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4.5 Discursos Jurídicos: os Critérios para Incidência da Lei Maria da

4.5.2 Idade da Mulher em Situação de Violência

Outra análise importante diz respeito aos argumentos no que tange à categoria idade da mulher em situação de violência, discussão encontrada em doze decisões. Nessa categoria, incluem-se todos os acórdãos que abordaram a discussão etária. Com isso, procurou-se compreender como a idade da mulher

em situação de violência influencia nas decisões do TJRS acerca da incidência da Lei Maria da Penha.

Em um caso de agressões contra uma criança, filha do agressor, o julgador afirma que em razão da idade o crime não teria correlação com o gênero, pois “a violência não teria ocorrido em razão do gênero da ofendida e, sim, pelo fato de ela ser uma criança, filha do acusado”. (RIO GRANDE DO SUL, 2013m). Tal situação é a mesma quando se trata de agressão de mãe contra filha, pois a julgadora menciona “que a violência praticada contra a infante, efetivamente, deu-se em virtude de sua condição hipossuficiente de criança e não por sua condição de mulher”. (RIO GRANDE DO SUL, 2014e). Observa-se, sobretudo, uma análise baseada somente na idade.

Em alguns acórdãos, alinhado a esse argumento, encontra-se a justificativa de que “a mesma atitude seria tomada caso a vítima fosse do sexo masculino”. (RIO GRANDE DO SUL, 2014e). Há uma comparação da agressão sofrida por crianças. Portanto, para esses julgadores, independente do gênero, meninos e meninas devem receber tratamento igual.

Em um episódio de violência entre pai e filha, o juiz da vara especializada na LMP entendeu que não seria caso de aplicação da Lei Maria da Penha por não visualizar opressão de gênero. O relator manteve a decisão nos seguintes termos:

Todavia, cabe ressaltar que, mesmo não desconhecendo o posicionamento em sentido diverso no que diz com a interpretação da palavra ‘gênero’ constante no texto do dispositivo supramencionado, perfilho do entendimento de que se qualifica como violência de gênero aquela praticada por pessoa do sexo masculino contra mulher.

Na hipótese, porém, a hipossuficiência da filha ocorre em razão da sua condição de criança – pela idade - e não em face da vulnerabilidade de gênero numa relação socioafetiva. De ressaltar que dentro do gênero feminino encontramos a criança, a adolescente, a mulher e a idosa. Para a proteção da criança e da adolescente vítima de violência existe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), assim como para a idosa há a previsão do Estatuto do Idoso.

Disso decorre que não se pode aplicar indistintamente a Lei Maria da Penha, uma vez que foi criada justamente com o objetivo de proteger a mulher quando na situação de inferioridade física e/ou dependência econômica e afetiva, tornando-a em relação à pessoa do sexo masculino vulnerável. (RIO GRANDE DO SUL, 2012f).

Pode-se observar, pelo trecho acima, que o relator parte da premissa de que a violência cometida pelo pai contra a filha criança não decorre do gênero

feminino. A generalização acaba por limitar o âmbito de aplicação da Lei, que visa a proteger a mulher em todas as idades.

Nos casos das narrativas em relação à idade, note-se que não é analisado se é caso de violência de gênero. Os discursos partem para generalização no sentido de que a violência praticada contra criança e adolescente, embora na esfera doméstica e familiar, decorre da vulnerabilidade em relação à idade e não em relação ao gênero feminino. Importante destacar que a violência de gênero, na maioria das vezes, é exercida por homens contra as mulheres, sejam elas crianças ou adultas. (VICENSI; GROSSI, 2012).

Há, ainda, os casos de violência contra a mulher idosa. Nesses, o julgador sustenta que o fato de a idosa ser mulher não teve qualquer influência na prática do crime, não se verificando, portanto, hipótese de violência doméstica baseada no gênero. A fragilidade decorre da idade, não por ser mulher. Percebe-se a mesma argumentação utilizada no caso de crianças e adolescentes.

O caso dos autos não se enquadra em qualquer das hipóteses elencadas acima, pois a fragilidade da vítima decorre de sua condição de idosa, não por ser mulher. Além disso, como bem analisado pelo Douto Procurador de Justiça ‘tanto o Estatuto do Idoso como a Lei Maria da Penha possuem o mesmo cunho que é o resguardo ao direito fundamental da igualdade. Ambos pretendem dar maior proteção às pessoas elencadas em tais diplomas legislativos e de reduzir eventual relação de desequilíbrio’. (RIO GRANDE DO SUL, 2012g).

Admite-se que qualquer mulher está tutelada pela Lei Maria da Penha, independente da idade, seja adulta, idosa ou, até mesmo, criança ou adolescente. Pode-se, inclusive, aplicar simultaneamente os Estatutos do idoso e da Criança e Adolescente, que complementam a abrangência de tutela. (BASTOS, 2007).

Nesse sentido, localizaram-se decisões sustentando a aplicação da Lei Maria da Penha independente da idade. O caso retrata um episódio de violência de um padrasto contra uma adolescente de 16 anos. O juízo do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher entendendo não ser caso de aplicação das disposições da Lei Maria da Penha, por ser a vítima adolescente, determinou a remessa do feito ao Juizado Especial Criminal. Opondo-se à decisão, o desembargador sustentou que:

O fato de a vítima ser adolescente de forma alguma afasta a incidência das normas da Lei Maria da Penha, que visa à proteção da mulher, independentemente de sua idade. O próprio diploma legal prevê a aplicabilidade das disposições do ECA em conjunto com as suas, no que forem compatíveis. (RIO GRANDE DO SUL, 2012h).

Da mesma forma, em outro acórdão, o julgador, revendo posição do primeiro grau, sustenta que:

Tratando-se de envolvimento entre pai e filha, na residência daquele, mostra-se evidente a relação familiar, estando presente a vulnerabilidade ou hipossuficiência da vítima em relação ao seu agressor, já que o delito foi praticado no âmbito das relações domésticas e familiares. (RIO GRANDE DO SUL, 2013n).

Nesses discursos, mostra-se evidente que a questão etária não interfere na configuração da violência doméstica ou familiar baseada no gênero, pois a violência de gênero afeta a população feminina durante todas as fases do ciclo vital. (DINIZ; PONDAAG, 2006).

Ressalte-se, como exposto, haver posições divergentes em relação à idade da mulher para receber a proteção da Lei 11.340/2006, tanto no que diz respeito à possibilidade da criança, da adolescente ou da idosa sofrer violência de gênero no âmbito doméstico e familiar, quanto na discussão de quais fatores decorrem a vulnerabilidade ou hipossuficiência, se da idade ou do gênero.