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Pensar em identidade, ou identidades, é pensar nos laços internos e externos de um grupo, ou de um indivíduo, o processo de definição de pertencimento e o sentimento de diferença, a produção simbólica, ou até mesmo material, de fronteiras. Stuart Hall (1995), entende que as identidades não têm tanto a ver não com as questões de "quem nós somos" ou “de onde nós viemos", elas terão muito mais a ver com as questões de “quem nós podemos nos tomar", "como nós temos sido representados" e "como essa representação afeta a forma como nós podemos representar a nós próprios" (Silva, 2008, p. 109). A representação é um ato importante para a formação de territórios urbanos, a mesma representação faz com que haja uma fronteira que delimite as ações a partir das atividades que são realizadas nos lugares em questão. Quando falamos em território, falamos também da forma que ele é usado, e para a representação existir, deve haver uma identificação com tal espaço, para entender a identificação podemos usar duas definições que Stuart Hall (1995) expõe, sendo elas a do senso comum e a da abordagem discursiva.

Na linguagem do senso comum, a identificação é construída a partir do reconhecimento de alguma origem comum, ou de características que são partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de um mesmo ideal. E em cima dessa fundação que ocorre o natural fechamento que forma a base da solidariedade e da fidelidade do grupo em questão (HALL, 1995). (...) a abordagem discursiva vê a identificação como uma construção, como um processo nunca completado — como algo sempre "em processo". Ela não é, nunca, completamente determinada — no sentido de que se pode, sempre, "ganhá-la" ou "perdê-la"; no sentido de que ela pode ser, sempre, sustentada ou abandonada (HALL, 1995).

Tendo em vista que a identificação está sempre em processo, podemos dizer que os espaços de sociabilidade LGBT, consequentemente, está sempre em um processo de mudanças, seja ela de localização, quanto de frequentadores. No mundo pós-guerra, com a globalização, a modernização das tecnologias, como também com a urbanização dos espaços, percebeu-se uma mudança cultural na maior parte do mundo contemporâneo, os costumes começaram a ser modificados, ou mesclados aos costumes já existentes. A quantidade de informações e a quebra de fronteiras físicas fizeram com que a sociedade consumisse outras formas de vivências. Quando falamos de costumes, falamos diretamente sobre cultura18, ou seja, a forma que um grupo social fala, se veste, os hábitos, crenças, arte... enfim, as práticas comuns dos indivíduos atreladas ao seu comportamento.

Com esse bombardeio de informações, o processo de construção identitário-territorial contemporânea deve ser entendido a partir das diversas formas de manifestação do chamado “hibridismo cultural”, ou seja, não é que tenham sido perdidas as identidades ou os laços com os territórios, mas sim, que há uma troca cultural maior entre os indivíduos, HAESBAERT (2002 apud Young, 2005[1995], p. 30) afirma que que a questão do hibridismo que os grupos sociais estão construindo vai operar simultaneamente de maneira dupla, “‘organicamente’, hegemonizando, criando novos espaços, estruturas, cenas e, ‘intencionalmente’, diasporizando, intervindo como uma forma de subversão, tradução, transformação”. É importante ressaltar que embora o hibridismo cultural seja uma realidade de diversos grupos, ele não é uma regra que paira

sobre todos os grupos sociais, porém é inegável que o consumo de fontes diversas para a fomentação de um território é uma prática bastante comum atualmente.

Mesmo havendo uma “mistura de culturas” para a formação de identidade, a comunidade LGBT ainda apresenta costumes únicos, tais como as vestimentas, o modo de falar, até mesmo a forma de demonstrar carinho... e embora essa maneira de viver ainda seja incompreendida e combatida por muitos, a população Lésbica, Bi, Gay, Trans, continua reproduzindo a cultura que vem desde tempos atrás (como já citado no presente trabalho) com os espaços de sociabilidade. Esses espaços de sociabilidade se sustentam a partir da identificação do indivíduo LGBT, ou seja, o território só vai ser constituído se naquele lugar o ser Homo/bit/trans se sentir livre. A liberdade é um dos pontos que podemos citar como fator para definir um território LGBT na cidade, pois é longe dos preconceitos que essa população se sente livre e confortáveis de serem quem são, sem julgamentos. E ao mesmo tempo em que o território só vai ser constituído a partir da identificação, esse território também vai ser essencial para a formação identidade da pessoa LGBT. Podemos ver a importância desses espaços no relato do Deputado Jean Wyllys.

