• Nenhum resultado encontrado

Fora do armário: uma análise geográfica dos espaços de sociabilidade LGBT em Natal entre 2014 e 2017

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Fora do armário: uma análise geográfica dos espaços de sociabilidade LGBT em Natal entre 2014 e 2017"

Copied!
149
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

MATHEUS SOARES FERREIRA

FORA DO ARMÁRIO: UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA DOS ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE LGBT EM NATAL ENTRE 2014 E 2017

NATAL/RN 2018

(2)

MATHEUS SOARES FERREIRA

FORA DO ARMÁRIO: UMA ANÁLISE GEOGRÁFICA DOS ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE LGBT EM NATAL ENTRE 2014 E 2017

Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para obtenção do título de bacharel em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientador: Prof. Dr. Alessandro Dozena.

NATAL/RN 2018

(3)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Ferreira, Matheus Soares.

Fora do armário: uma análise geográfica dos espaços de sociabilidade LGBT em Natal entre 2014 e 2017 / Matheus Soares Ferreira. - 2018.

149f.: il.

Monografia (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Bacharelado em Geografia. Natal, RN, 2018.

Orientador: Prof. Dr. Alessandro Dozena.

1. Minorias Sexuais - Monografia. 2. Espaço de Sociabilidade - Monografia. 3. LGBTfobia - Monografia. I. Dozena, Alessandro. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 911.3:316.837(813.2) Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-CRB-15/748

(4)

Aos LGBTs que derramaram sangue e deram suas vidas para que hoje eu pudesse ter voz, e a todos os LGBTs que, em meio a tanta intolerância, resistem dia após dia. Obrigado por dar luz à nossa existência.

(5)

AGRADECIMENTOS

Confesso que o momento dos agradecimentos sempre foi um dos momentos mais esperados por mim para inserir em um trabalho de conclusão de curso, apesar de não ser uma tarefa fácil, é o momento em que se consolida toda a minha gratidão às pessoas que estiveram ao meu lado durante o meu percurso para chegar ao ser que sou hoje. E é a eles que demonstro aqui toda a minha gratidão em forma de palavras, pois sem cada um destes a tarefa de escrever um monografia teria sido elevada ao cubo no nível de dificuldade.

Às LGBTs que foram a base para a fomentação do presente trabalho, à todos e todas que responderam as pesquisas, aos que contribuíram com depoimentos, como o Marcos que me deu a oportunidade de saber um pouco sobre a sua vida na noite LGBT natalense no começo dos anos 2000, ao Gabriel que me permitiu saber mais sobre quando ele era a Luma nas noites do Enigma, ao Julio, à Luana, ao Edinho e seu esposo que deram a cara para filmarmos nosso mini-documentário, além da Aicha, mulher, trans, não-binária, guerreira, símbolo de resistência e quem nos deu uma entrevista incrível, à Gabi, sapatão maravilhosa, “rainha do Carrefour” – como a mesma se intitula –, e à Duda, uma moça arretada que em muitas vezes me deu suporte para a gravação de cenas dos seus colegas.

Ao grupo VDC audiovisual que abraçou, sem pensar duas vezes, as minhas ideias para o projeto de vídeo que compõe a apresentação do trabalho, e em especial ao Igor Estelito e à Débora que junto a mim passou uma noite em claro trabalhando na montagem do mesmo. Obrigado por fazer parte desse momento. E ao Pedro que ajudou na aplicação dos questionários.

À Eugênia Dantas, professora que acreditou de primeira na capacidade deste trabalho, mas especialmente, gostaria de agradecer ao Alessandro Dozena, professor orientador que abraçou a ideia, e que assim como eu, tem ideias para temas revolucionários para a Geografia brasileira, professor esse que eu levo como exemplo para a minha profissão no futuro. Muito obrigado por acreditar junto comigo neste estudo, e ajudar a dar visibilidade dentro da Geografia aos LGBTs.

Aos meus amigos de trabalho, em especial ao Fillipe e a Karol, que me suportaram em diversos momentos no último ano, e também ao Rubens Trindade,

(6)

meu supervisor que me deu apoio profissional e emocional, o qual eu agradeço pela compreensão. Carregarei vocês comigo para o resto da vida.

Aos colegas de curso André Fernandes e a Barbara Praxedes que, durante a nossa gestão do Centro Acadêmico, sempre suportaram, foram prestativos e curiosos quanto ao presente trabalho. Aos colegas de turma, Vinnícius Dionízio, Anderson Moura e Jhonatan Lima que sempre se demonstraram atenciosos e dispostos a me darem apoio, sobretudo com os mapas cartográficos. E as minhas meninas; Lígia Tomaz e Tatiane Rafaela que me ajudaram tanto na caminhada que foi a graduação. Não tenho palavras para descrever o quanto sou grato a vocês.

À minha prima Alynne Mayara, à Anna Paula Freitas, Diego Sena, Lukas Patrick e Kelvin Lanardi, amigos que compartilharam a sua vida, sorrisos e algumas lágrimas, pessoas os quais que me ensinaram que família não precisa essencialmente ser de sangue para ser família, o que basta é amar e se respeitar. Obrigado pelos últimos anos e por me darem suporte para a produção deste trabalho.

À Nádja Mikaele, uma irmã que o universo me deu, agradeço por estar presente e sempre se preocupar em saber como eu estou. Obrigado por compartilhar a sua vida comigo e permitir que eu faça o mesmo contigo, isso foi essencial para a minha formação como ser-humano.

Ao Felippe Augusto que, durante quatro intensos anos de convivência juntos, mesmo com os altos e baixos da vida, me motivou e continua me motivando a ser uma pessoa mais madura, e a lidar com os problemas de uma forma diferente. Agradeço por compartilhar momentos incríveis comigo, e por me ensinar, verdadeiramente, os significados das palavras companheirismo e cumplicidade.

Agradeço a minha avó Francisca Francinete e a minha avó Margarida por me ensinarem o significado de luta. Esse trabalho também é de/para vocês.

Ao meu irmão; Murilo Henrique, pessoa no qual eu agradeço por me dar e expressar todo o amor que sente, sentimento total confortante para mim, como irmão mais velho.

Por fim, agradeço e dedico, de todo o coração, com amor, carinho e admiração àqueles que sempre estiveram comigo, me suportaram, se sacrificaram e se esforçaram para me oferecer o melhor em todos os sentidos: Meus pais, Hélia Soares

(7)

Ferreira e Ataides dos Santos Ferrreira. Esse trabalho, assim como todas as minhas outras conquistas serão dedicadas à vocês. Sempre serei grato pelos ensinamentos de vida e por me proporcionarem crescer em um ambiente diverso e plural. Certamente, se não fosse essa vivência e convivência com a diversidade de pessoas, eu não seria quem sou hoje, e não teria os ideais que hoje carrego comigo e expresso neste trabalho. Muito obrigado!

(8)

“não queremos acabar com a heterossexualidade ou com a família, só não queremos que nossas famílias sejam invisibilizadas. O que falta é todos os cidadãos nos verem como seres humanos e pararem de nos matar”. (Potyguara Bardo)

(9)

RESUMO

O trabalho é uma análise acerca dos espaços de socibilidade LGBT, e assume o risco de abordar toda a comunidade LGBT. Não será tratado aqui sobre grupo L, G, B ou T, mas o território da prática de sociabilidade LGBT como um todo, sem desintegrá-lo, indo de encontro à uma cultura que abomina uns, visibiliza outros e invisibiliza tantos outros da sigla. Dado isso, tem-se como campo de análise dois expressivos espaços de sociabilidade LGBT na cidade de Natal/RN no período de 2014 a 2017; O Enigma Hall e o Estacionamento do Carrefour. Como procedimentos metodológicos para a análise, realizou-se uma observação de campo, entrevistas com frequentadores, aplicação de questionários in loco e online, além de registros fotográficos e de vídeo. A partir dos procedimentos foi possível obeservar que tal prática estabelece dinâmicas no território que (re)cria constantemente o espaço urbano e modifica sua paisagem. A consulta a materiais bibliográficos foi necessária para um maior embasamento teórico acerca do tema, proporcionando uma reflexão teórico-empírica a respeito de temas como; território, corpo e identidade. O que nos conduzirá a discussões sobre como a LGBTfobia, o movimento LGBT e a sua cultura no cotidiano da urbe.

Palavras-chave: Espaços de sociabilidade. LGBT. LGBTfobia.

