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I – A disciplina de História A palavra história pode ser entendida de

No documento Lições do Rio Grande - Volume 5 (páginas 51-53)

três maneiras diferentes e complementares: 1) como a totalidade do passado vivido, de todos os acontecimentos (políticos, sociais, econômicos e culturais) ocorridos ao longo do tempo; 2) como o conhecimento possível a respeito destas vivências e experiências dos seres humanos, obtido por meio de pesquisa; 3) como a reflexão crítica sobre o conheci- mento do passado e as tendências de estudo dos historiadores.

A totalidade do passado é tão ampla que muito dificilmente poderia ser apreendida. Por isso, tanto o saber histórico acadêmico quanto o saber histórico escolar tendem a ser seletivos. Resultam de opções teóricas, meto- dológicas, ou de escolhas pessoais daqueles que se dedicam ao estudo, à pesquisa e ao ensino. Por isto é que o conhecimento histó- rico está sempre sujeito a revisões e aberto aos avanços proporcionados por novas in- terpretações e descobertas. Nas palavras do historiador Leandro Karnal:

“Existe o passado. Porém, quem recorta, esco-

lhe, dimensiona e narra este passado é um homem do presente. Assim, uma vez produzido, todo texto histórico torna-se ele mesmo objeto de história, pois passa a representar a visão de um indivíduo sobre o passado...

A representação do passado e do que consi- deramos importante representar é um processo de

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constante mudança. Se a memória muda sobre fatos concretos e protagonizados por nós, também muda para fatos mais amplos. A história está envolvida em um fazer orgânico. É viva e mutável”2.

Presente nos currículos escolares desde a formação dos Estados Nacionais contempo- râneos, no século XIX, o saber histórico es- colar desempenha papel importante na for- mação de uma memória coletiva vinculada ao Estado e aos grupos de poder que o con- trolam. Veículo de identidade e de memória, esse saber nunca é neutro, nem desinteres- sado. Em torno de sua enunciação e de sua definição, gravitam diferentes sujeitos e se produzem diferentes sentidos para o político e para o social. Assim, estruturado a partir da narração de grandes eventos, fundadores e paradigmáticos do sentimento patriótico, o ensino da História brasileira confundia-se com a evolução político-institucional do Esta- do, e a própria divisão convencional de suas três partes constitutivas (Colônia, Império e República) sugere essa vinculação com a es- fera política.

No Brasil, a História já aparecia como con- teúdo sugerido para desenvolver as práticas de leitura dos estudantes logo após a criação do Estado monárquico, em 1827, por deter- minação do Decreto das Escolas de Primei-

ras Letras. Tornou-se disciplina autônoma em

1838, por ocasião da criação do Colégio Pedro II, instituição oficial de ensino público associado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e ao Arquivo Público do Império. Desde então, sobre seu ensino incidiram di- retamente as influências do contexto político nacional – monárquico ou republicano –, já que a atribuição à História da capacidade de formar consciências nunca passou desperce- bida das instituições de poder3.

Ao longo do século XX, a essa História im- buída de caráter cívico foi associado o estudo

da evolução da humanidade, compreendido a partir de uma percepção eminentemente etnocêntrica, calcada numa rígida seleção de conteúdos que apontava a evolução dos povos e nações, tendo por centro a Europa, desde a Antiguidade, a Idade Média, a Idade Moderna e a Idade Contemporânea.

Entretanto, desde meados dos anos 1980, passou a haver certo consenso entre histo- riadores, pedagogos, professores e políticas educacionais a respeito dos limites ineren- tes ao modelo do saber histórico factual e de sua vinculação a uma postura meramen- te reprodutora, passiva. Não há dúvida que os caminhos da História ensinada devam ser balizados por um conhecimento crítico, cria- tivo, dinâmico, e para tal não basta a revisão dos conteúdos. É necessária uma mudança de atitude na prática pedagógica e uma re- visão dos procedimentos da aprendizagem4.

Referência para os Estados Nacionais, a His- tória pode tornar-se também uma referência para as sociedades e um instrumento para a cidadania. Sobre esse papel formador da disciplina, diz a pesquisadora Selva Guima- rães Fonseca:

“A proposta de metodologia do ensino de Histó- ria que valoriza a problematização, a análise crítica da realidade, concebe alunos e professores como sujeitos que produzem História e conhecimento em sala de aula. Logo, são pessoas, sujeitos históricos, que cotidianamente atuam, transformam, lutam e re- sistem nos diversos espaços de vivência: em casa, no trabalho, na escola, etc... Esta concepção de en- sino e aprendizagem facilita a revisão do conceito de cidadania abstrata, pois ela nem é algo apenas herdado via nacionalidade, nem liga-se a um único caminho de transformação política. Ao contrário de restringir a condição de cidadão a de mero traba- lhador e consumidor, a cidadania possui um caráter humano e construtivo, em condições concretas de existência”5.

Não obstante, haverá de se levar em conta as especificidades do saber histórico escolar

2 Leandro KARNAL. “Introdução”. In: Leadro KARNAL (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Ed. Contexto, 2003,

p. 7-8.

3 A esse respeito, ver Manoel Luís Salgado GUIMARÃES. “Nação e civilização nos trópicos. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de

uma história nacional”. Estudos Históricos (RJ), n. 1, 1988, p. 5-27; Circe Maria Fernandes BITTENCOURT. Pátria, civilização e trabalho: o ensino de história nas escolas paulistas, 1917-1930. São Paulo: Loyola, 1990.

4 Para as primeiras discussões nesse sentido, ver Jaime PINSKY. O ensino de história e a criação do fato – Edição revista e atualizada. São Paulo: Ed.

Contexto, 2009; Marcos Antonio da SILVA (org). Repensando a história. São Paulo: Marco Zero/ANPUH, 1984.

5 Selva Guimarães FONSECA. “O ensino de história e a construção da cidadania”. In: Fernando SEFFNER; José Alberto BALDISSERA (orgs). Qual

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damentação didático-pedagógica. Nesta ta- refa, compete aos professores oferecer con- dições para que os alunos possam interferir diretamente na elaboração do conhecimento possível a respeito do passado: 1) oferecen- do-lhe os meios necessários para que a His- tória seja compreendida como representação do passado, e não como o passado em si; 2) extraindo as informações relativas ao pas- sado de testemunhos históricos (sonoros; es- critos; iconográficos), bem como de estudos e interpretações históricas; 3) apontando as tensões, divergências e contradições que se apresentam ao longo do processo de elabo- ração do conhecimento, de acordo com as leituras e interpretações sobre o passado e sua vinculação com o contexto atual.

II – Como ensinar História?

No documento Lições do Rio Grande - Volume 5 (páginas 51-53)