• Nenhum resultado encontrado

A fotografia tornou-se uma das maiores formas de registro da contemporaneidade, em virtude da facilidade promovida pelo avanço tecnológico, dos usos cada vez mais variados e da forma como ela se consolidou socialmente, constituindo-se em um documento presente em arquivos pessoais e institucionais e promovendo novas estratégias de organização e recuperação da informação desses acervos. Os arquivos nacionais são instituições notadamente normatizadoras em seus âmbitos. Portanto, compreender como eles agem em relação a esses acervos pode indicar como as demais instituições de seus países estão trabalhando. A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) é composta por nações que tiveram uma mesma matriz administrativa e cartorial, porém possuem realidades demográficas, culturais e econômicas distintas,

servindo como um campo empírico que pode oferecer abordagens diversas. O objetivo deste trabalho é verificar se os arquivos nacionais da CPLP possuem acervos fotográficos e como eles são disponibilizados ao usuário. A metodo- logia utilizada será a revisão bibliográfica, a verificação dos sítios eletrônicos e da base de dados e a observância do uso de redes sociais por essas instituições. Os resultados evidenciam o distanciamento entre o trabalho desenvolvido e a necessidade contemporânea de novos usos e usuários de imagens fotográficas.

Surgida na primeira metade do século XIX, a fotografia tornou-se, em poucos anos elemento presente em nosso cotidiano sociocultural, primeiramente como arte, depois como artefato afetivo e, em seguida, como objeto de registro, ganhando aura de documento com as coberturas jornalísticas de guerras e con- flitos, no início do século XX, e de fonte histórica, com a Escola dos Annales, em França, na década de 1920. (BURKE, 2004) Seu valor de prova como fato aconte- cido passou a ser objeto da crítica histórica e as informações que ela evidenciava a passaram a ser entendidas como intenção, tanto de quem a registrava como de quem a observava (MAUAD; LOPES, 2012), transformando a fotografia em imagem/documento e, ao mesmo tempo, em imagem/monumento. (LE GOFF, 1984) Nas décadas de 1960 e 1970, surge dentre os arquivistas a noção de que a fotografia, assim como outros documentos não textuais, pudesse integrar fundos arquivísticos. (ROUSSEAU; COUTURE, 1998) Com o surgimento do universo digital e suas possibilidades quase infinitas, a fotografia banalizou-se. Nos pri- meiros anos do século XXI, com a consolidação da web, as novas tecnologias de comunicação e o advento das redes sociais, a imagem fotográfica multiplicou-se em quantidade e qualidade, tornando-se onipresente em nossas vidas.

Para Sontag (2004), fotografar é apropriar-se da coisa fotografada, pois fotos fornecem um testemunho. Dubois (2012) reforça a importância do contexto de produção quando afirma não ser possível compreender a fotografia fora de seu ato de produção. Para Flusser (2002), as fotografias significam conceitos programados que visam passar mensagens específicas a seus receptores. Bauret (1992) afirma que a vemos por toda parte, sem entendê-la em sua integridade. Borges (2008) diz que a fotografia introduziu um novo tipo de ver e dar a ver a diversidade do mundo moderno. Kossoy (2007) propõe uma reflexão sobre a representação e o fato, o aparente e o oculto, o documento e a memória. Gaskell (1992) destaca o uso de imagens na pesquisa histórica como forma sofisticada na contribuição de uma visão do passado.

A fotografia tornou-se uma das maiores formas de registro da contempora- neidade, em virtude da facilidade promovida pelo avanço tecnológico, em que cada pessoa portadora de um smartphone tornou-se um fotógrafo em potencial,1

do compartilhamento promovido pelas redes sociais, dos usos cada vez mais variados e da forma como ela se consolidou culturalmente, constituindo-se em um documento presente em arquivos pessoais e institucionais e promovendo reflexões sobre as formas de organização, processamento técnico e disponibili- zação da informação, como estratégias para atender novas e velhas demandas de um público utilizador cada vez mais amplo e plural.