(10)

ABSTRACT

The current work is an analyse about places of sociabilty LGBT, and takes the risk of of approach the entire LGBT cumunity. It will be not treat in here about L, G, B or T groups, it will be treat about the whole territory, without desintegrating it, to meet the social culture, wich abominates some, gives visilibity to others and make so many others invisible. Given this, it has two notorious spots of LGBT sociability as field of analysis in Natal/RN city, for the period from 2014 to 2017; Enigma Hall and Carrefou’s parking lot. As methodological procedures for analyse, a field observation was carried out, interview questions in person, interview questions in loco and online, in addition to fotos and vídeos record. From the procedures it was possible to observe that such practice stablish dynamics in the territory that they recreate constantly the urban spot and modfy the city view due the effect. Consultation of bibliographic materials it was necessary to a bigger theoric-fundament around the subject-matter, affording a theoretical-empirical about subjects how; territory, body and identity. Wich will guide us to discurssions about the LGBTphobia, the LGBT cause and your culture being part of the city daily.

(11)

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Triângulo rosa ... 35

Imagem 2: Triângulo preto ... 35

Imagem 3: Triângulo rosa e amarelo ... 35

Imagem 4:Prisioneiros homossexuais no campo de concentração nazista ... 36

Imagem 5: Protesto após a revolta em Stonewall Inn ... 39

Imagem 6: Policiais e manifestantes na revolta em Stonewall Inn ... 39

Imagem 7: Protesto contra opressão a trabalhadores homossexuais no 1º de maio de 1980 ... 46

Imagem 8: Manifestação contra a repressão policial do delegado José Wilson Richetti ... 47

Imagem 9: Participação do Movimento Negro na manifestação contra a repressão policial do delegado José Wilson Richetti ... 48

Imagem 10: Deliberações do 8º EBGL ... 51

Imagem 11: Performance de Drag Queen na Avesso ... 72

Imagem 12: Drags se apresentando na boate Feitiço ... 73

Imagem 13: Fachada do Galpão 29 ... 78

Imagem 14: Vera Verão em A Praça é Nossa ... 86

Imagem 15: Vovó Mafalda ... 86

Imagem 16: Neide Taubaté, personagem de Chico Anysio ... 87

Imagem 17: Rupaul ... 89

Imagem 18: Compilado de comentários de uma matéria sobre drags em um site da internet ... 93

Imagem 19: Paisagem vista do alto do Talude para a Avenida Senador Salgado Filho ... 102

Imagem 20: Descrição da retomada do Carrefour pelos LGBTs ... 108

Imagem 21: Nota do Carrefour ... 108

Imagem 22: Caminhada e ao fundo sociabilidade ... 110

Imagem 23: Criança de bicicleta e a o fundo a sociabilidade acontecendo ... 113

(12)

Imagem 25: Gelo-baiano usado como “mesa” para o consumo de bebida alcoólica .... 115

Imagem 26: Faixa “POR UM RN SEM LGBTFOBIA ... 118 Imagem 27: Adesivos distribuídos no evento ... 120 Imagem 28: Público com camisa “NÃO HÁ CURA PARA O QUE NÃO É DOENÇA” ... 121

Imagem 29: Modelo da camiseta “NÃO HÁ CURA PARA O QUE NÃO É DOENÇA” .. 121

(13)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Espaços LGBT – Natal/RN – Década de 80 ... 70

Figura 2 – Território do Enigma ... 81

Figura 3 – Território do Carrefour e Territorialidades ... 100

(14)

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Publicações Geográficas no Brasil, com temas relativos a sexualidades

(1990-2012) ... 32

Gráfico 2 – Quantidade de respondentes em % que ainda frequentam e dos que não frequentam mais o Carrefour ... 99

Gráfico 3 – Idade dos respondentes. ... 103

Gráfico 4 – A diversidade do Vale ... 103

Gráfico 5 – Local de residência dos LGBTs do C4, por Zona Administrativa ... 104

Gráfico 6 – Qual meio de locomoção usado para ir sociabilizar ... 104

Gráfico 7 – Em quais dias da semana os LGBTs vão ao Carrefour ... 106

(15)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Mortes de LGBT no Brasil em 2017 ... 27 Tabela 2 – VARIAÇÃO DA POPULAÇÃO URBANA DO BRASIL (em mil habitantes) 56

(16)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIG: Brasileira de Imprensa Gay AI-5: Ato Institucional Número Cinco

AIDS: Síndrome de Imunodeficiência Adquirida Bi: Bissexuais

BNH: Banco Nacional de Habitação

CID: Classificação Internacional de Doenças COC: Center for Culture and Recreation

CORSA - Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor DST: Doença Sexualmente Transmissível

EBGL: Encontro Brasileiro de Gays e Lésbica GALF: Grupo de Ação Lésbico-Feminista GETE: Grupo de Estudos Territoriais GGB: Grupo Gay da Bahia

GLBT: Gays, Lésbicas, Bissexuais, Tavestis e Transexuais GLS: Gays, Lésbicas e Simpatizantes

HIV: Vírus da Imunodeficiência Humana

IBEVAR - Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo LF: Grupo Lésbico-Feminista

LGBT: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais OAB: Ordem dos Advogados do Brasil

OMS: Organização Mundial de Saúde ONG: Organização Não-Governamental PT – Partido dos Trabalhadores

SEMURB: Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo SUDENE: Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste TGEu: Transgender Europe

(17)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 18

2 QUEM É ESSA GALERA QUE SAIU DO ARMÁRIO? ... 23

2.1 A sopa de letrinhas. Conhecendo o grupo ... 23

2.2 A Teoria Queer, o ser Queer, e o espaço geográfico ... 28

2.3 O movimento LGBT dando pinta ... 33

3 O AR DA CIDADE QUE TRÁS LIBERDADE: TERRITÓRIO LGBT E SUAS TERRITORIALIDADES ... 54

3.1 O território do simbolismo dentro da cidade e sua territorialidade ... 58

3.2 Identidade, cultura e a definição de territórios urbanos ... 61

4 TERRITÓRIOS EM MOVIMENTO: A CONSTANTE BUSCA PELO ROLÉ LEGAL NA CIDADE DO NATAL ... 66

4.1 O uso noturno da cidade do Natal para a sociabilidade LGBT ... 66

4.2 O Enigma ... 80

4.3 “O vale” é um talude ... 96

5 PARADA LGBT DE NATAL: FESTA E MILITÂNCIA ... 118

(18)

1. INTRODUÇÃO

A população LGBT sempre viveu às margens da sociedade, poucos eram aqueles que eram bem-sucedidos e bem vistos pela sociedade, atualmente muita coisa mudou, mas não completamente. O fato de viverem excluídos, nunca anulou o fato de existir. A cultura machista que predomina na sociedade ocidental fez com os indivíduos que não seguem o padrão imposto procurassem espaços afastados de quem era “normal”. Assim constitui-se uma sociabilidade guetificada que marca a vida dos LGBTs em todo o mundo. Trazer tal discussão para a Geografia é explorar novos horizontes. Os estudos sobre a população LGBT estão relacionados a uma reflexão que envolve a sexualidade e a corporeidade, contudo, tais estudos ainda são poucos abordados na Ciência Geográfica.

Neste contexto, essa pesquisa realiza a análise geográfica dos espaços de sociabilidade LGBT em Natal/rn nos anos de 2014 a 2017; a população que compõe, semanalmente, o estacionamento de um hipermercado, e as performidades dos corpos LGBT fortificada na noite, sobretudo no Enigma Hall. A “brincadeira” presente no título é uma expressão do “mundo LGBT”, onde estar dentro do armário significa que você ainda não se aceita por completo e tem receio de se assumir como Lésbica, Gay, Bissexual ou Trans, então quando o indivíduo sai do armário ele tira toda a amarra que antes o sufocava e lhe causava claustrofobia. Afirmar-se como LGBT é um ato de coragem para cada indivíduo pois este passa a ser mais vulnerável a preconceitos e agressões. Os indivíduos LGBTs nos últimos anos estão tendo mais coragem para sair do armário e mostrar em público a sua existência da forma que se sente, o campo pesquisado partiu da análise empírica de alguns espaços que estão constantemente sendo ocupados por tais indivíduos na cidade. Dessa forma se faz em evidência uma temática atual de cunho geográfico, sobretudo, e traz, aspectos relevantes à compreensão das dinâmicas sociais em relação a forma que se porta o LGBT na urbe, sendo esse grupo agentes da realidade socioterritorial. E é nesses espaços de sociabilidade que encontramos elementos empíricos que para o problema da pesquisa, partido do questionamento de “como são moldados os espaços de convivência LGBT que

(19)

(re)criam constantemente territórios multifacetados na cidade?”. A esse questionamento outros se somaram, tais como: Como os espaços de sociabilidade LGBT podem ser relacionados à análise geográfica? Faltam espaços na cidade para que os LGBTs convivam da forma que gostam? A sociabilidade é resistência? Como o movimento político LGBT, se relaciona aos espaços de sociabilidade e à Geografia?

