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2 Uma nova catedral: processo de modernização de Aracaju

A estrutura da matriz não agradou a todos os aracajuanos e não se estabi- lizaria no século XIX. Em 1910, por ocasião da criação da Diocese de Aracaju, a matriz foi elevada à categoria de catedral, conforme se observa na bula papal

Divina disponente clementia:

E por isso, usando do poder a Nós e a Santa Sé Apostólica reservado, em Letras Apostólicas, seladas com o plúmbico sêlo que tem por início ‘Ad Universas Orbis Eclesias’, dados no dia 27 de abril, do ano do Senhor de 1892, tendo de começar livremente a nova circunscrição das dioceses na República Brasileira enquanto bem poder no Senhor, e suprindo, enquanto necessário, ao consenso dos a quem interesse ou presumam lhes interessem, com a mesma autoridade Apostólica, estatuímos que o território do Estado civil chamado Sergipe se deve desapegar, e determinamos que nesse mesmo território se deve constituir uma

episcopal e própria Séde. Por modo próprio e de ciência certa, e com a plenitude do poder apostólico, da arquidiocese de S. Salvador da Bahia desmembramos e desligamos para sempre todo o território que presentemente constitue o Estado civil de Sergipe e que ora faz parte da mesma arquidiocese de S. Salvador e tem, segundo o último recenseamento, quatrocentos e cincoenta mil habitantes; e perpetuamente a erigimos em diocese e erecta a declaramos, devendo-se deno- minar – Diocese de Aracaju. Além disso, na cidade vulgarmente denominada Aracaju, e que é a capital do mesmo Estado civil de Sergipe, constituímos a Séde e Cátedra Episcopal da nova diocese de Aracaju; e a igreja que ali é dedi- cada à Imaculada Conceição da Bem aventurada Virgem Maria levantamo-la e elevamo-la à honra e dignidade de Catedral constituímos essa diocese assim erecta sufragânea da igreja metropolitana de S. Salvador da Bahia e subme- temos o seu Bispo e os seus sucessores no ofício ao direito metropolitano do mencionado Arcebispo de S. Salvador. (LIVRO..., 1949, fl. 19v-20v)

Em princípios da década de 1920, no governo de José Joaquim Pereira Lobo (1864-1933), a jovem capital passaria por um processo de urbanização, seme- lhante ao que ocorrera em outras cidades do Nordeste brasileiro no mesmo período. O projeto de urbanização/modernização de Aracaju, além de ser consequência das comemorações do Centenário da Emancipação Política de Sergipe, que se dariam no ano de 1920, reflete a imigração italiana no Nordeste brasileiro naquele período. (CAPPELLI, 2010)

No aspecto artístico, essa busca pela modernização testemunha a influência da Belle Époque através do pensamento artenovista. Jeferson da Cruz (2014) explica que Aracaju também recebera ecos da Belle Époque inspirada pela capital federal, o Rio de Janeiro. Segundo o autor, o movimento que caracterizou mudanças no comportamento das grandes cidades tinha como modelo os novos costumes que se apresentavam na Europa, sobretudo nas classes elitizadas. Esse movimento de modernização se manifesta no Brasil a partir de meados do século XIX – sobretudo no reinado de D. Pedro II – e se estende até a década de 1930, ganhando maior impulso nos primeiros 20 anos do novo século. Esse processo de modernização tinha a França como principal referência, mas, no Brasil, foram os italianos os maiores responsáveis por tais transformações arquitetônicas e artísticas nos principais centros do país.

De acordo com Cenni (2003), a vinda da missão francesa ao Brasil – após a chegada da Família Real ao país – despertou a vinda de artistas de diversos centros da Europa. Alguns mais afoitos, inclusive, para cá vieram à procura de sucesso financeiro ou em busca de aventurar-se. Esses artistas, com tendências

estilísticas diferentes entre si, viriam também a aprimorar o ambiente artístico no Brasil. A característica desses artistas é também destacada por Cenni quando explica que, no período em questão – finais do século XIX e início de século XX –, os pintores que obtiveram maior êxito foram os que trabalhavam com pintura de parede, decorações de igrejas e de salões, não se investindo tanto pinturas em tela, por exemplo. Em razão disso, quando a procura pelos pintores “de cavalete” retornou, os pintores de interiores tentaram a todo custo preencher essa lacuna, mas sem as devidas condições, salvo exceções como Antonio Rocco, De Servi, Ferrigno, Alfredo Norfini, Oreste Sercelli e outros poucos. (CENNI, 2003) Sercelli trabalhou também em Aracaju, junto à missão italiana, como será visto mais adiante.

Segundo Cruz (2016, p. 26), a Belle Époque foi um movimento entre séculos e seu desenvolvimento se deu em meio a uma época marcada pela dualidade entre um período degenerado (o pós-Primeira Guerra) e a esperança de pros- peridade e recomeço.

