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IDENTIDADE E O MOVIMENTO DA DIFERENÇA NO CAMPO DISCURSIVO

1 OS ESTUDOS DA SIGNIFICAÇÃO: A SEMÂNTICA

2 OS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO, MEMÓRIA E CIDADE

2.3 IDENTIDADE E O MOVIMENTO DA DIFERENÇA NO CAMPO DISCURSIVO

Deslocando a reflexão sobre identidade para o campo discursivo, trazemos Orlandi (1990) que afirma ser a identidade o resultado de um movimento da história e, por isso, não é sempre igual a si mesma, mas se transforma. Para essa autora, diferentemente do apresentado pelos outros autores, a identidade produz a diferença e considerar que há identidades fixas e categóricas é estar no imaginário que garante uma unidade necessária nos processos identitários, construindo preconceitos e exclusões.

Pensamos que a identidade se dá pelas diferenças e, ao mesmo tempo, produz a diferença num efeito que não se esgota. O sujeito se constitui pela identificação e assim como o sujeito nunca está pronto, a identidade nunca se completa, ambos estão inter-relacionados.

Para essa autora, é pelo „discurso sobre‟ que as definições vão se formando sobre determinadas identidades e, desta forma, passam a fazer parte do funcionamento imaginário de uma sociedade. Esses discursos, histórico- ideologicamente constituídos, retornam, por paráfrases, nos discursos „atuais‟ de determinadas identidades e passam, dessa maneira, a constituí-la. O que não é dito também é significado nos „discursos sobre‟.

No que diz respeito aos processos de identificação, Pêcheux (1997a, p. 56-57) acrescenta que nos filiamos, sócio-historicamente, a determinadas identificações e não há, segundo ele, identificação plenamente bem sucedida, ou seja, “ligação sócio-histórica que não seja afetada, de uma maneira ou de outra, por uma „infelicidade‟ no sentido performativo do termo – isto é, no caso, por um „erro de pessoa‟, isto é, sobre o outro, objeto de identificação”.

Se considerarmos que a identificação se dá pelo viés da construção dos sentidos, precisamos levar em conta os gestos de interpretação (ORLANDI, 2002) que a leitura desses sentidos nos permite, pois, para Pêcheux (1997b, p. 160), é pelas posições ideológicas que os sentidos são determinados, por uma relação sócio-histórica, ou seja, “as palavras, expressões, proposições etc., mudam de

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sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que a empregam”. É na formação ideológica que as formações discursivas determinam o que pode e deve ser dito, recortando a memória do dizer; é da formação discursiva que as palavras e expressões recebem seu sentido, pela relação com outras palavras e expressões da mesma formação discursiva ou, ainda:

De modo correlato, se se admite que as mesmas palavras, expressões e proposições mudam de sentido ao passar de uma formação discursiva a outra, é necessário também admitir que palavras, expressões e proposições literalmente diferentes podem, no interior de uma formação discursiva dada, „ter o mesmo sentido‟, o que – se estamos sendo bem compreendidos – representa, na verdade, a condição para que cada elemento (palavra, expressão ou proposição) seja dotado de sentido” (PÊCHEUX, 1997b, p. 161).

A partir do exposto, podemos afirmar que o sujeito se define pela formação discursiva e, numa mesma formação discursiva, há várias posições de sujeito. Mas, falar de uma determinada formação discursiva não é estar subordinado a ela. Assim como há sentidos dominantes, ideologias dominantes, há formações discursivas dominantes. As formações discursivas não são espaços fechados, acabados ou pré-determinados, mas lugares heterogêneos, os quais se reconstituem e se ressignificam com(o) o sujeito. Uma formação discursiva dada pode apresentar elementos de contradição, assim como apresentar elementos de outras formações discursivas. É no interdiscurso que os limites entre as formações discursivas se estabelecem.

Para Pêcheux (1997b), há a possibilidade de nos identificar ou nos contra-identificar com a formação discursiva que nos é imposta pelo interdiscurso, produzindo um contradiscurso, um discurso outro. É pelo interdiscurso que nos identificamos ou contra-identificamos.

Os processos de identificação, ao nosso ver, são construídos a partir da nossa relação com o outro, numa determinada cultura, numa determinada sociedade, e com seus sentidos. Identificamo-nos com a imagem que os lugares em/para nós produzem. Essa imagem é construída por uma relação de memória

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de sentidos. Ao nos projetarmos para o lugar em que o outro se encontra, experimentamos os sentidos que esse lugar produz em nós e para nós e, assim, identificamo-nos, ou não, com os sentidos aí produzidos. É com os sentidos que nos identificamos e não com as coisas ou com os grupos em si, numa relação com a memória e com a história.

Orlandi (1997) acrescenta que a identidade produzida pela nossa relação com a linguagem nos faz visíveis e intercambiáveis. O silenciamento é parte da experiência da identidade, pois é parte constitutiva do processo de identificação, é o que lhe dá espaço diferencial, condição de movimento. Segundo a autora, a identidade não se reduz à identificação, ela mobiliza processos mais complexos e um desses processos seria a produção da diferença, pela forma como o silêncio faz parte da relação do sujeito com o sentido; a diferença, na identidade, se torna possível pelo silêncio. Para ela, os processos de identificação

do sujeito não estão fechados na „inscrição em uma formação discursiva

determinada‟ mas sim nos deslocamentos possíveis, trabalhados no e pelo silêncio, na relação conjuntural das formações:

Há uma historicidade inscrita na própria textualidade, historicidade que faz com que os sentidos valham para toda a sociedade, não estando o „povo‟ excluído da contradição entre o mesmo e o diferente, isto é, o sentido que vai além do senso comum: dizem o „mesmo‟ para dizer o „outro‟ sentido (ORLANDI, 1997, p. 116).

Para Orlandi (2002), o sujeito se filia a determinadas identificações, não por processo de aprendizagem, mas por uma relação com a memória, com a ideologia, com a história, pela interpretação. É o Estado capitalista que individualiza o sujeito, responsabilizando-o, com seus direitos e deveres. É na evidência do sujeito que a identidade se produz.

Em nosso trabalho, a questão da constituição do espaço urbano e como o sujeito se significa, identifica-se na cidade são pontos cruciais para pensarmos os processos de identificação no/pelo Censo Demográfico. Para nós, o espaço urbano é um espaço simbólico específico, onde é possível ler, interpretar e

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compreender sentidos, tanto os que contribuem para a „ordem social‟, quanto os

que a rompem, estabelecendo uma „nova ordem‟. Vale lembrar que quando

falamos de urbano estamos englobando cidade e todos os processos de constituição daqueles que a integram, por uma relação social.