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Processos de identificação nos formulários : memória oficial do Brasil

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Academic year: 2021

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FABIANA CLAUDIA VIANA BORGES

PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO NOS FORMULÁRIOS:

MEMÓRIA OFICIAL DO BRASIL

CAMPINAS,

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

FABIANA CLAUDIA VIANA BORGES

PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO NOS FORMULÁRIOS:

MEMÓRIA OFICIAL DO BRASIL

Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Linguística.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Roberto Junqueira Guimarães

CAMPINAS,

2015

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem

Haroldo Batista da Silva - CRB 5470

Borges, Fabiana Claudia Viana,

B644p BorProcessos de identificação nos formulários : memória oficial do Brasil / Fabiana Claudia Viana Borges. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

BorOrientador: Eduardo Roberto Junqueira Guimarães.

BorTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Bor1. Semântica. 2. Formulários. 3. Identidade. I. Guimarães, Eduardo,1948-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Identification processes in form : official memory of Brazil Palavras-chave em inglês:

Semantics Forms Identity

Área de concentração: Linguística Titulação: Doutora em Linguística Banca examinadora:

Celina Aparecida Garcia de Souza Nascimento Jocyare Cristina Pereira de Souza

Ana Cláudia Nascimento Marcos Aurélio Barbai

Data de defesa: 03-06-2015

Programa de Pós-Graduação: Linguística

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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RESUMO

O espaço urbano, com tudo que o constitui, é um lugar da interpretação, em que os sentidos sobre o social podem ser capturados. Os sujeitos constituídos neste espaço se deparam com a obrigatoriedade de responder a formulários para os diferentes fins em situações distintas. Assim, o interesse desta pesquisa é investigar como os processos de identificação se dão na relação do sujeito do espaço urbano com o funcionamento dos formulários, considerando que a identidade não é fixa, mas construída pela enunciação e que sofre regularidades impostas pelas instituições as quais a define. Partindo desse pressuposto, este trabalho tem por objetivo refletir sobre a constituição do sujeito nos/pelos formulários e como a relação com o simbólico e o institucional faz significar, identificar e classificar os requerentes e entrevistados. Para isso, serão apresentadas análises semântico-enunciativas de formulários oficiais do Estado, utilizados para os mais diversos fins, emissão de RG, CPF, Título de Eleitor e Passaporte, emissão de Certidão de Antecedentes Criminais e formulário para a coleta de dados do Censo Demográfico de 2000, análises essas que apresentam os Domínios Semânticos de Determinação de palavras funcionando nos formulários e suas relações no texto, seja por relação de articulação, relação semântica de contiguidade, ou por reescrita, relação de redizer. A escolha desses formulários se deu de modo aleatório, por buscas na internet e o formulário do Censo Demográfico interessa-nos, sobretudo, por ter sido corpus de pesquisa no Mestrado. A posição que embasa nossos estudos é a da Semântica do Acontecimento. Segundo Eduardo Guimarães, os estudos da significação perpassam o espaço da estrutura e é atravessado pela história e pelo político. Os resultados apontam que as imagens produzidas pelos formulários, a partir dos processos de identificação, orientam as práticas no espaço urbano; apontam, ainda, que pelo funcionamento dos formulários tem-se um controle da memória, pela imagem, numa relação do sujeito com a história.

Palavras-chave: Semântica do Acontecimento. Formulários. Enunciação. Domínio

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ABSTRACT

Urban space and all that it constitutes allows interpretation in which the senses of its social aspects can be captured. Individuals present in this space are faced with the obligation of answering forms for different purposes in distinctive ways. Hence, the aim of this research is to investigate how the identification process occurs

amongst these individuals - of the urban space - and the forms’ functionality,

considering that the identity is not unchangeable, but built by enunciation and that it undergoes regularities imposed by the institutions which define it. Based on this assumption, this study is keen on critically analyzing the formation of the individuals as a result of these forms and how the relation with the symbolic and institutional aspects engender to mean, identify and classify both surveyor and surveyed individuals. For so, semantic-enunciative analysis of State official forms are presented, used for many purposes such as emission forms of identity card, CPF, electoral registration, passport, criminal record and form for data collection for the Demographic Census of 2000. Such analysis contains the Semantic Domains of Determination of words running on forms and its in-text relations, whether by relation of articulation, semantic contiguity relation or by rewriting, relation of re-telling. The choice of these forms was randomized through internet searching, and the form for the Demographic Census, interested us, mainly because it was part of the research corpus in our Master’s Degree. The theory that backs up our studies is “The semantic of happening”. According to Eduardo Guimarães, these studies of meaning reach far beyond the structural space and are crossed by historical and political aspects. The results demonstrate that the images produced by forms, starting at the identification forms, orientate the practices in the urban space. Moreover, they show that by the use of forms it is possible to have control of memory through image relating the individual with History.