Enquanto sujeito, o desejo de estudar tais espaços no contexto geográfico se deu por desde os 14 anos de idade estar inserido nos espaços que foram apropriados pela população LGBT. A vida noturna e a sensação de liberdade de viver a minha condição sexual sempre foi muito atraente, tanto é que eu me deslocava com frequência da cidade onde eu moro na região metropolitana de Natal, para a capital potiguar, apenas no intuito de conhecer e me relacionar com outros iguais, além de apreciar a paisagem urbana moderna que a “cidade grande” proporcionava. Tais experiências foram essenciais para que, em campo, eu soubesse como me portar quanto pesquisador em um “habitat natural” de um indivíduo, mas dessa vez como observador e não mais como consumidor do espaço.

Assim foi tida duas hipóteses, a primeira é relativa à vivência dos indivíduos, ela parte da percepção de que o LGBT, pela condição de minoria marginalizada e pelo desejo de novas relações sociais, impulsionada pela intolerância vivenciada tanto pelas atuais gerações, quanto pelas gerações passadas, buscam encontrar espaços de sociabilidade LGBT específicos na cidade. E a segunda, relativa a questão da identidade com os espaço: Onde os territórios e espaços de convivência afetiva da população LGBT são frutos da necessidade dessa população de expressar suas emoções e seus sentimentos sem nenhuma barreira que é imposta pela sociedade heteronormativa e machista, tornando esses locais um espaço de manifestação da cultura LGBT e de locais de resistência. Então, dentro dessas questões, existem diversos fatores que podem ser essenciais para delimitar um espaço de convivência como território da sociabilidade LGBT.

Para nortear a investigação do problema, definiu-se como objetivo geral: Analisar como os espaços de sociabilidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros – que estão em constante processo de (re)criação – se consolida na configuração espacial da cidade a partir das

(20)

relações dos grupos envolvidos; e como objetivos específicos, identificar os fatores que levam a população LGBT a buscarem determinados espaços para convivência; compreender o território eda territorialidade como forma de limitação e delimitação em espaços específicos; relacionar a sociabilidade LGBT às discussões acerca de temas como: LGBTfobia, machismo, liberdade, segurança e legislação.

A base teórica está assentada sobre conceitos referentes a: sexualidade, espaço e território, territorialidade, identidade, corpo e o uso noturno da cidade. Os autores que sustentam a temática são Silva (2009) e Ornat (2011) que abordam um olhar sobre as questões de gênero e sexualidade na Geografia brasileira. Para entender do movimento social LGBT, filósofos como Simões (2009), Facchini (2002) e Green (2000) foram essenciais para o processo de criação. No que diz respeito às bases teóricas da ciência geográfica – espaço, território e territorialidade, principalmente – evidencia-se Lefebvre (2000), Haesbaert (2006), Santos (1996), Sack (1986) e Costa e Martins (2013). Para fomentar a discussão que sobressai ao uso noturno da cidade destaca-se as discussões do geógrafo francês Gwiazdzinski (2015). Outros teóricos foram necessários para o fomento da discussão da problemática como; Hall (1995), Buttler (1990) e Damásio (2011).

Neste sentido, como informa Freitas (2016) devemos ressaltar que ainda há uma tradição na Geografia de privilegiar estudos pautados na utilização de dados mais quantitativos e arquivos documentais oficiais, sendo percebido essa ausência na questão da discussão na produção geográfica de artigos, trabalhos de conclusão de curso e em livros. O que afirma a justificativa deste trabalho, já que vemos na ciência geográfica uma invisibilidade de uma minoria. Assim sustenta-se a necessidade de novos caminhos teóricos e até mesmo metodológicos para dar voz às minorias.

Assim, tornou-se necessário ir aos espaços de sociabilidade, ou buscar relatos de seus atores, para compreender a necessidade de um espaço LGBT dentro da cidade, além de procurar entender como alguns espaços fortalecem a cultura LGBT dentro da cidade. Referenciando Gomes (2013), é preciso concordar que esse é um procedimento propriamente epistemológico, ou seja, não estou querendo apenas acrescentar o conteúdo acerca da sociabilidade LGBT à um tema geográfico, mas sim, me perguntado sobre as possibilidades

(21)

de descobrir novas questões a partir de um "outro olhar". Como Gomes (2013, p. 16) cita: Em outras palavras, o objetivo aqui é criar condições para gerar uma "outra visibilidade" do fenômeno.

No tocante aos procedimentos metodológicos, buscou-se por meio de observação dos territórios analisados, sustentado pela memória afetiva de ex-frequentadores, bem como pela interação entre o pesquisador e os grupos que ainda frequentam os espaços em evidência, sobretudo, o estacionamento do Carrefour, analisar os espaços de sociabilidade LGBT. Para isso, no Carrefour foram utilizados procedimentos como a observação in loco, pesquisa de campo com aplicação de questionário aos frequentadores no local e online para frequentadores (que não estavam na data da pesquisa) e ex frequentadores, registros fotográficos e de vídeo, além de anotações em diários de campo acerca dos relatos de experiências e do significado que aqueles espaços têm para o indivíduo LGBT. A pesquisa no local ocorreu no dia 26 de janeiro de 2018 e contou, ainda, com entrevistas livres. A respeito do Enigma Hall, para o entendimento da cultura LGBT foi feito um levantamento bibliográfico de relatos em redes sociais, além de conversas abertas com frequentadores e um produtor de festas local.

No tocante do caráter político LGBT, foi realizado um campo na parada LGBT+ de Natal no dia 04 de novembro de 2017 no bairro de Ponta Negra. No dia em questão foi feita uma análise acerca do perfil dos frequentadores, observação in loco, entrevistas livres sobre o significado da parada para os frequentadores, conversas abertas e aplicado um questionário estruturado com trabalhadores informais para termos noção da importância do evento para a geração de renda. Até a presente data da confecção deste trabalho não houve retorno da organização do evento a respeito das perguntas realizadas aos mesmos via redes sociais.

No mais, durante todo o processo de preparação do trabalho foi realizado levantamentos documentais em sites, jornais, blogs e redes sociais, além de uma constante revisão bibliográfica para dar embasamento teórico ao estudo.

Após as observações empíricas realizadas e os levantamentos bibliográficos feitos, a monografia, após esta introdução, foi estruturada com mais 4 capítulos mais as considerações finais presente no capítulo 6.

(22)

significa cada letra, além de mostrar alguns dados relacionados à vivência dessa população, sobretudo no Brasil. Também aborda a temática dos estudos sobre a sexualidade na Geografia, e traz uma abordagem histórico-geográfica do movimento LGBT e sua relação com os espaços de sociabilidade. Já o capítulo 3 apresenta a discussão sobre os fatores para a formação dos territórios LGBT na cidade, e a identidade, a cultura com a definição de territórios urbanos. No capítulo 4 a discussão verticaliza-se ao recorte espacial proposto: A cidade de Natal. Nesse capítulo será discutido o uso noturno da cidade, apresentando uma análise histórica dos espaços de sociabilidade LGBT. É nele que está presente as pesquisas relacionadas ao Enigma Hall e ao Carrefour, abordando as questões discutidas nos capítulos que o antecedem, além de reforçar a discussão acerca da performance do corpo do indivíduo. A parada LGBT e sua dimensão política está presente no capítulo 5 que mostra que a festa também é militância. Por fim, o capítulo 6 apresenta as considerações finais e as questões acerca do tema.