2 Os arquivos

Enquanto instituições, os arquivos existem desde as primeiras civilizações orien- tais – sumérios, egípcios, assírios e babilônios –, servindo como local de guarda de preceitos religiosos, normas e leis. Durante a Antiguidade Clássica (Grécia e Roma), os arquivos continuaram vinculados ao Estado, mas a nobreza, a alta burocracia e os cidadãos de posses passaram a usufruir de seus serviços notariais, sendo que o direito romano, devido à importância do ato escrito, atribuiu maior relevância ao documento custodiado pelo arquivo, pois é ele que lhe conferia autenticidade. Após o colapso do Império Romano, a fragmentação da Europa e a consolidação da Igreja Católica, os arquivos passaram a se limitar às auto- ridades feudais e à própria Igreja. (BELLOTTO, 2002)

Com o advento do Estado moderno e a centralização do poder, surgiram os grandes arquivos reais e os notariais passaram a ser mais organizados, sendo o uso desses arquivos restritos às questões jurídicas e administrativas. No século XVII, uma série de disputas entre ordens religiosas sobre seus acervos documentais produziu obras referenciais que deram início à constituição da “diplomática”, ciência que estuda as características extrínsecas do documento conferindo-lhe veracidade (TOGNOLI, 2014) e que viria a ser a gênese da arquivologia. Com a Revolução Francesa de 1789, surge a ideia de um arquivo geral da nação, como elemento de identidade e unidade nacional e promovendo a reunião da documentação oficial dispersa para ser organizada segundo critérios de origem

1 Estima-se que, na primeira década do século XXI, o número de aparelhos celulares cresceu de 750 milhões para mais de 5 bilhões. (SCHMIDT; COHEN, 2013)

(proveniência) e de respeito à ordem original de sua produção (estrutura orgâ- nica e funcional). Além disso, esse novo modelo de arquivo nacional promoveu certa liberdade para o cidadão na consulta de informações administrativas. (SILVA, 1999)

Na segunda metade do século XIX, surge, nos arquivos, a pesquisa realizada por historiadores no contexto da história positivista, em que o valor dado às informações contidas em documentos de arquivo era a base e praticamente única referência para análise. (SIQUEIRA, 2017) Somente nesse momento que surgiram nos arquivos as primeiras salas destinadas à consulta, evidenciando a natureza hermética e excludente dos arquivos até então. No final daquele século, foi editado o Manual dos Arquivistas Holandeses, obra que sistematiza o fazer arquivístico e que é percebida por muitos autores como marco inaugural da disciplina arquivística.

Durante o século XX, sobretudo no pós-guerra, desenvolveu-se o aperfei- çoamento dos arquivos correntes, ligados à administração pública e privada, sobretudo pela consolidação do capitalismo e da forte expansão econômica americana, que provocaram a chamada “explosão documental”. Em paralelo, os arquivos históricos, ligados à pesquisa e à cultura, ganharam um novo estatuto, devido às novas formas de se pensar e se fazer história e com a crescente noção de preservação e salvaguarda da memória, fomentada por organismos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Conselho Internacional de Arquivos (CIA). A partir desse momento e de forma contínua, outros tipos de documentos, como as fotografias, filmes, registros sonoros e outros, foram sendo incluídos no rol dos documentos arquivísticos.

No final do século XX e início do XXI, surgiram novas abordagens no pensar e fazer arquivístico, refletindo a necessidade de compreensão sistêmica da informação e atribuindo maior importância ao usuário. As novas tecnologias, o universo digital e a necessidade de gerenciar e otimizar uma crescente e variada produção documental, bem como de atender a novos e múltiplos usuários, fizeram com que os arquivos e suas práticas buscassem outras formas e possi- bilidades de produção, processamento, preservação, acesso, uso e difusão da informação.

3 O processamento técnico de documentos de