Key words: Semantic of happening, forms, enunciative, Semantic Domains of

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Eurico Chaves, pai; Almira, mãe ressignificada; Adriano, parceiro de jornada, meu

esposo; Belinha, companheira fiel e incondicional; e, João Fernando, filho, cujos primeiros meses de vida coincidiram com os últimos meses da escrita desta Tese.

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Estranha relação é a que temos com as palavras. Aprendemos de pequenos umas quantas, ao longo da existência vamos recolhendo outras que vêm até nós pela instrução, pela conversação, pelo trato com os livros, e, no entanto, em comparação, são pouquíssimas aquelas sobre cujas significações, acepções e sentidos não teríamos nenhumas dúvidas se algum dia nos perguntássemos seriamente se as temos. Assim afirmamos e negamos, assim convencemos e somos convencidos, assim argumentamos, deduzimos e concluímos, discorrendo impávidos à superfície de conceitos sobre os quais só temos ideias muito vagas, e, apesar da falsa segurança que em geral aparentamos enquanto tacteamos o caminho no meio da cerração verbal, melhor ou pior lá nos vamos entendendo, e às vezes, até encontrando. José Saramago

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INTRODUÇÃO

Desde as primeiras disciplinas cursadas na UNICAMP, inicialmente como aluna especial e posteriormente no Mestrado, interesso-me por questões que versam sobre o modo como o sujeito é representado, significado e identificado em espaços legitimados pelo Estado.

Esse interesse resultou em minha primeira pesquisa, no mestrado, que evidenciou, por suas análises, dentre outras interpretações, uma indistinção entre cor e raça nos questionários censitários utilizados para a coleta do Censo de 2000

colocando-as como categoria social, assim como a particularização de “morador”

e “domicílio” pelo funcionamento dessas designações, estabelecendo um processo de identificação do brasileiro, ou melhor, do brasileiro contado pelo Censo. Esse modo de significar, ao rememorar um já-dito e um já-significado, resulta no “mapeamento” da população brasileira e estabelece seus sentidos, também traça seu perfil e define a(s) sua(s) identidade(s), pelo nome e pela designação.

Os resultados da minha dissertação de mestrado “Designação e

referência: uma análise enunciativa do Censo Demográfico 2000” provocaram-me certo incômodo em relação ao modo de funcionamento enunciativo dos formulários e, por conseguinte, instigaram-me a pensar sobre os formulários em geral, formulários esses autorizados e legitimados pelo Estado para os mais diversos fins (Formulário para a solicitação de passaporte, Formulário para requerimento de certidão de antecedentes criminais, Certidão de antecedentes criminais online, Pré-atendimento eleitoral, Inscrição CPF internet, Ficha de identificação civil e Questionário do Censo Demográfico 2000). Para isso, ocupei-me da Semântica do Aconteciocupei-mento como uma ciência para analisar os formulários, considerando-os em sua textualidade, seu funcionamento em espaços

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específicos de enunciação e evidenciando processos de identificação específicos para os brasileiros. Essa Semântica trata da significação considerando a história, a temporalidade, a ideologia, pelo funcionamento linguístico, pela enunciação; o sentido, nessa perspectiva, é uma questão enunciativa.

Por conseguinte, a presente pesquisa apresenta uma análise semântica dos formulários oficiais do Estado, mais especificamente ao verificar como funcionam, por processos de identificação, colocando em evidência como o simbólico confronta com o político e produz sentidos sobre os brasileiros. A escolha dos formulários aqui analisados se deu por meio de buscas da internet, assim, parte de formulários utilizados para a retirada de documentos obrigatórios para fins específicos, tais como RG, o documento de identificação civil chamado Registro Geral, CPF, o Cadastro de Pessoa Física, que constitui um banco de dados gerado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, Passaporte, Certidão de Antecedentes Criminais (físico e virtual), Título de Eleitor e, ainda, o Questionário do Censo Demográfico de 2000.

Os enunciados presentes nesse tipo de texto, enquanto elemento linguístico, serão o nosso mote para a análise e verificaremos o funcionamento das expressões linguísticas e de que maneira isso afeta a constituição da identidade do locutor que responde a esse texto.