(23)

2. QUEM É ESSA GALERA QUE SAIU DO ARMÁRIO?

2.1 A sopa de letrinhas. Conhecendo o grupo.

LGBT. Essa sigla vem sendo vista e ouvida constantemente há um tempo. Há quem ainda use os termos GLS, GLBT..., portanto, o termo em mais uso atualmente para denominar a diversidade sexual no Brasil é “LGBT”, no qual significa “lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros”. Embora existam variações para as siglas que denominem essa diversidade, este trabalho vai se ater apenas ao termo LGBT, mesmo ciente que haja uma gama de especificidades que acompanhem todas essas pessoas. Apesar das questões LGBT virem ganhando uma maior visibilidade nos últimos 10 anos, os termos, as variações e as denominações ainda costumam embaralhar a cabeça de muita gente, friso que o objetivo deste trabalho não é tratar as questões identitárias do indivíduo como LGBT, mas se vê necessário conhecer essa população.

Para iniciarmos a discussão sobre a questão das “denominações” devemos esclarecer que identidade de gênero não tem a ver com o sexo do indivíduo. O sexo é biológico, determinado por cromossomos ou pela formação genital (que não é o fator máster para definir o sexo da pessoa), ou seja, o sexo é o que comumente chamamos de masculino e feminino, portanto também é encaixado dentro da categoria “sexo” os indivíduos intersexuais, onde as características biológicas do ser intersexual não cabem nas duas categorias culturalmente construídas de “fêmea” e “macho”. Por exemplo, uma pessoa pode nascer parecendo ser do sexo masculino por fora (o corpo do intersexo pode apresentar características masculinas como, mamilos separados, tórax largo, bigode com pelos grossos...), mas tendo a maior parte de sua anatomia interna tipicamente feminina, como por exemplo, um ovário, ou o sistema reprodutor tipicamente feminino todo estruturado.

Outro ponto para ser ressaltado é que identidade de gênero é diferente de orientação sexual, a orientação sexual do indivíduo vai ser definida por qual sexo ela sente atração sexual/amorosa; se for pelo sexo oposto ele é tido como heterossexual, pelo mesmo sexo: homossexual; pelos dois sexos: bissexual; e os que não se limitam apenas ao gênero masculino ou feminino, e se

(24)

interessam por todos os diferentes tipos de sexualidades: pansexual. Quando não se sente atraído por nenhum dos sexos, seja qual for a identidade de gênero que possuam, o indivíduo pode ser denominado como assexual. A identidade de gênero é, em poucas palavras, a maneira como a pessoa se sente em relação ao gênero atribuído à ela no seu nascimento, e a partir daí se utiliza comumente dois termos: transgênero (pessoa que não se identifica com as características do sexo designado a ela no nascimento) e cisgênero (pessoa que se identifica com as características do gênero designado a ela no nascimento), portanto, embora esses dois termos sejam os mais utilizados, existem os “agêneros”, que são aquelas pessoas que não se sentem completamente femininas, nem completamente masculinas, elas inclusive, podem se identificar com ambos simultaneamente, ou com nenhum dos sexos. Agora, entendendo um pouco melhor às questões identitárias que possam ou não classificar um indivíduo, podemos partir para uma maior explicação sobre aquelas letras que estão em caixa alta no início deste tópico.

O “L”, está relacionado à categoria das lésbicas. De acordo com o Dicionário do Aurélio (2017), lésbica é relativo à homossexualidade feminina, ou seja, trata-se de uma mulher que se atrai/sente algum desejo físico por outra mulher. Vale ressaltar que o desejo, a orientação sexual e a identidade de gênero não tiram da mulher lésbica o “status” de mulher, seja ela cisgênera ou transgênera (Patrícia Mannaro, 2017). Na 1ª Conferência Nacional GLBT, realizada na cidade de Brasília no período de 5 e 8 de junho de 2008, no então governo Lula, foi aprovada a alteração do termo GLBT para LGBT. A mudança se deu para dar uma maior visibilidade às lésbicas, sendo essa mudança uma forma de empoderamento feminino, por entender que a mulher lésbica sofre dupla opressão: Por ser mulher, e por sentir desejo por mulheres, saindo totalmente do padrão heteronormativo e patriarcal que condena as expressões homoafetivas e impõe que a mulher deve ser submissa ao homem.

O “G”, dentro da nossa sigla em questão, está relacionado aos gays. O termo “gay” utilizado para definir a homossexualidade masculina, vem do vernáculo inglês onde gay significa “alegre” / “jovial”, o que não significa que foi utilizado para denominar os homens homossexuais por eles serem felizes. O termo “gay” começou a ser utilizado, com a função que tem hoje, para ofender os rapazes homossexuais, contudo os mesmos passaram a se apropriar do

(25)

termo não mais como algo negativo, mas sim para denominar a categoria, sendo assim, gay é o rapaz que sente atração por outro rapaz. Possivelmente a categoria gay – isto é, quando o indivíduo é cisgênero – é a que tem maior expressão e visibilidade na sociedade quando se diz respeito à comunidade LGBT. É muito comum ver um homem gay (assumido) em novela, na música, no dia-a-dia... Contanto, isso não anula os preconceitos e os constantes ataques que a categoria vem sofrendo por não respeitarem os já citados padrões.

O “B” está relacionado ao indivíduo bissexual. O bissexual, por sentir atração pelos dois sexos, muitas vezes é tido como “indeciso” ou “em cima do muro”, por isso é constantemente julgado, pois imagine, se as lésbicas ou os gays já são julgados com olhos de sodomia, o bissexual que tem – à grosso modo – o desejo hétero e homossexual dentro de si, é o próprio diabo.

A letra “T”, dentro da nossa sopa de letrinhas, diz respeito à população trans, na qual engloba transexuais, travestis, e transgêneros1. A terminologia “T” tem origem no prefixo “Trans” que tem como definição “além de”, “através de”. Resumindo, as pessoas que estão em trânsito entre os gêneros/sexo binários feminino/masculino. A população trans, dentro da comunidade LGBT, é a única que de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), publicada pela OMS - Organização Mundial de Saúde, ainda é tratada como “Transtornos da personalidade e do comportamento do adulto”, ou seja, um distúrbio. Dessa forma, a luta trans tem sido constante, tanto para o reconhecimento da mesma pelo ser que ela é (o que inclui o cumprimento do uso do nome social, ou até o simples ato de usar o banheiro condizente ao gênero no qual se identifica), quanto pela luta para que a sua identidade não seja relacionada a um distúrbio, além dessas lutas de reconhecimento, ainda lida com a luta para se manter viva, onde no mundo foi registrado cerca de 2.190 mortes nos últimos oito anos (de acordo com a data de publicação da pesquisa) causada por transfobia, sendo o Brasil, líder dos países que mais matam pessoas trans no mundo (cerca de 868 de mortes), de acordo com os dados publicados pela ONG Transgender Europe (TGEu) em novembro de 2016. Em depoimento à um vídeo em um canal do Youtube nominado de “Canal

(26)

De Dentro Pra Fora”, Rebecka de França, presidente da Associação de Travestis e Transexuais Potiguares – Atransparência/RN e Representante Nacional do Conselho Contra a Discriminação no RN, relata os problemas que a população T sofre também devido as políticas públicas voltadas à essa parcela da população não serem levadas à sério, ela diz:

[...] a gente tem que mendigar, tem que, muitas vezes, se prostituir... É um vasto caminho que a gente percorre; contato com drogas, aliciamento, exploração... O mundo da travesti é meio difícil e complicado de se entender. FRANÇA (2015).

A população LGBT, em geral, está sempre sendo vítima de constantes ataques devido ao ódio contra essas pessoas. Para termos dimensão desse fato; a relação homoafetiva é considerada crime em cerca de 73 países no mundo, onde em 13, para o homossexual, é prevista a pena de morte (MANTOVANI, 2016). Em uma dimensão mais local, de acordo com o relatório do Grupo Gay da Bahia – GGB (2017), no ano de 2017, 445 LGBT+2 (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) morreram no Brasil, (incluindo-se três nacionais mortos no exterior) vítimas da homotransfobia, esse número total nos indica que a cada 19 horas um LGBT+ é barbaramente assassinado, ou se suicida, vítima da LGBTfobia no nosso país.

O que faz do Brasil o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. Segundo agências internacionais de direitos humanos, matam-se muitíssimo mais homossexuais aqui do que nos 13 países do Oriente e África onde há pena de morte contra os LGBT. Grupo Gay da Bahia – GGB (2017).