O Gueto tem um papel importante na formação da identidade, e quando você descobre esse lugar de pessoas iguais a você, você não pode imaginar que felicidade é. A primeira vez que eu entrei numa boate gay, que eu vi dois homens se beijando, e que ninguém olhou para eles com estranheza, que ninguém apedrejou, que ninguém xingou, muito pelo contrário, que todo mundo estava ali fazendo a mesma coisa, eu pensei ‘o paraíso existe’. Você encontra pessoas iguais a você, pessoas iguais a você no mundo, e isso é fundamental para a saúde psíquica, além de saber que você não é errado, que você não é único, que há pessoas iguais a você, e você cria com essas pessoas um vínculo de solidariedade – um laço de solidariedade –, um sentimento de pertencimento que faz nascer a comunidade LGBT, que faz nascer o movimento LGBT. (WYLLYS, 2017).

Portanto, quando é encontrado um espaço para as práticas abominadas, o indivíduo LGBT passa a se sentir parte de algo, dessa forma, os territórios passam a ser formados na urbe, apresentando um símbolo de liberdade, uma identificação onde o ser pensa “eu me identifico com esse ato, e não há nada

de errado no que eu sou”, e assim sendo possível definir esses territórios a partir dos costumes presentes em tais espaços. Contudo, muitos desses territórios não são permanentes, e estão sendo sempre “desocupados” ou ressignificados por esses indivíduos, indivíduos esses que passam a ocupar outros espaços, estando assim sempre em um processo de reterritorialização e de multiterritorialidade.

O processo de reterritorialização dos indivíduos LGBT no cotidiano urbano, principalmente na cidade de Natal/RN, é uma prática comum nos espaços que são apropriados (as praças públicas, por exemplo), diferentes dos espaços dominados – aqueles que são criados para fins econômicos (baladas, pubs, bares, saunas...) – que ao invés de uma reterritorialização, percebe-se mais um processo de multiterritorialidade. Podemos dizer que esse processo de reterritorialização só é possível a partir de um desterritorialização, vale frisar que essa desterritorialização aqui citada não é a defendida por alguns atores como a “perda de um território”, mas sim, como uma mobilidade de território pela falta de opção de espaços de livre acesso para a sociabilidade, como afirma Haesbaert (2003):

Desterritorialização, para os ricos, pode ser confundida com uma multiterritorialidade segura, mergulhada na flexibilidade e em experiências múltiplas de uma mobilidade "opcional" (a "topoligamia" ou o "casamento com vários lugares a que se refere BECK, 1999). Enquanto isso, para os mais pobres. a desterritorialização é uma multi ou, no limite, a-terrirorialidade insegura, onde a mobilidade é compulsória, resultado da total falta de opção, de alternativas, de "flexibilidade", em "experiências múltiplas" imprevisíveis em busca da simples sobrevivência física cotidiana. Caminho fácil para a reinserção social em circuitos territorialmente segregados e segregadores.

Tomar essa afirmação para defender a questão da desterritorialização dos espaços LGBT não é afirmar a condição do LGBT como um ser financeiramente pobre, mas como um pertencente do gueto, em uma posição onde há uma estranheza por parte da sociedade à idealização do indivíduo assumido quanto homo, bi, ou trans. A multiterritorialidade não foge da realidade dessa reterritorialização – conceito tratado quanto a condição de adaptação à novos territórios –, como o autor afirma, essa mobilidade do ser

“pobre” é compulsória, resultado da falta de opção, essa falta de opção que pode ser observada na capital potiguar também respinga nos espaços empresarialmente criados, a diferença é que esses espaços não sofrem uma “desterritorialização”, ou seja, uma perda total de público para que outros espaços possam existir, mas eles existem enquanto outros existem, assim sendo vivenciados com uma multiterritorialidade, não só na questão da quantidade de espaços, mas sim pela possibilidade da existência simultânea.

Multiterritorialidade inclui assim uma mudança não apenas quantitativa – pela maior diversidade de territórios que se colocam ao nosso dispor (ou pelo menos das classes mais privilegiadas) – mas também qualitativa, na medida em que temos hoje a possibilidade de combinar de uma forma inédita a intervenção e, de certa forma, a vivência, concomitante, de uma enorme gama de diferentes territórios (HAESBAERT, 2004).

Portanto, a interferência externa, ou até mesmo a perda de identificação com o espaço de sociabilidade, faz da comunidade LGBT potiguar, seres em constante movimento, territorializando diversos espaços na cidade, muitas vezes em tempos diferentes.

4. TERRITÓRIOS EM MOVIMENTO: A CONSTANTE BUSCA PELO ROLÉ LEGAL NA CIDADE DE NATAL

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