Como percurso metodológico para a realização deste trabalho, inicialmente, para marcar o posicionamento teórico que sustenta esta tese e justificar o descarte de outras linhas de estudo do significado, apresento, na primeira seção, um percurso dos estudos semânticos, considerando que esses estudos englobam tanto o estudo do significado como o das mudanças do significado.

Esse percurso é necessário para entendermos como os estudos da significação definiram espaços distintos para se pensar a significação, o que permitiu diferentes modos de estudos do texto. Autores como Lyons, por exemplo, citado nessa parte, considera a estrutura linguística como mote para se pensar o significado, apesar de fazer menção a uma dada situação. Já Lopes associa o

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significado à interpretação que está ligada à competência do falante, lugares esses insuficientes para sustentarmos as análises e reflexões aqui propostas.

A Semântica Formal, uma das semânticas citadas nesta seção, ocupou ao longo dos estudos semânticos um destaque considerável e tem no seu escopo a referência, numa relação palavra-mundo, que passa pelo crivo do verdadeiro ou falso; autores como Frege e Lyons são relevantes nesse espaço. Outra semântica que merece ser citada é a Semântica da Enunciação, com estudos desenvolvidos por Benveniste, que traz para si a questão da argumentação, considerando as questões históricas do funcionamento da língua. Essas diferentes semânticas permitem acompanhar o desenvolvimento dos estudos semânticos e, até mesmo, a constituição da Semântica do Acontecimento, que tem como precursor Guimarães, como um lugar de deslocamento desses modos de se considerar o texto e o seu funcionamento.

A Semântica do Acontecimento, que embasa este trabalho, não restringe os estudos do significado ao estrutural da língua, mas considera o exterior, a saber, a história, o social, o ideológico e o político, para se pensar o sentido. Político aqui é tomado pela distribuição desigual dos dizeres, que se materializa nos espaços de enunciação em que as cenas enunciativas se dão.

Para pensar como a referência e a designação se dão no funcionamento dos formulários, é necessário explicitar os dispositivos analíticos que sustentam este trabalho. O modo como se faz referência nas enunciações acaba por construir relações de determinação semântica, como se verá adiante, e não há designação sem referência, como nos mostra Guimarães (2002), e as designações são produzidas cada vez que referimos. Considerando como a referência está relacionada com as palavras que a designam, mobilizamos, para fins de análise, o que Guimarães chama de Domínio Semântico de Determinação. A determinação é crucial para pensarmos o sentido das expressões linguísticas nos formulários, pois as palavras significam a partir das relações de determinação semântica num dado acontecimento enunciativo, assim como o modo de

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retomadas das designações nos formulários, por um processo que Guimarães chama de reescritura.

Na segunda seção, ainda pensando sobre a constituição do sujeito nos/pelos formulários e de como isso é representado como algo estabilizado, sob o efeito de “memória institucionalizada”, como define Orlandi, como um arquivo rígido, mobilizei conceitos e definições acerca da memória e dos processos de identificação, numa relação com a cidade, a partir de autores como Achard, Pêcheux, Davallon, Castells, Kujawski, Orlandi e outros. Neste trabalho, a memória é pensada como histórica, que se dá ao mesmo tempo por regularidades, que perpassam pelo histórico e pelo linguístico, e por deslocamentos, dados pelas práticas, assim como a identidade é vista como movente, dada por processos de identificação, tal qual Orlandi, o pertencer a, que só encontra unidade pelo efeito (necessário), materializada nos campos dos formulários.

Os questionários censitários aqui analisados são parte integrante do Censo Demográfico de 2000, instrumento do IBGE para a contagem da população nacional, ou seja, há, aí, o funcionamento da imagem a partir da memória construída por esse questionário, e nos demais formulários analisados, e isso só é possível porque considero que a formulação das questões se dá em vista a essa imagem.

As análises são apresentadas nas seções três e quatro, evidenciando o funcionamento dos formulários oficiais; na terceira seção, foram analisados formulários para os mais diferentes fins, retiradas de documentos, como RG, CPF, Título de Eleitor e Passaporte e antecedentes criminais; na quarta seção, os formulários que constituem o Questionário de Amostra, utilizados para a coleta de dados do Censo Demográfico de 2000. Vale adiantar que os formulários não são tomados aqui como banco de dados, apenas, mas como um texto, tal como concebe Orlandi; Guimarães (1993), que pensado como unidade de análise, apresenta um começo, meio e fim, mas como processo discursivo e enunciativo é

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atravessado por diferentes posições, produzindo sentidos outros; trata-se de texto que significa e faz significar o sujeito que o responde.

