. Janeiro. i:.ç.qm : .a_ saúde;. _ . das - .-cidades, não. em devolvér á saúde aos indivíduos e a preocupa ção da Escola Tropicalista Baiana ê com os indivíduos, em

(194). LUZ, M. Op. cit. p. 130.

('19.5). JOBIM, J.M.C. Discurso sobre as molestias que mais afligem a classe pobre do Rio de Janeiro. In: LTJZ, M. Op. cit. 1982. p. 125.

recuperar a força de trabalho, como caracteriza LUZ,; mostran do a articulação dos intelectuais da Escola Tropicalista com a burguesia industrial, emergente e interessada na recupera ção da força de trabalho, e a da Sociedade de Medicina e Ci rurgia com os Estado Imperial Escravista e depois com as oligarquias rurais onde a preocupação é cera o saneamento das cidades, pois a força de trabalho básica era ^desenvolvida por escravos facilmente substituíveis. A preocupação com a recuperação da força de trabalho não era questão fundamen tal, naquele momento, mais tarde os:escravos encarregados de carregar os dejetos das cidades aparecem como objeto de de preocupaçaò e sao vistos, não como homens doentés devido o tipo de trabalho que realizam, mas sim como causadores de doenças, como parte do que precisa ser saneado nas cidades

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As críticas mais veementes â precariedade do ensino médico no país vieram da Escola Tropicalista, através do seu õrgão oficial de divulgação a Gazeta Médica da Bahia e os pontos principais de crítica eram a falta de áutonómia das escolas em relação ao estado monárquico; a precariedade da situação dos professores que ia desde as críticas quanto aos baixos salários, quanto ao modelo de ensino basicamente teórico, quanto a precária formação destes e pela conivên cia com a intromissão do estado nas escolas'; o desrespeito do governo para com as disposições legais que garantiam a corporação médica (como os critérios para conceção de títu los e normatização do exercício profissional) e as denún

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cias sobre os supostos "malefícios" que o "charlatanismo" causava às pessoas, além de denúncias de praticas médicas consideradas inadequadas pela má formação dos médicos (os

"médicos charlatães").

O saber médico hegemônico no Brasil, não era uma al ternativa inovadora de conhecimento onde os médicos brasi^ leiros tivesse optado pelos princípios universalistas em função de pesquisas e de uma estruturação clara de conhec_i mentos em oposição ao método positivista, defendido pela E£ cola Tropicalis.ta Baiana e hegemônico em outros países, e sim, era basicamente a continuidade da reprodução do conhe cimento dominado pela Igreja Católica, na Idade Média na Europa e até mais tardiamente em Portugal e na Espanha. A perseguição aos "charlatães” envolvia os práticos e também os homeópatas, por exemplo, que utilizavam outro princípio de raciocínio e de terapêutica, alternativo ao modelo positi vista e ao modelo universalista das Escolas Mêdico-Cirürçji cas e da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro e que tive rara o seu Instituto Homeopático Brasileiro perseguido pelo novo poder médico instituido, não conseguindo, em função dis to., desenvolver-se como escola. Hoje a Homeopatia consegue ser uma especialidade médica mas ainda alternativa e perifé ca em relação ao ensino formal das Universidades brasilei_ ras. Esta situação parece aproximar mais a causa da implan tação do poderio médico e da sua apropriação do conhecimen to em saüde e do gerenciamento do processo de trabalho na saüde com a identidade de um grupo dentre os diver sos exercentes das ações de saüde, com as classes dominan tes nos diversos momentos históricos, produzindo discurso,

saber e tecnologia necessárias à manutenção do status quo e a ordem social estabelecida, do que ao senso comum da su premacia médica no setor saúde, onde os demais profissio nais são vistos como auxiliares do trabalho médico central. Interessa-se neste trabalho basicamente mostrar o processo de estruturação das profissões na área da saúde, em espe ciai a medicina e a enfermagem por serem os elementos cen trais do ato de saúde e pela minha impossibilidade, para o âmbito deste trabalho, ampliar o leque de abrangên cia da historicidade das demais profissões.