Depois do término da guerra tornou-se moda chamar os anos que a prece- deram de Belle Époque e confundir esse período com fin de siécle, como se os dois tivessem sido um só. [...] Mas a Belle Époque que só foi assim chamada quando se olhou em retrospectiva através de cadáveres e ruínas, representa os dez anos e pouco antes de 1914. Esses também tiveram seus problemas, mas foram anos relativamente robustos, otimistas e produtivos. O fin de siècle o tinha precedido: uma época de depressão econômica e moral, recebendo muito menos a alegria ou esperança. (WEBER, 1988 apud CRUZ, 2016, p. 26, grifo do autor)

É importante destacar que, na primeira década do século XX, Aracaju ainda não se configurava um centro urbano, pois apresentava ainda muitas carências e um aspecto geral rudimentar. Nesse sentido, as transformações advindas com os ventos da Belle Époque seriam muito bem-vindas. (CRUZ, 2014) Esse pro- cesso de modernização da jovem capital, como fora chamado, se deu de forma pontual. Foram remodelados prédios como: catedral metropolitana, palácio do governo, além da igreja matriz da cidade de Estância. A iniciativa de remodelação de Aracaju partiu da nobreza local. O governo, em função na administração de Pereira Lobo, contratou profissionais italianos que se encontravam em Salvador.

Ao tratar da reforma do palácio do governo, atualmente Palácio Museu Olímpio Campos, o historiador Urbano Lima Neto (1962, p. 92) explica:

Não tendo sido aceita nenhuma proposta [...], a concorrência pública na administração antecedente, resolveu o Governo trazer a Sergipe uma equipe de artistas italianos que naquela época se encontrava na Bahia: Belando Belandi, arquiteto e escultor; Oresti Cercelli, arquiteto e pintor; Bruno Cercelli, pintor; Oresti Gatti, escultor, fundidor e pintor; Fiori, fundidor e Frederico Gentil, que trabalhava em serviços de assentamento. Este último, o único sobrevivente ainda entre nós, a quem devemos essas informações.

Muitos aracajuanos mais abastados aproveitaram a presença dos italianos contratados pelo governo para a remodelagem dos prédios públicos e remode- laram também suas residências. Assim, a Belle Époque também se evidenciou na cidade através das casas suntuosas em moldes europeus. De acordo com Maciel (2012, p. 29):

Nesta segunda década do século XX, por conseguinte, ocorreu um processo de modernização, a jovem capital ganhou ares de cidade, dotada de infra e superestrutura e embelezamento urbano e arquitetônico; a equipe da ‘Missão Italiana’ atualizou a arquitetura de bens públicos e privados, motivando a dis- seminação do eclético e seus elementos historicistas através de colagens e rea- propriações – nas arquiteturas civis de menor porte – do que era moderno, no sentido de atual à época.

A busca pela modernização revelou “o anseio de fazerem parte de uma civilização pautada em costumes refinados oriundos da Europa (mais espe- cificadamente na França), no caso de algumas cidades brasileiras, a exemplo de Manaus, Belém, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Franca (SP), São Paulo, Rio de Janeiro e Aracaju”. (CRUZ, 2016, p. 19) No caso específico de Aracaju, é possível notar esse pensamento de busca pela modernização em meios de comunicação da época, como no Correio de Aracajú, jornal favorável ao governo: “‘dia a dia caminha fulgurante na larga estrada do progresso e da civilisação’, ‘A cidade de Aracajú prospera e florescente capital do futuroso Estado do norte’, ‘Comprehendendo a necessidade de que a civilisação, já em grao tão adiantado para a sociedade daquelle Estado’”. (CRUZ, 2016, p. 140)

A catedral passaria também por essa remodelação, que muito alteraria em sua estrutura original. De acordo com Maciel (2012) e com o relatório elaborado para a mais recente tentativa de restauro do prédio, as produções artísticas que a Catedral de Aracaju abriga são de autoria do mestre italiano Oreste Gatti e do seu discípulo Rodolpho Tavares. Deve-se destacar o nome de Oreste Gatti,

cuja assinatura consta nas duas principais cenas representadas na parede do altar principal, que consistem em objeto deste estudo.

No entanto, as informações sobre Gatti são escassas. Sabe-se que o artista italiano trabalhou também nas pinturas internas do palácio do governo e da então Igreja Matriz de Estância – atual Catedral de Estância (SE) – e que tanto ele quanto Frederico Gentil fixaram residência em Aracaju em razão de a cidade ter-se mostrado favorável. (CRUZ, 2016, p. 143) Gatti teria permanecido em Sergipe até sua morte, em 1943, que teria ocorrido antes mesmo da inauguração de seu último trabalho: a obra da Igreja Matriz de Estância. (BARRETO, 2004)

As obras da Catedral de Aracaju só seriam inauguradas no dia 10 de novembro de 1946, com grande festa, em missa solene celebrada pelo então bispo dio- cesano, D. José Tomaz Gomes da Silva – primeiro bispo da Diocese de Aracaju. (LIVRO..., 1949, fl. 108) A seguir, observamos a construção original no século XIX (Figura 1) e o edifício remodelado, já no século XX (Figura 2).

Figura 1 – Matriz de Aracaju, século XIX

Figura 2 – Catedral de Aracaju remodelada, primeiro quartel do século XX

Fonte: Brito Filho (2009).

O novo prédio possui estilo eclético, conservando algumas características do estilo neoclássico, presente na construção original do século XIX e apresentando agora também características do neogótico (ARQUIDIOCESE DE ARACAJU, 2011) após a remodelação. No que se refere aos elementos artísticos e orna- mentais da catedral já remodelada, observa-se predomínio do estilo neogótico tanto na arquitetura quanto na pintura parietal. Abóbodas ogivais delineiam o teto do templo.