Por último, as conclusões a que as análises permitiram chegar vão além de uma descrição semântica, evidenciam um outro modo de se pensar a população brasileira e sua constituição nos e pelos formulários.

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1 OS ESTUDOS DA SIGNIFICAÇÃO: A SEMÂNTICA

Desde o século XIX, quando se deu início à ciência chamada semântica, muitas concepções foram atribuídas a este campo de estudos, algumas delas se sustentam até os dias atuais. Por esse motivo, torna-se relevante descrever, nesta seção, algumas definições desenvolvidas ao longo de décadas por diferentes autores, para verificarmos os distintos modos de considerar essa ciência e como se localiza neste percurso a Semântica do Acontecimento, teoria que sustenta este trabalho. Assim, apresentamos os procedimentos de análise que norteiam este trabalho.

1.1 A SEMÂNTICA E SUA RELAÇÃO COM A LÍNGUA E A SOCIEDADE

Para Lyons (1982), a semântica é o estudo do significado e o problema está em responder à questão o que é significado?, a qual não apresenta, segundo ele, nem consenso e nem resposta satisfatória. Para esse autor, o significado de um enunciado perpassa a sentença enunciada e se refere ao contexto, enquanto que a língua é responsável pela função descritiva. Nesses estudos, a estrutura linguística é determinante na constituição do significado e o externo a isso fica restrito ao contexto de situação.

Lyons já incluía um externo à língua nas questões de significação, apesar de considerar que a estrutura linguística é determinante para o significado, mas esse externo não era pensado historicamente, trata-se de um externo situacional. Veremos, adiante, quando apresentarmos a Semântica do Acontecimento, que a estrutura linguística, apesar de nos fornecer indícios para pensarmos o significado, não dá conta, por si só, e nem é determinante, do significado e seu exterior é tão relevante quanto na construção da significação.

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Já Lopes (2007) considera que a semântica é a ciência das significações das línguas naturais e o sentido não é evidência, mas resultado de uma interpretação. Para ele, um enunciado em português, por exemplo, só pode ser compreendido por quem tem competência para compreender o português; isso é a única condição para o sentido. Esse autor associa a semântica à metalinguagem. A interpretação, para ele, até possui uma certa relação com o sentido, mas trata-se de uma interpretação pautada apenas pela competência linguística do falante, reflexões essas baseadas em estudos chomskyanos; aqui, diferente da concepção anteriormente apresentada, nem o contexto “interfere” na produção do sentido.

Os estudos apresentados por Lopes tomam como base para o significado a competência do falante em relação à língua em que o enunciado foi proferido, a responsabilidade pela interpretação nesse caso é focada no sujeito.

Para nós, não é a “competência” que agencia a interpretação. Há uma divisão

social da leitura que não dá a todos os falantes “competentes” de uma determinada língua as mesmas “condições” para a interpretação e tratar o sentido é considerar em seu escopo a história, o social e o ideológico.

Segundo Guimarães (2006), a disciplina semântica, a qual toma campo na segunda metade do século XIX, é considerada como a ciência das significações, responsável, muitas vezes, por estudar a mudança de sentido das palavras e se consolida com a chamada semântica histórica.

À Semântica, como podemos observar em diferentes reflexões, é atribuído o estudo do significado das palavras e o problema, decerto, está na definição do que seja significado, isso é tratado de forma divergente pelas diferentes semânticas, como, por exemplo, a Semântica Formal, a Semântica da Enunciação e, também, a Pragmática.

Quando falamos de sentido e referência, adentramos no campo da Semântica Formal, que é referencialista e trata da relação linguagem/mundo para trabalhar a significação. Essa Semântica tem relação com a lógica e se sustenta, em estudos como os propostos por Frege, em que o julgamento de verdadeiro ou

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falso é um dos critérios de análise da sentença, independente do uso. A Semântica Formal, complementa Guimarães (2006), tem como unidade de análise a sentença, ou seja, a frase, independente de seu uso.

Lyons (1982) associa a Semântica Formal à semântica da condição de verdade, originada pela investigação de linguagens formais, pelos lógicos, e aplicada à investigação das línguas naturais, que passa a ser considerada um complemento da pragmática, “definida de várias maneiras, como o estudo de enunciados reais; o estudo do uso em vez do significado” (p. 163). Segundo ele, uma proposição pode ser asseverada ou negada, pode ser verdadeira ou falsa. Para a Semântica Formal saber o significado de uma sentença é saber as suas condições de verdade.

