• Nenhum resultado encontrado

3 Iconografia do altar-mor: comunicação do sagrado

Obra do pintor italiano Oreste Gatti,2 o altar-mor da referida catedral apre-

senta ricas imagens figurativas, bem como elementos decorativos que retratam o tema mariano. A parede central apresenta um arco em estilo neogótico, pontiagudo. Detalhes e arabescos contornam e preenchem o templo. Apesar do predomínio do elemento neogótico na pintura parietal, as cenas represen- tadas na parede central afastam-se do padrão, enfatizam o aspecto eclético da construção e mostram-se mais características do neoclássico, com formas mais simples e claras. No centro inferior da parede central, em um declive côncavo, está representada a Assunção de Maria aos céus. No topo da mesma parede, Oreste Gatti retratou a coroação da Virgem Maria no céu. As duas cenas encontram-se assinadas pelo pintor italiano. Em meio a essas cenas, estão retratados os dois anjos músicos, um à esquerda e outro à direita. Não são iguais. Envolvidos cada qual em uma moldura circular, cada um deles toca um instrumento musical. Em volta dessas três cenas distintas, observam-se no teto, também em abóbodas, vários arabescos. O imaculado coração se repete como elemento decorativo no teto. Nas paredes laterais, foram pintadas a figura de São Pedro, à esquerda – segurando uma chave e olhando para o alto –, e a de São Paulo, à direita – segurando uma pena e uma espada. Ambos estão envoltos em moldura circular semelhante à dos anjos. Os tons de cinza, azul e marrom se sobressaem na pintura parietal (Figura 3).

2 As fontes divergem quanto à escrita do nome do pintor italiano. Cenni (2003) e Maciel (2012) referem-se à Oreste Gatti, mas Lima Neto (1962) escreve Oresti Gatti. Na ausência de autógrafo do pintor, optamos, neste trabalho, por adotar a grafia como Oreste Gatti.

Figura 3 – Oreste Gatti. Teto da Catedral de Aracaju. Trompe-l’oeil (cerca de 1930)

Fonte: Rabelo (2015 p. 361).

Na cena da Assunção (Figura 4), Maria, olhando para frente, encontra-se envolta em nuvens. Em torno da Imaculada, estão 13 anjos, como figuras infantis. Circulam a Imaculada com alegria, sustentando também ramos de flores cam- pestres. Parece encontrar-se em momento lúdico, evocando a ideia de ternura na cena, mais do que de solenidade. Abaixo, os observadores contemplam o acontecimento com admiração e espanto. Personagens idosos, adultos, jovens e uma criança representam a comunidade primitiva de cristãos. Dois dos homens dirigem toda sua atenção ao que aparenta ser um túmulo – onde a Virgem se encontrava. Um deles aponta para o túmulo e outro olha com espanto. Os demais têm seus olhos voltados para cima. Alguns acenam como que em des- pedida. O cenário é bucólico. O céu é claro, mas torna-se mais escuro do centro da representação para cima, dando ideia de profundidade à pintura. Essa ideia de profundidade também é reforçada pela parede côncava que recebe a cena.

Na parte superior da parede central, Gatti pintou a Coroação de Maria (Figura 5), corroborando com a sequência cronológica dos acontecimentos compreen- didos na tradição cristã católica. A Virgem, ao centro, com as mesmas vestes da pintura anterior – trajes em azul e bege e o manto dourado –, segurando lírios na mão direita, é coroada pela Trindade Santa. Deus Pai segura com a mão esquerda o mundo e Deus Filho, com a mão direita, sustenta a cruz, enquanto o Espírito Santo, figurado como pomba, situa-se acima. Estão sobre as nuvens. A forma como Maria é representada nessa cena também faz alusão à Imaculada Conceição, não apenas pelos trajes, mas pelos lírios, que representam a pureza. A coroa denota sua majestade sobre céu e terra.

