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Capítulo 5 – A regionalização das políticas de desenvolvimento territorial rural e

5.3. A identidade como um pressuposto vital

O conceito de identidade remonta discussões sobre o conceito de território e foi realizado inicialmente de forma sistemática pelo filósofo F. W, Hegel, entre o final do século XVIII e início do século XIX. As reflexões centravam-se na preocupação quanto à unificação das cidades germânicas e na importância da unidade política e territorial, tornando este conceito como vinculado, único e indivisível à perspectiva territorial.

Hegel trabalhava o conceito de identidade discutindo a dimensão da homogeneidade cultural, linguística e religiosa. Sua preocupação era a de formular uma identificação entre os diferentes membros da sociedade alemã, possibilitado assim, o reconhecimento do diferente e do desigual, sendo possível então à reconstrução e o ajuste.

Um século depois, a preocupação com a dimensão da identidade passou a ter sentido inverso: Mead (1982), influenciado pelas teorias hegelianas, expressou uma preocupação oposta à de seu predecessor e passou a realizar estudos em prol da universalização de identidades, favorecendo a organização social e política norte- americana a partir das diferenças, formando assim uma unidade pela diversidade.

A partir destes dois autores e de suas reflexões, desenvolveu-se o conceito do “outro generalizado”, que passou a significar a dimensão para viabilizar a integração de todo indivíduo e toda característica dentro de uma sociedade. Mead, principalmente, identificou o “outro generalizado” a partir dos sistemas de comportamentos semelhantes entre membros de uma sociedade, o que evitava a possibilidade de grandes conflitos. Esse reconhecimento por si só, gerava uma relação comum de identificação de todos os indivíduos pertencentes a um determinado grupo, o que possibilitava a compreensão quanto a diferenças e desigualdades, sendo atenuadas no interior do Estado e a partir da

relação e do exercício da coletividade. Neste sentido, as teorias de identidade elaboradas por esses autores instruíram soluções de ordem política, que passaram a enfatizar a unidade, a não contradição e a não diferença.

Uma definição essencialista da identidade baseia-se na convicção de que existem traços e características comuns que todos possuem e que não se alterariam com o passar do tempo. Seja por fundamentos ancorados na biologia, na cultura ou na raça, a identidade se definiria por aquilo que é em si mesma, “autêntica” e reconhecível por todos. Por outro lado, uma definição não essencialista apelaria a uma perspectiva construcionista da identidade, na base de que o significado atribuído pelos indivíduos muda ao longo do tempo. Talvez essa última perspectiva seja a mais desenvolvida nos atuais estudos sobre cultura e identidade, reconhecendo-se sua consolidação como tradição analítica [...] que contribuirá para que, posteriormente, se estabeleça uma definição de identidade como base no seu caráter “relacional” e como resultado do jogo simbólico pela qual ela é representada. (GADEA, 2015, p. 438)

Por outro lado, o conceito de identidade contemporaneamente nas Ciências Sociais privilegia a perspectiva da multiplicidade, da diferença e do contraste. Na atualidade, a identidade é relacionada a partir da diversidade das relações sociais e modos de auto percepção e de atribuições, percebidas a partir de diversos recortes conceituais, tais como: étnicos, culturais, religiosos, nacionais, sexuais, camponeses, proletários, urbanos etc. No que se refere, particularmente, a este trabalho, não serão pormenorizadas estas definições, pois estas extrapolam os objetivos do estudo. Entretanto, levando em consideração a grande amplitude que o conceito atualmente carrega, será utilizada a noção de identidade trabalhada por Castells (2006), que se adere à perspectiva vista anteriormente e apresenta o conceito de “sociedade em rede”, oferecendo um instrumental mais apropriado aos objetivos aqui buscados.

Utilizando-se o conceitual de Castells, portanto, a identidade é compreendida como um processo de construção de significados pautados nos atributos culturais ou como conjunto de atributos culturais inter-relacionados, que prevalecem sobre outras fontes de significado. O autor considera também que um indivíduo ou uma coletividade pode possuir ainda múltiplas identidades e que esta pluralidade tende, por vezes, a configurar relações de tensão para os indivíduos, à proporção que uma forma de identificação pode estar em oposição a outras, nas quais os indivíduos apresentam campos e/ou valores diferentes.

Diante da necessidade de distinguir identidades dos papéis diferentes que os indivíduos realizam na sociedade, Castells indica que as identidades [...] constituem fontes de significado para os próprios autores, originadas por eles e construídas por meio do processo de individualização. É nessa perspectiva que ressaltou que [...] as identidades também podem ser formadas a partir de instituições dominantes [...]. E que estas, só assumem essa condição quando e se

os autores sociais as internalizem, ao construir seu significado com base nessa internalização. Assim, enquanto a definição de cultura – vista antes – configurar sistemas de significados criados historicamente e que orientam os indivíduos a dar forma, ordem, objetivo e direção a suas vidas, as identidades constituem fonte para a construção desses significados, que servem para orientar seus comportamentos (CASTELLS apud PERICO, 2009, p. 61).

Na concepção teórica de Castells, a identidade é um conceito construtivista e processual, já que para o autor qualquer identidade é construída. Sua principal reflexão é a de que a construção de identidades se vale da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e pelas fantasias pessoais, pelas relações de poder e por revelações de cunho religioso.

Castells acredita que todas essas influências são processadas pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades que as reorganizam de forma inconsciente e criam significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados na estrutura social, assim como em função da percepção que os indivíduos têm sobre o tempo/espaço e a convivência com sua comunidade.

A identidade se apresenta, por um lado, como o resultado do estabelecimento de “marcações simbólicas” que terão por objetivo outorgar sentidos e significados às práticas sociais e a relações sociais concretas, produzindo um processo de diferenciação social; e, por outro lado, como o produto de “atos de criação linguística”, ou seja, de criações sociais e culturais historicamente contextualizadas (GADEA, 2015, p. 439).

É nesta perspectiva, portanto, que a identidade é compreendida pelos programas de desenvolvimento territorial rural – em especial, Pronat e PTC – já que para os gestores dessas políticas, a construção da identidade é diretamente proporcional à relação que os indivíduos adquirem com suas unidades territoriais, o que implica considerar essas variáveis como fundamentais para o processo de desenvolvimento ao longo do tempo e do espaço.

Por isso, é de fundamental importância resgatar diversos aspectos – o processo histórico de ocupação da região; a constituição de seus grupos sociais e formas de organização social e política; os principais movimentos sociais; migrações; conflitos sociais; manifestações culturais; ambiente natural e recursos; sistemas agrários; acesso a terra; formas de produção e comercialização – tendo em vista apreender a forma como esses aspectos se inter-relacionam e são processados pelos atores sociais. Estas atividades tornam possível o alcance dos macro objetivos desses programas e demonstram claramente a forte correlação que o conceito de identidade guarda com as perspectivas conceituais de território e de gestão social, que são balizadoras dos marcos normativos destes programas. Ao compreender objetivamente estes conceitos, torna-se

mais fácil captar e avaliar se ao longo desses últimos anos, as políticas de desenvolvimento territorial rural lograram ou não êxito em seus intentos, principalmente no que se refere ao combate à extrema pobreza – objeto deste estudo – verificando, além disso, o que poderia ter sido realizado para o alcance de melhores resultados.