Outra semântica apresentada é a Semântica da Enunciação, considerada por alguns como aquela que trata o significado a partir da argumentação criada na/pela linguagem, tal como colocam as reflexões de Ducrot. Guimarães (2006) acrescenta que a essa semântica, apesar de tratar a significação também pela relação entre elementos linguísticos, leva em conta “as condições do funcionamento da língua no momento em que ela é posta em funcionamento por aquele que fala” (p. 117), considerando as condições históricas em que esse funcionamento se dá. Para essa semântica, a unidade de análise é o enunciado, isto é, a frase em condições de uso, e o sujeito é considerado linguisticamente.

Ainda em relação aos estudos semânticos, Lyons (1982) distingue sentença de enunciado; sentença é, para ele, uma entidade abstrata, independente do contexto. Já o enunciado é a sentença relacionada ao contexto e seu significado depende do significado da sentença e do contexto. Segundo esse autor, traçar um significado do enunciado em nada tem a ver com a competência em uma língua, distanciando-se de Lopes, pois o significado das sentenças se sustenta pelo seu uso característico. Por isso, para ele, a semântica não é anterior à pragmática, mas as duas são interdependentes.

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Já para Guimarães (2006), uma frase só tem sentido quando enunciada, ou seja, a significação é produzida por um dizer de alguém numa determinada língua, que possui relações próprias, apesar de ser afetada pela história. As línguas, acrescenta ele, distribuem-se ao mesmo tempo em que constituem seus falantes. É aí que entra a questão da enunciação. “A enunciação é o acontecimento em que a língua funciona e assim constitui sentido. E ao constituir sentido constitui aquele que fala enquanto locutor, e a seu interlocutor como destinatário” (GUIMARÃES, 2006, p. 124).

O autor acrescenta, ainda, que fazer uma análise semântica é considerar o sentido da frase e saber como os elementos da frase significam e produzem sentido: “é preciso poder dizer como o sentido de uma frase se constitui

e isto está relacionado a que os elementos – palavras, expressões – que

compõem a frase significam enquanto fazem parte dela” (idem, p. 115).

A língua, considerada por esse prisma, não é um sistema pronto, fechado e acabado, o qual serve de material de apoio a análises linguísticas, mas sim, afetada por uma história, refeita pelos enunciados nos acontecimentos. Sob essa perspectiva, o externo que determina o sentido não é o contexto, mas uma memória de sentidos já significados e engendrados por uma historicidade que faz com que sejamos retomados e ressignificados em dizeres outros.

Pensar a língua a partir da semântica é, para alguns autores formais, como Lyons (1977), considerar que as línguas são provavelmente únicas, devido à capacidade de transmitir informação descritiva, social e expressiva. Ao nosso ver, as línguas não são únicas e uma determinada língua também não é unívoca, mas politicamente dividida, suscitando muitas línguas num mesmo território linguístico. Não estamos com isso considerando muitas variedades de uma mesma língua, mas muitas línguas (brasileiras, por exemplo). Uma língua natural é muitas, múltiplas, como são seus falantes, com possibilidades de circulação e significação distintas, determinadas por recolocação de dizeres em uma determinada sociedade.

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Ao tratar das questões de língua e sociedade, Benveniste (1974a, p. 97) apresenta a relação de poder da língua, que está acima das classes, dos grupos e das atividades sociais, o que resulta na dualidade inerente à língua, ou seja, é “ao mesmo tempo imanente ao indivíduo e transcendente à sociedade” (BENVENISTE, 1974a, p. 97). Para ele, a língua é o interpretante da sociedade e, concomitantemente, inclui a sociedade, mas não é incluída por ela, isto é, a língua pode ser estudada sem se referir a seu emprego na sociedade, mas é impossível descrever a sociedade e a cultura fora de suas expressões linguísticas. Ele acrescenta que a sociedade só se torna significante na/pela língua, a qual é capaz de produzir sentido devido à sua estrutura, composta de signos, unidades numerosas de sentido, que se combinam por um código, aumentando, cada vez mais, o número de enunciações. A língua é necessária para descrever, conceituar e interpretar a sociedade; ela fornece ao falante a estrutura formal, o instrumento linguístico que permite o exercício da fala e o funcionamento subjetivo e referencial do discurso; a língua é prática humana.