Devido à ausência de órgão públicos que registrem tais mortes, todos esses dados são contabilizando através de informações dos meios de comunicação. Dos 445 registros de mortes, 387 dos mortos foram assassinatos e 58 deles cometeram suicídios, tudo isso impulsionado pela LGBTfobia. Na tabela 1 podemos ter uma dimensão quantificada do total desses crimes por

2 A utilização do “+” após a sigla é usado para abranger as pessoas de ambos os gêneros que possuem

(27)

estado brasileiro, incluindo o Distrito Federal e os brasileiros que morreram fora do Brasil.

Tabela 1 – Mortes de LGBT no Brasil em 2017 Estados + Distrito Federal e o

exterior Número de mortes Acre 7 Alagoas 23 Amapá 2 Amazonas 18 Bahia 35 Ceará 30 Distrito Federal 8 Espirito Santo 17 Goiás 12 Maranhão 6 Mato Grosso 15

Mato Grosso do Sul 8

Minas Gerais 43 Pará 19 Paraíba 13 Paraná 23 Pernambuco 27 Piauí 3 Rio de Janeiro 29

(28)

Rio Grande do Sul 15 Rondônia 5 Roraima 3 Santa Cantarina 7 São Paulo 59 Sergipe 5 Tocantins 4 Exterior 3 Total 445

Fonte: Grupo Gay Da Bahia – GGB (2017).

Dessas 445 vítimas documentadas no ano de 2017, segundo ainda o relatório do Grupo Gay da Bahia – GGB, 194 eram gays3 (43,6%), 191 trans4 (42,9%), 43 lésbicas (9,7%), 5 bissexuais (1,1%) e 12 heterossexuais5 (2,7%).

Esses dados nos dá a noção do quanto as nossas letrinhas são consideradas estranhas, exatamente por fugirem dos padrões já citados neste trabalho, o que as colocam na posição de marginalizadas socialmente, onde a sua condição pode excluí-la da esfera social. Sendo assim, o ser LGBT torna-se protagonista da Teoria Queer que começou a torna-se espalhar pelo mundo nos últimos 30 anos.

2.2 A Teoria Queer, o ser Queer e o espaço geográfico

Quando se fala em Teoria Queer é comum relacioná-la à outras ciências, como as ciências sociais, filosofia e psicologia. Embora tenha sido fomentada

3 Homossexuais masculinos, andróginos, drag queens, transformistas e crossdressers (embora esses

últimos adotassem esporadicamente performance do gênero feminino, manifestavam identidade e eram socialmente reconhecidos como homossexuais);

4 Travestis, mulheres transexuais e homens trans;

5 Incluso no relatório por terem sido mortos devido a seu envolvimento com o universo LGBT, seja por

tentarem defender alguém da comunidade LGBT quando exposto ao risco de morte, seja por estarem em espaços predominantemente gays, ou por serem “T-lovers”, amantes de travestis. Fonte: Grupo Gay da Bahia

(29)

a partir de trabalhos de filósofos, como a Judith Buttler, a Teoria Queer encaixa-se na Geografia por tratar das condições de indivíduos quanto a questão do seu corpo, e o corpo é ferramenta política, o corpo ocupa um lugar no espaço, sendo assim, o corpo é economia, é luta, habilidade, é produção e também reprodução, afinal ele é quem produz a força do ser a partir do seu estado, ou seja, o corpo constitui a sociedade e, consequentemente, influi no espaço. Dessa forma o queer faz cada vez mais parte do cotidiano da urbe, adequando o seu modo de viver ao espaço geográfico da cidade. O próprio termo que é utilizado por anglófonos há aproximadamente 400 anos, é originado de um lugar chamado “queer street6”, uma rua em Londres onde viviam a “escória da

humanidade”. O termo Queer passou a ser usado como ofensa, tanto para homossexuais, quanto para travestis, transexuais e todas as pessoas que desviavam da norma cis-heterossexual a partir da prisão de Oscar Wilde, um escritor irlandês condenado à prisão em 1895 por “indecência grosseira7” por se relacionar afetivamente com o filho de um importante lorde inglês da época, sendo a primeira pessoa (no qual se tem registros) a ser chamado de “queer” devido ao seu crime. Dessa forma, relacionando o termo à condição de Wildem e, consequentemente, equiparando o ser da street queer, ao ser homossexual. Embora a gíria inglesa “queer” seja antiga, a Teoria Queer só começa a ganhar forças e se consolidar por volta dos anos 90 com a publicação da filósofa Judith Buttler, em seu livro “Gender trouble” de 1990. Nesta obra, além de tratar as questões da teoria feminista, Buttler abre espaço para tratar sobre a identificação do indivíduo fugitivo da estrutura binária masculino/feminino, que até então era discutido apenas dentro de um sistema totalmente cisgênero. A filósofa nos traz a discussão sobre a questão do sexo quanto definição de um padrão. Mesmo que os sexos pareçam, não problematicamente, binários em sua morfologia e constituição, masculino e femino, Judith reforça a ideia de que não há razão para supor que os gêneros também devam permanecer no número dois (Buttler, 1990).

A teoria queer de Judith Buttler não regra que todo indivíduo que nasce de um sexo, é do sexo oposto, apenas define que, a questão sexual do gênero

6 De acordo com o site Phrases que se dedica a pesquisar a origem de diversos termos, a Queer Street

pode ter sido imaginária, mas onde se imaginava era certamente Londres.

(30)

não está limitada apenas aos padrões do binômio heterossexual (Homem e Mulher) que foi culturalmente construído. Com isso, a teoria, em resumo, procura explicar que o gênero (masculino/feminino) resignado ao indivíduo ao nascer, não define quem é ele, e que as práticas impostas a partir dos marcadores biológicos, pode não equivaler a identidade de gênero imposto à este ser. Sendo assim, a lésbica, por exemplo, culturalmente falando, deveria seguir os padrões impostos socialmente para que ela fosse uma “verdadeira mulher”, porém, seus sentimentos acabaram não seguindo esse rumo, mesma coisa podemos falar dos gays, só que em relação ao gênero oposto, ao bissexual, e à população T que não segue os padrões de gênero.

A concepção da construção social que transforma fêmeas e machos humanos em homens e mulheres considera os gêneros masculino e feminino como papéis desempenhados socialmente. Dessa forma, o conceito de gênero nega a construção universal das diferenças sexuais e implica a análise temporal e espacial na configuração das relações sociais, envolvendo uma perspectiva relacional, já que as mulheres são concebidas na sua relação com os homens. (SILVA, 2009, p. 35).

Dessa forma se impulsiona um reconhecimento e uma discussão, sobretudo no meio acadêmico, em torno da questão da sexualidade. Na Ciência Geográfica os estudos queer, conhecidos como “Geografia da sexualidade”, apresenta discussões antes mesmo da publicação do livro de Buttler (1990). Embora não fosse discutido a questão de gênero como é discutido nos estudos da autora do livro “problema de gênero”, nos anos de 1978 e 1981, trabalhos sobre espaço e sexualidade restringiram-se a demonstrar a Geografia dos refúgios gays (Ornat, 2008). E, ainda em 1983, Manuel Castells lança um livro com foco no mapeamento e o estudo sobre espaços gays e lésbicos em São Francisco, obra que, segundo Ornat (2008), foi o trabalho que recebeu maior número de citações quando se trata dos primeiros estudos sobre a Geografia da sexualidade de acordo com o número total de trabalhos publicados no período entendido entre 1978 a 1997.

Sendo assim, podemos perceber que a discussão sobre o ser LGBT dentro da Geografia já se dava antes mesmo de a teoria queer explodir. A teoria queer vem para reforçar na Geografia uma discussão sobre a relação entre o corpo do indivíduo e o espaço, pois ora, uma vez que, como aborda o livro do

(31)

Manuel Castells, os gays e as lésbicas se dividem em espaços próprios dentro da cidade, o indivíduo que se sente parte dessa comunidade na qual é abarcada pela teoria reforçada pela Judith Buttler, empodera-se quanto à sua orientação sexual/sua identidade de gênero a partir das suas relações sociais dentro do território no qual ele(a) está presente. Reforçando assim um eixo da Geografia conhecido como Geografia Queer.

Influenciadas pelas teorias pós-coloniais, pós-estruturalistas e psicanalíticas, as geografias feministas – associadas às críticas das mulheres negras, de gays, de lésbicas ao perfil universal e elitizado dos movimentos sociais – aprofundaram seu caráter plural, ao abordarem desde as microgeografias do corpo até as relações transnacionais, em variadas perspectivas de análise, abrindo caminho para os estudos das sexualidades a partir da teoria queer. (SILVA, 2009, p. 43).