Figura 4 – Oreste Gatti. Assunção de Maria. Afresco (cerca de 1930)

Fonte: Rabelo (2015, p. 362).

Figura 5 – Oreste Gatti. Coroação de Maria. Afresco (cerca de 1930)

A devoção a Maria como Imaculada Conceição advém dos primeiros séculos do cristianismo. No entanto, a Imaculada Conceição de Maria só seria definida como verdade de fé, pelo papa Pio IX, no dia 8 de dezembro de 1854, por meio da carta apostólica Ineffabilis Deus. (PIO IX, 1854, p. 597-619) Além deste, outro dogma mariano aparece claramente representado no altar-mor da catedral: a Assunção de Maria, declarada pelo papa Pio XII na constituição apostólica

Munificentissimus Deus (1950), definindo que a Virgem Maria foi assunta ao céu de corpo e alma. Essa ideia se havia mantido viva através da tradição da Igreja. As duas verdades de fé encontram-se interligadas.

De fato esses dois dogmas estão estreitamente conexos entre si [...] Mas Deus quis excetuar dessa lei geral a bem-aventurada virgem Maria. Por um privilégio inteiramente singular ela venceu o pecado com a sua concepção imaculada; e por esse motivo não foi sujeita à lei de permanecer na corrupção do sepulcro, nem teve de esperar a redenção do corpo até ao fim dos tempos. (PIO XII, 1950)

A ligação entre ambos os dogmas também se observa na pintura da parede central. Em breve descrição da cena da Assunção de Maria, destacamos a figura principal, da própria. A figura se mostra em trajes semelhantes ao da Imaculada, afirmando a tentativa de representar os dois dogmas marianos na mesma cena, mantendo-se a imagem da padroeira em túnica bege e manto azul claro, com um manto sobre a cabeça em dourado – indicativo de sua assunção gloriosa. O detalhe nas vestes segue um padrão já observável em outras pinturas ao longo da história, a exemplo da Imaculada do Escorial (Figura 6), pintada por Bartolomé Esteban Murillo (1617-1682). É importante mencionar que, antes da remode- lação da Catedral de Aracaju, uma cópia da Imaculada de Murillo ocupava a parede do altar central. Obra do pintor sergipano Horácio Hora (1853-1890), a pintura da Imaculada Conceição nunca foi amplamente aprovada pelos fiéis católicos por ser de tamanho desproporcional ao altar e pouco original. Após a remodelação do templo, o quadro foi retirado da parede do altar e, desde então, anexado à parede da sacristia (Figura 7).

No que se refere às cenas do altar-mor, pode-se dizer que, em contraste com a decoração anterior à remodelação, as cenas retratadas por Gatti apresentam muito mais detalhes e ênfase, pois reforçam a imagem da padroeira em eventos

muito importantes para a tradição da Igreja. As cenas trazem imponência à figura da padroeira e, em consequência, ao prédio a ela dedicado.

Figura 6 – Bartolomé Esteban Murillo. Imaculada do Escorial (1660-1665). Óleo sobre tela, 206 x 144 cm. Museu del Prado, Madrid

Figura 7 – Horácio Hora. A Virgem de Murillo. Óleo sobre tela (1877)

Fonte: produzida pela autora (2018).

Ao tratar da arte decorativa nas igrejas ainda na Idade Média, Gombrich (2000, p. 176) explica que, nesse contexto, a palavra “decorar” é enganadora. “Tudo o que pertencia à Igreja tinha sua função definida e expressava uma ideia precisa, relacionada com os ensinamentos da Igreja”. Evidentemente, no período abordado pelo autor, essa catequese por meio da arte fazia-se necessária à Igreja, considerando que grande parte dos fiéis não era alfabetizada. Portanto, à arte sacra se conferia também um valor de evangelização. Voltando às representa- ções marianas da Catedral de Aracaju, podemos afirmar que há também nelas, ainda que de maneira intrínseca, uma catequese – uma catequese afirmativa do dogma da Imaculada Concepção de Maria.