Ao pensarmos o funcionamento linguístico e a constituição dos sentidos, consideramos que a interpretação de um enunciado é um ato complexo, que envolve tanto “recursos” internos à língua, a começar pelo conhecimento da

estrutura dessa língua, quanto externos, como o acesso à memória discursiva –

interdiscurso, algo que fala antes, em outro lugar independentemente (PECHÊUX, 1997a) –, perpassada por uma ideologia e historicamente constituída.

1.2 A LÍNGUA E O EXTERIOR: O SENTIDO, A HISTÓRIA

O sentido das palavras também leva a discussões diversas nos diferentes estudos semânticos. Para Bréal (1992), não há uma relação direta entre a palavra e a coisa e quando há restrição no sentido de uma determinada palavra, a linguagem recorre a outras. Segundo ele, “só a história pode dar às palavras o

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grau de precisão que temos necessidade para compreendê-las bem” (p. 83), pois somente com ajuda da etimologia isso não se faz possível.

As palavras mudam de sentido e o ato em que elas são utilizadas determina muito mais seu sentido que a circunstâncias que foram o ponto de partida para a sua nomeação, o fato de aparecer um novo sentido não implica no encerramento do antigo e ambos podem ser empregados, podem até ser semelhantes na forma, mas diferentes no valor. Para Bréal (1992, p. 123), a linguagem não consegue esgotar todos os sentidos que uma palavra possa ter, que uma palavra possa despertar; “entre todas as noções, a linguagem escolhe apenas uma: cria assim um nome que não tarda a se tornar signo”. Mas esse nome logo se desprende de sua significação etimológica, restringe-se ou se estende; ao mesmo tempo, nomeia os objetos ao longo dos acontecimentos da história. Esse autor já pensava na questão histórica e propunha um deslocamento ao relacionar sentido e etimologia.

Guimarães (1998) também considera a história para tratar de questões enunciativas. Mas, para ele, a história não é uma sucessão de fatos ou narrativas, e sim a “convivência de tempos diferentes em um presente” (p. 113), é material, engendrada por uma memória social. A história é um dos pilares que sustentam a teoria da Semântica do Acontecimento e é a via pela qual se pensa o sentido.

O sentido, para nós, vai além das estruturas linguísticas, perpassa o campo das palavras e das frases. Com isso, não estamos dizendo que o sentido depende da “situação” em que os enunciados ocorrem e dos indivíduos envolvidos na fala, mas sim, que há relações históricas, sociais, políticas e ideológicas no acontecimento, as quais afetam os sentidos daquilo que dizemos, fazendo com que eles não sejam apenas um ou qualquer um. Há uma relação de poder da língua que afeta a formulação, a circulação e a interpretação dos textos, sobretudo os formulários, textos analisados nesta tese. Podemos estender essa discussão ao considerarmos, novamente, a divisão social da leitura, em que os formulários são lidos e interpretados de maneiras distintas pelos múltiplos leitores. A isso se

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incluem o contexto histórico, social e ideológico, os sujeitos envolvidos na enunciação, o dizer, a memória discursiva, a retomada de sentidos, a língua:

o sentido não está, simplesmente, nas palavras, nas frases, nos segmentos linguísticos. Mas também não está nas situações em que estas palavras são ditas. A significação diz respeito a uma relação das palavras, das frases com o acontecimento (considerado sócio-historicamente) em que ocorrem, de tal modo que um enunciado não significa qualquer coisa, nem uma só coisa (GUIMARÃES, 2006, p. 126).

Por conseguinte, o autor acrescenta que situação diz respeito aos indivíduos envolvidos na fala, ao espaço físico, é o lugar empírico do dizer, já o acontecimento de enunciação envolve locutores, social e politicamente constituídos no acontecimento, trata-se de um fato simbólico. O locutor, segundo Guimarães (2006, p. 127), é uma categoria social e política, constituída no e pelo acontecimento enunciativo: “o locutor não é aquele que é responsável pelo dizer, no sentido psicológico, mas é aquele que o enunciado representa como responsável pelo dizer. E representa exatamente pelo funcionamento de certas palavras que significam porque estão marcadas pela enunciação”. Dessa forma, podemos afirmar que é pelo acontecimento que o locutor se constitui e produz sentidos e não simplesmente por suas intenções, em uma dada situação

empírica1.

Para Ducrot (1987a), o contexto também faz parte da constituição dos sentidos, pois uma determinada palavra, quando introduzida num enunciado em um contexto dado, modifica o sentido global do enunciado. Por isso, acrescenta ele, o semanticista não deve focar apenas na descrição do sentido das palavras, mas como essas palavras intervêm na significação do enunciado.