Quando falamos sobre a Teoria Queer, estamos falando de um corpo que não segue um padrão imposto socialmente. Os “corpos desviantes” tratados pela teoria de Buttler, são corpos não aceitos socialmente, esses corpos produzem territórios dentro da cidade dotado de significado e expressão típica daqueles que se vem dentro desse “desvio”. Podemos então afirmar que a Geografia Queer, então, estuda esses indivíduos quanto agentes para a formação de territórios específicos dentro do espaço geográfico, sobretudo, dentro da urbe.

A Geografia Queer, principalmente no âmbito acadêmico brasileiro, é discutida de forma tímida, muitas vezes omissa, tanto no processo de produção como de circulação de trabalhos. Junto à Geografia queer, outro eixo do pensamento geográfico que não se tem visibilidade na geografia brasileira e que anda lado-a-lado, e “deu origem” à discussão LGBT, é a geografia feminista, como podemos ver anteriormente na citação da Geógrafa Joseli Maria Silva, talvez essa cumplicidade se dê, coincidentemente (ou não), devido a base filosófica de ambas as teorias (queer e feminista) se apoiarem na desconstrução de um modelo machista e patriarcal da sociedade. Sendo o feminismo, em resumo, a luta das mulheres pela igualdade entre os gêneros feminino e masculino (“mulher” e “homem”), [...] a fim de promover a visibilidade política das mulheres que (quando começou a ser discutido) parecia

(32)

obviamente importante, considerando a condição cultural difusa na qual a vida das mulheres era mal representada ou simplesmente não representada. BUTLER (2003, p. 18). Embora a base teórica queer e feminista possa se assemelhar em alguns aspectos, SILVA et al. (2013) fala que tal omissão não se deve à ignorância, mas, sobretudo, ao desprezo que estas formas de imaginação geográfica provocam no meio acadêmico Brasileiro. Como prova disso, o Grupo de Estudos Territoriais (GETE) da Universidade de Ponta Grossa elaborou uma pesquisa que mostra bem a questão das produções acerca dos estudos queer e feminista no âmbito geográfico brasileiro, correspondente aos anos de 1981 e 2012. No gráfico 2 podemos ter uma noção de acordo com a pesquisa do GETE da produção de trabalhos relacionados à questão da sexualidade no Brasil.

Gráfico 1 – Publicações Geográficas no Brasil, com temas relativos a sexualidades

(1990-2012).

Fonte: SILVA et al. (2013).

A partir do gráfico 2 podemos verificar quão escassa é a discussão do tema dentro da ciência geográfica, onde dentro de 22 anos apenas 35 trabalhos foram publicados com a temática da sexualidade, SILVA et al. (2013) citaque só se nota um aumento, na produção científica brasileira, do interesse para as questões tratadas aqui neste trabalho, a partir dos começo dos anos de 1990, já que tempos antes o Brasil passava por um período de regime ditatorial militar,

1 1 1 18 14 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 1990 - 1995 1996 - 2000 2001 - 2005 2006 - 2010 2011 - 2012

(33)

onde os estudos eram voltados aos moldes da forma de governo da época. Essa forma de governo, em especial o seu enfraquecimento, foi crucial para o começo do que chamamos de “movimento LGBT” no Brasil, movimento esse que tem como palco as ruas da urbe. Porém no que diz respeito a importância desse novo eixo da Ciência Geográfica, e a sua base filosófica teórica, podemos dizer que:

A Teoria Queer, portanto, além de sua importância capital em reconhecer a formação de comunidades e culturas sexuais, é um espaço teórico no qual se pode evidenciar a exclusão e a marginalização de determinados grupos sociais nas atividades econômicas e políticas, frutos da homofobia. (SILVA, 2009, p. 44).

Sendo assim, ao falarmos de uma população LGBT, estamos falando também da sua exclusão da esfera social devido a uma norma que foi construída pela sociedade ao longo dos tempos. E quando esses indivíduos resolvem contestar essa norma e bater de frente com o tradicional, se unificando formando um movimento social, qual será o resultado? No próximo subcapítulo poderemos ter uma noção do que esse movimento se trata e o porquê de ele ser tão essencial para podermos afirmar a relação entre o corpo LGBT e a Geografia.

2.3 O movimento LGBT dando pinta

O termo “movimento” é uma alusão ao termo técnico “movimento social”. Um movimento social pode ser caracterizado como uma forma de ação coletiva na qual as dimensões da solidariedade, do conflito e da ruptura com a lógica do sistema social se inter-relacionam (JESUS, 2012, apud Melucci, 1999). Dessa forma o movimento LGBT é um movimento social da população gay, lésbica, bissexual, travesti, transexual, transgêneros entre outros indivíduos que se consideram LGBT (mesmo não se identificam com tais letras), para que todos e todas sejam aceitos e aceitas socialmente como são. Dentro dessa aceitação vai incluir diversas pautas que vão encaixar-se na peculiaridade de cada pessoa L, G, B ou T, porém uma bandeira em comum levantada entre o movimento LGBT é o do fim da bifobia, homofobia, lesbofobia

(34)

e transfobia8. Podemos considerar que essa bandeira em comum é levantada devido à quantidade de assassinatos cometidos por crime de ódio ao LGBT. Em uma entrevista para um documentário, o deputado federal Jean Wyllys explicita bem essa questão;

“O que une a mim à travesti, ou a transexual, o que nos une, – porque nós somos muito diferentes entre nós, nós homossexuais, nós somos muito diferentes, nada mais diferente do que um homossexual, outro homossexual, mas tem uma coisa que nos une – o que nos une, é o fato de ser insultado, injuriado, de fora para dentro porque nós somos invertidos, nós somos considerados invertidos, e o fato de nós sermos alvo dessa violência simbólica e real, faz com que a gente se constitua numa comunidade, embora diversos, muito diferente entre nós, nós somos uma comunidade, porque nós partilhamos o sentimento de pertencimento que vem do insulto e da injúria”. (WYLLYS, 2017)

Historicamente falando, a prática homoafetiva era tida em quase todo o mundo como pecado mortal, perversão sexual, aberração, crime ou até mesmo doença, chegando ao extremo de internações em institutos psiquiátricos ou perseguição pela polícia nas ruas (Revista Pré-Univesp, 2016), dessa forma, na virada do século XIX para o século XX, na Europa, uma campanha liderada por Magnus Hirschfeld, um médico e sexólogo alemão, se voltara contra a criminalização da homossexualidade afim de abolir o parágrafo 175 do código penal da Alemanha, no qual punia o comportamento homoafetivo entre os homens e mulheres. Tal parágrafo sofreu diversas emendas desde 15 de maio de 1871 (quando entrou em vigor) até 11 de junho de 1994 (quando a Alemanha se reunificou), mas, em especial, quando os nazistas germânicos assumiram o poder em 1933, as condenações através do Parágrafo 175 era tratado de forma muito mais severas, elevadas ao extremo, onde várias pessoas, devido as suas práticas sexuais, foram mortas nos famigerados campos de concentração.

Os Nazistas alemães adotavam símbolos para identificar o indivíduo homoafetivo que era capturado, esses símbolos ajudavam a determinar a “impureza” dos indivíduos que tinham o símbolo bordado em suas roupas. Nas

8 Os termos são usados para designar toda e qualquer opressão a cada ser da sigla LGBT, ou seja,

bifobia é a opressão ao ser Bissexual, homofobia, aos gays, lesbofobia, às lésbicas, transfobia, as/aos transexuais, transgêneros e travestis.

(35)

Imagens 1, 2 e 3, os símbolos usados para definir as pessoas homoafetivas detidas pelo exército Nazista.

Imagem 1 – Triângulo rosa Imagem 2 – Triângulo preto. Imagem 3 - Triângulo rosa

e amarelo

Fontes: blog Politize!

O triângulo invertido cor-de-rosa9 era usado para marcar os homens homoafetivos, já o preto marcava as pessoas “antissociais”, as mulheres com ideais feministas, as prostitutas e as lésbicas, que não representavam a mulher ideal nazi, e o triângulo rosa e amarelo marcava os judeus homossexuais. O cotidiano dos homossexuais nos campos de concentração estava submetido à experimentos médicos, violência, muitas vezes sexual, torturas, castração, além de outras práticas, pois significaria uma menor taxa de natalidade, com menos bebês alemães sendo gerados. Outra teoria da época era de que a homossexualidade poderia ser hereditária. NEXO JORNAL (2017). Na imagem 4, prisioneiros homossexuais marcados com o triângulo invertido.