O autor, quando discorre sobre a situação, acrescenta que:

de um lado, a situação não opera diretamente sobre a frase, mas somente sobre a significação da frase. De outro lado, ela não opera sobre o valor que possam ter os morfemas tomados isoladamente, mas

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sobre o resultado produzido por sua combinação sintática no interior da frase (DUCROT, 1987b, p. 91).

Ao distinguir frase de enunciado, ele afirma que frase é a entidade linguística abstrata e enunciado é a ocorrência particular da frase, sua realização concreta; afirma, ainda, que é na enunciação que o enunciado é produzido. Ao valor semântico da frase o autor chama de significação e ao valor semântico do enunciado, sentido. Esse sentido não se dá apenas a partir da significação da frase (apesar de ser necessária para se entender o sentido do enunciado), mas envolve o valor referencial do enunciado e é preciso conhecer o contexto em que a frase é empregada.

Já Benveniste (1974b) dizia que enunciar é colocar a língua em funcionamento por um ato individual de utilização do locutor, que mobiliza a língua à sua maneira e determina, por sua relação com a língua, a estrutura linguística da enunciação, num dado tempo. A enunciação é, então, o ato de produzir um enunciado, em situações específicas, utilizando-se da língua como instrumento e convertendo-a em discurso.

Toda enunciação, conforme nos mostra o autor, é uma alocução e reclama um alocutário; desde que o locutor se aproprie do aparelho formal da língua e se coloque como locutor (eu), ele pressupõe o outro (tu) e outra enunciação em retorno. Benveniste (1974b) afirma que mobilizar e se apropriar da língua é, “para o locutor, a necessidade de referir pelo discurso, e, para o outro, a possibilidade de co-referir identicamente, no consenso pragmático que faz de cada locutor um co-locutor” (p. 84).

O autor trabalha com a noção de classe de „indivíduos linguísticos‟, em que tradicionalmente se denominam „pronomes pessoais‟ ou „demonstrativos‟. Segundo ele, os „indivíduos linguísticos‟ são produzidos no/pelo acontecimento individual da enunciação e se constituem novamente a cada enunciação e toda vez que eles designam algo novo. É a enunciação se constituindo sob a forma de um diálogo, em que um eu sempre vai pressupor um tu, mesmo que imaginário;

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para ele, “duas figuras na posição de parceiros são alternativamente protagonistas da enunciação” (1974b, p. 87).

Benveniste (1974c, p. 71) distingue tempo físico de tempo crônico e de

tempo linguístico. Para ele tempo físico é “um contínuo uniforme, infinito, linear,

segmentável à vontade”; o tempo crônico, segundo o autor, é o tempo que norteia nossa existência pessoal, o dos fenômenos naturais, o tempo dos acontecimentos da vida; o tempo, por essa perspectiva, é um contínuo em que os acontecimentos se dão. Essa noção de tempo crônico é, para nós, crucial para entendermos a própria noção de acontecimento tratada pelo autor.

Para Benveniste (1974c), os acontecimentos estão no tempo e são dispostos de acordo com uma direção – para trás ou para frente, anteriormente ou

posteriormente – a partir de um acontecimento importante, nascimento de Cristo,

por exemplo. Dessa forma, podemos medir a distância do tempo, por uma cronologia particular, fixa, que não pode ser mudada, comum a todos os homens e, como acrescenta o autor, ter a posição objetiva dos acontecimentos e a nossa posição em relação a eles.

Já o tempo linguístico, segundo Benveniste (1974c), apesar de se manifestar de forma semelhante ao tempo físico e ao cronológico, apresenta a sua própria ordem, relaciona-se com o tempo da fala e se organiza a partir do discurso, ou seja, o presente, no tempo linguístico, é o presente da instância da fala, ato individual, em que o locutor emprega a forma presente ou uma equivalente. O presente, para o autor, é marcado pela forma linguística empregada pelo locutor e é um novo presente a cada progressão do discurso e todo o tempo se organiza a partir do presente linguístico.

De acordo com o autor, o tempo presente é o eixo de organização do

tempo linguístico, é o único tempo inerente à língua e coincide com o

acontecimento, constituindo a linha de separação entre o passado, quando o acontecimento não é mais contemporâneo do discurso, e o futuro, quando o acontecimento ainda não é presente:

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O único tempo inerente à língua é o presente axial do discurso, e este presente é implícito. Ele determina duas outras referências temporais; estas são necessariamente explicitadas em um significante e em retorno fazem aparecer o presente como uma linha de separação entre o que não é mais presente e o que vai sê-lo. Estas duas referências não se relacionam ao tempo, mas as visões sobre o tempo, projetadas para trás e para frente a partir do ponto presente (BENVENISTE, 1974c, p.76).