9 Embora não seja tão usado atualmente, o triângulo cor-de-rosa invertido é um dos símbolos do

movimento gay. Mesmo sendo originalmente concebido como um emblema de vergonha, ele foi reivindicado como um símbolo internacional do orgulho gay e do movimento dos direitos dos homossexuais, sendo assim o segundo símbolo em popularidade, apenas atrás da bandeira do arco-íris que, embora não tenha sido usada pelos Nazistas, também é um símbolo da luta LGBT, sendo ele o mais reconhecido e usado nos dias atuais.

(36)

Imagem 4 – Prisioneiros homossexuais no campo de concentração nazista

Fonte: Nexo Jornal.

As ações nazistas influenciaram Magnus Hirschfeld, junto a outros companheiros, a fundar em 1897 uma organização chamada como Comitê Científico-Humanitário, que buscava promover a educação e a pesquisa sobre a sexualidade, com a esperança de acabar com o preconceito contra os homossexuais e, eventualmente, abolir o parágrafo 175 do código penal alemão. O comitê formado por cientistas, e por pessoas LGBT de todo o mundo promovia os direitos iguais para o LGBT, argumentando que elas não eram aberrações da natureza. Magnus foi muito importante para pesquisas e entendimento científico para a questão da hossexualidade e, principalmente, da transgeneridade. Um momento marcante na história da luta LGBT é a primeira cirurgia – que se tem notícia – de resignação sexual. Lili Elbe10 foi uma artista dinamarquesa conhecida por suas pinturas. Elbe tinha órgãos reprodutor masculino, mas não se identificava com tal. Em 1930 conheceu Hirschfeld que estava fazendo pesquisa com questionários a fim de explicar a questão da homessexualidade e transexualidade cientificamente, Elbe, que já se sentia uma mulher, após várias discussões com Hirschfeld, foi submetida a cirurgia, em Berlim, (sob a supervisão de Hirschfeld) para a remoção dos testículos, antes de três outras operações em Dresden, como informa o Jornal Britânico

(37)

The Guardian (2016). Após este ato marcante para a história, Magnus continuou sua carreira como defensor dos direitos LGBT por todo o mundo.

E seguindo a mesma linha de Magnus Hirschfeld, no final da década de 1940, nasce o primeiro espaço de discussão homossexual, em Amsterdam. Segundo o site do Centro, o espaço COC (Center for Culture and Recreation), em Amsterdam, é a mais antiga organização LGBT existente no mundo. A organização surgiu com o intuito de abolir a descriminação contra homossexuais e buscava oferecer cultura e recreação para homens gays e mulheres lésbicas. Dessa forma, as atividades da COC contribuíram para uma efetivação, nos anos de 1950/1960, de uma cultura de sociabilidade da população LGBT em Amsterdã de frequência à bares, boates e danceterias, que vai de encontro aos encontros homoafetivos que eram feitos antes em parques, praças e urinóis público antes da segunda guerra mundial. Embora na Europa a discussão LGBT já tivesse tido um pontapé inicial, é na década de 1960 que o movimento LGBT começa a ganhar visibilidade e força no resto do mundo, tendo as ruas das cidades como palco da luta pelos direitos da população LGBT, pois antes disso, quaisquer grupos que estivessem voltados para a discussão acerca da homossexualidade, ou do combate ao que hoje chamamos de homofobia, era feita de forma clandestina.

Para ser mais preciso, no dia 28 de junho de 1969, na Christopper Street, Greewich Village, em Nova Iorque, onde funcionava o Stonewall Inn, bar cuja clientela era formada, em sua maioria, pela população LGBT, policiais americanos fizeram, como de costume, as “batidas” para prender pessoas com atitudes homoafetivas, porém, diferente do convencional, as pessoas que estavam no Stonewall n’aquele dia, reagiram à ação da polícia.

Lá pelas tantas, uma patrulha policial invadiu o bar, com ordens para prender seus funcionários e jogar todo mundo na rua, alegando descumprimento das leis locais sobre venda de bebidas alcoólicas. Não era uma ação incomum. Frequentemente policiais entravam acintosamente em bares como aquele, provocando a debandada dos fregueses, que temiam ser presos e identificados publicamente como gays. ARRULDA, Roldão (2012).

Nesta época a homossexualidade ainda era considerada uma desordem mental pela Associação Psiquiátrica Americana, e a prática homoafetiva, um

(38)

crime de sodomia. Por essa questão, as constantes apreensões em bares LGBT eram organizadas pelo governo, que embora a alegação em muitos casos fosse a “venda de bebida alcóolica”, os ataques eram feitos em lugares de sociabilidade LGBT.

Devido às questões políticas da época para os LGBTs serem inexistentes, a maior parte da população LGBT americana vivia no gueto e, mesmo Stonewall, segundo frequentadores da época, fosse um lugar com condições precárias de higiene, onde era vendido bebidas por preços exorbitantes, era um espaço na cidade onde tinha músicas boas para dançar, e eles tinham a liberdade sexual que tanto gostariam de ter. Então, na noite de 28 de Junho de 1969, a Christopper Street virou um campo de batalha entre os policiais americanos e os LGBTs do local, além de outros bares da proximidade, por não aceitarem a forma que, principalmente as Drag Queens e as Travestis foram (mal)tratadas, “Drag queens e travestis, por exemplo, eram levadas ao banheiro e só eram liberados se não tivessem o órgão sexual masculino.” Portal iGay (2014). Apesar de os policiais que colocaram algumas pessoas no fundo do bar, liberarem as mesmas logo depois, o grupo atacado, sobretudo as Drags, diferente do que costumavam fazer (ir embora e abandonar o local), decidiu protestar contra a forma que foram e vinham sendo tratados. A polícia não conseguiu conter a manifestação que se formou, e começou um ataque às pessoas presente no local. O protesto não se restringiu apenas ao dia 28, ele durou três dias, marcados pelo “Não à intolerância”. Nas imagens 5 e 6, o protesto pelos direitos LGBTs.

(39)

Imagem 5 – Protesto após a revolta em Stonewall Inn

Fonte: Revista Lado A.

Imagem 6 – Policiais e manifestantes na revolta em Stonewall Inn

Fonte: pstu.org.br.

A revolta gerou manchetes nos jornais da cidade que fez com que a visibilidade do movimento aumentasse, onde, no terceiro dia após o acontecimento, um manifesto tomou forma levando uma multidão às ruas de Nova Iorque pedindo direitos iguais aos LGBTs e orgulhando-se se serem quem são. Assim, mostrou ao resto do mundo que a rua também era o palco da então luta LGBT. E desde então a data tornou-se um marco para a luta

(40)

LGBT, onde todo dia 28 de junho, em diversos países ao redor do mundo, é celebrado o dia internacional do orgulho LGBT.

Após o ato de 1969 vários LGBTs encorajaram-se e começaram a fortificar e fomentar o movimento LGBT ao redor do mundo. No Brasil, o movimento LGBT fortifica-se no final dos anos de 1970 e início do ano de 1980 quando a ditadura civil-militar no Brasil entra em processo de crise, dando espaço para o reaparecimento dos movimentos sociais protagonizado principalmente pela juventude, sendo esses movimentos (que criticavam o conservadorismo), a base para a organização política dos sujeitos e sujeitas homossexuais.

O final da década de 1960 foi essencial para a eclosão mundial da discussão sobre as questões de gênero, sexualidade e identidade. Com isso, novos movimentos se formam, na Argentina, no México, Porto-Rico e em Nova York, por exemplo, já existiam organizações LGBT que forticavam a discussão sobre direitos desta população. No Brasil, até mesmo antes desse período, já se via um aumento de pessoas, principalmente gays e travestis, apropriando-se de lugares nas grandes cidades. Informações sobre espaços de sociabilidade Lésbicas são mais escassos do que sobre os espaços frequentados majoritariamente por Gays. Contudo, Simões (2009, p 67) identifica que alguns poucos bares, boates e restaurantes em Copacabana, no Rio de Janeiro, passaram a ser ocupados no final dos anos 1950 também por mulheres. Esses espaços eram ambientes muito sutis, onde para reconhecer e identificar quem era lésbica, devia olhar para os pés e ver se a mulher usava sapato Mocassim. “Uma alternativa importante para as mulheres parece ter sido também os encontros em residências particulares, que se transformavam ocasionalmente em "bares" ou "clubes"” (SIMÕES, 2009, Pag. 69). Porém a apropriação de espaço pelo público homoafetivo não era feita em forma de organização política como se vê em outros países, era uma questão mais de sociabilidade, sociabilidade esta que era mostrada em jornais caseiros como o jornal o Snob11, um jornal distribuído na noite carioca no ano de 1962 que

retratava a vida na urbe, promovia, divulgava eventos, concursos, apresentações – principalmente – de travestis, e festas voltadas para a

(41)

sociabilidade LGBT e organizava reuniões nos domicílios dos colaboradores da revista no qual discutiam sobre a questão de ser gay na cidade, COSTA (2010, p. 16), afirma que nessas reuniões ainda que não pensadas como um movimento social, é possível identificar algumas manifestações isoladas que começam a aparecer na paisagem homossexual, politizando o tema.

Essa sociabilidade LGBT era vivida, assim como nos Estados Unidos, de forma mais “guetificada”, onde os espaços de encontro afetivo e social era marginalizado. A marginalização era fortemente induzida devido a ideologia do governo que se baseava em valores morais conservadores. Podemos afirmar que a “guetificação”, ou seja, a apropriação de lugares da cidade para – principalmente – a sociabilidade homoafetiva e homoerótica, transforma esses lugares em um “território LGBT”, ou seja, espaço que determinada hora apresenta características marcantes dessa população.

Assim, associar ao controle físico ou à dominação ‘objetiva’ do espaço uma apropriação simbólica, mais subjetiva, implica discutir o território enquanto espaço simultaneamente dominado e apropriado, ou seja, sobre o qual se constrói não apenas um controle físico, mas também laços de identidade social. (HAESBAERT, 2006, p. 121).

Esses espaços, mesmo com toda a ameaça que o governo representava, resistiam. A resistência do grupo se dava também com publicações da “imprensa Gay”, que seguindo a linha do Snob, outras pequenas revistas e jornais LGBT que tratavam sobre fatos da época, fofocas, piadas, notícias de festas, além de organizar reuniões uniram-se e criou a Associação Brasileira de Imprensa Gay – ABIG em 1963. O portal de notícias online ATHOSGLS (2007), em um artigo publicado, parafraseia Anuar, o primeiro presidente da ABIG, em entrevista à MÍCCOLIS e DANIEL (1983) no qual diz que “a ABIG foi feita para lutar, porque nós todos tínhamos um ideal, queríamos mostrar que éramos pessoas normais, que fazíamos o que todas as outras faziam, sem diferenças”. Contudo, essa efervescência que estava cada vez mais tomando forma, principalmente nos grandes centros urbanos como São Paulo – Rio de Janeiro, sofre um baque com o Ato Institucional Número Cinco (AI-5), emitido no dia 13 de dezembro de 1968, pelo então presidente Artur da Costa e Silva. O AI-5 é considerado o mais severo de todos os Atos

(42)

Institucionais, pois ele, além de todas as intervenções que fazia na questão político-administrativa, suspendia o direito de habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a ordem econômica, segurança nacional e economia popular, o que fez com que torturas fossem usadas como forma de punição para diversos atos, além de censurar jornais, revistas, livros, peças de teatro, músicas e proibir manifestações populares de caráter político. Então, como se já não bastasse para os indivíduos LGBTs não ter respeito perante a sociedade e a política, eles não podiam se manifestar em prol de direitos como no resto do mundo estava se fazendo, tendo em vista que a política no Brasil estava rígida demais para poder ouvi-los. GREEN (2000, apud FACCHINI, 2002, p. 63) reforça a afirmativa de que a AI-5 freou o movimento LGBT de se formar no Brasil, ele afirma:

Parece claro que se o governo militar não tivesse deslanchado uma onda de repressão, ampliado a censura, e restringindo os direitos democráticos em fins de 1968 com a imposição do AI-5 além de outras medidas, um movimento politizado pelos direitos de gays e lésbicas possivelmente já teria surgido no início dos anos 70.

Neste mesmo período no Brasil tínhamos a esquerda tradicional, uma organização política que ia de encontro aos ideais políticos militares. Com a promulgação do Ato Inconstitucional número 5 que perseguia, inclusive, os defensores da esquerda, que já se organizava para lutar conta o governo militar, poderia ser visto neles a esperança de uma alavanca para a formação de um movimento social LGBT, contudo, essa esquerda, como afirma GREEN (2014) para o site Carta Capital, tinha

noção marxista tradicional que incorporava tanto uma série de noções sobre homossexualidade como a noção católica tradicional, e noções de gênero, que homem tem que ser macho e mulher frágil. Nesse sentido, a esquerda não foi nada renovadora. Foi muito controladora nos papéis.

Dessa forma, sem ter apoio dos que lutavam com os que os oprimiam, torna-se quase impossível a fomentação do movimento no final dos anos, já que na esquerda não se tinha um diálogo acerca das questões de gênero e sexualidade, pois não reconheciam e nem aceitavam organizações que se desviassem de sua prioridade (o movimento operário). Contudo, já nos anos

(43)

1970, novas correntes passaram a se perpetuar na esquerda a partir do pessoal que estava no exílio e foram influenciadas pelo modelo dos novos movimentos sociais da Europa, principalmente na França.

Nos anos 1970 surgem novas organizações que rompem com o passado, como a Liga Operária, a Convergência Socialista e a Liberdade e Luta [Libelu]. Tais organizações tinham outras ideias, influências. Eles não eram tão rígidos e sua composição social era diferenciada. Era uma nova geração de jovens que entraram no movimento estudantil, que tinha fumado maconha, escutava rock and roll, não achava que Beatles eram agentes do imperialismo. (GREEN, 2014).

Esse novo grupo abre espaço na esquerda tradicional para o dialogado sobre as questões de identidade, gênero e sexualidade. A partir daí parte da sociedade passa a se organizar contra o retrocesso que aquela forma de governo da época apresentava. A LGBTfobia institucionalizada era predominante, com LGBTs presos diariamente, por infringir maneiras da moral e bons costumes. As homossexualidades12, sofriam perseguições pela polícia por “vadiagem”, juntamente com as prostitutas, nos quais eram muitas vezes torturadas, assim como as outras classes como os militantes oponentes à ditadura. E mesmo com toda perseguição, a população LGBT estava cada vez mais reproduzindo sua cultura nas cidades, criando-se bares, clubes, espaços de pegação13 nas grandes cidades.

Em 1974, quando Geisel assumiu a presidência da República, houve uma abertura lenta e gradual da política com um processo de “redemocratização”, o que permitiu uma reorganização dos grupos de oposição à ditadura que eram constantemente caçados, criando-se assim condições para uma organização política de gays e lésbicas, que, até onde se tem registro, em 1976, Trevisan14, de volta do exílio, havia criado um grupo para discutir suas novas ideias (MacRae, 1985, apud FACCHINI, 2002, p. 66 e 67), mostrando assim uma tentativa de organização de um Movimento Social, porém, como MacRae (1985, apud FACCHINI, 2002, p. 66 e 67) afirma, “este grupo havia se

12 Assim eram chamadas as pessoas que hoje conhecemos como Assexuais, Lésbicas, Gays,

Bissexuais, Pansexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais...

13 Termo utilizado para identificar contatos físicos eróticos e/ou sexo livre de relacionamentos, tais como

namoro ou casamento.

Referências

Documentos relacionados

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

No código abaixo, foi atribuída a string “power” à variável do tipo string my_probe, que será usada como sonda para busca na string atribuída à variável my_string.. O

De acordo com esta conceptualização teórica, a satisfação é vista em função dos valores mas também da relação que estes estabelecem com a saliência dos papeis, podendo

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

In: VI SEMINÁRIO NACIONAL DE PESQUISADORES DA HISTÓRIA DAS COMUNIDADES TEUTO-BRASILEIRAS (6: 2002: Santa Cruz do Sul).. BARROSO, Véra Lúcia

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

dois gestores, pelo fato deles serem os mais indicados para avaliarem administrativamente a articulação entre o ensino médio e a educação profissional, bem como a estruturação