O autor acrescenta, também, que a temporalidade que organiza o discurso do eu é identificada e aceita pelo tu; por conseguinte, quando o tu proferir a resposta, o eu converte essa temporalidade na sua. É esse caráter intersubjetivo do tempo do discurso que, segundo ele, torna possível a comunicação linguística.

Benveniste (1974c) explica, ainda, a temporalidade quando o discurso é escrito em tempo distinto ao presente; para ele, um discurso escrito em tempo que não coincide com o presente do locutor precisa explicitar o tempo crônico em que esse discurso se deu, para que seja compreendido pelos integrantes da comunicação linguística.

Para complementar as discussões acerca da temporalidade, o autor acrescenta que esta é produzida na e pela enunciação, que instaura uma categoria de presente e dela origina a categoria de tempo, ou seja, somente o ato de enunciação torna possível o tempo no mundo. O tempo presente continuamente se renova a cada enunciação e é delimitado pelo ser que da língua se apropria.

Segundo Benveniste (1966a), qualquer tipo de língua apresenta certa organização linguística da noção de tempo, seja marcado pela flexão de verbo ou por palavras de outras classes. Para ele, o tempo de referência é sempre o

presente – marca temporal interior ao discurso – que coincide com o

acontecimento, no momento em que se está e se fala, determinado pelo locutor. O autor acrescenta, ainda, que a temporalidade, manifestada pelo linguístico, revela a subjetividade inerente na linguagem, a única que torna possível a comunicação linguística.

Guimarães (2002), ao apresentar um estudo enunciativo da designação, modifica a noção de temporalidade formulada por Benveniste. Para

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ele, o acontecimento não é um fato no tempo, novo, independente de outro ocorrido antes; também não está num presente que tem como correlato anterior um passado e posterior um futuro, considerados como tempo cronológico, mas instaura a sua própria temporalidade, relacionando-se com outros acontecimentos, por uma rememoração de enunciações. Elucidaremos, adiante, como a temporalidade é desenvolvida por esse autor e como ela é fundamental para pensarmos o funcionamento dos formulários.

Benveniste (1966a) apresenta o funcionamento dos pronomes pessoais e mostra como esses pronomes organizam as relações discursivas em torno do sujeito; além disso, questiona a premissa de que a linguagem é um instrumento de comunicação, o qual transmite uma ordem, uma pergunta ou um anúncio, provocando uma reação no interlocutor, principalmente devido ao uso do termo

instrumento, que, segundo ele, trata-se de algo fabricado e a linguagem é da

natureza do homem. Acrescenta, ainda, que é na/pela linguagem que o homem se constitui como sujeito, tomando consciência de si mesmo. Isso só é possível porque o locutor remete a si mesmo como o eu do discurso e remete ao outro como tu. Como afirma esse autor (p. 286), “a polaridade das pessoas é na linguagem a condição fundamental, cujo processo de comunicação, de que partimos, é apenas uma consequência totalmente pragmática”.

Complementando, Benveniste (op. cit.) diz que o eu e o tu, apesar de não se conceberem sozinhos, não são simétricos e nem estabelecem uma relação de igualdade. Mas é nessa relação mútua que se descobre o fundamento linguístico da subjetividade. O eu, segundo ele, se refere ao ato de discurso individual no qual é pronunciado, designando o locutor; “é na instância de discurso

na qual eu designa o locutor que este se enuncia como „sujeito‟” (BENVENISTE,

1966a, p. 288).

Apesar de a Semântica do Acontecimento considerar a relação sujeito/língua na constituição da enunciação, sustenta sua posição num lugar claramente distinto, pois não pressupõe o locutor como o centro da enunciação, o responsável por colocar a língua em funcionamento. Há, neste lugar teórico, a

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inclusão da história nos estudos enunciativos e a enunciação é considerada como o acontecimento histórico de funcionamento interdiscursivo da língua (GUIMARÃES, 1995, 2002).

Para Guimarães (1995, p. 69), “a língua funciona na medida em que um indivíduo ocupa uma posição de sujeito no acontecimento, e isto, por si só, põe a língua em funcionamento por afetá-la pelo interdiscurso, produzindo sentidos”. Segundo o autor (2002), tanto o sentido quanto o sujeito se constituem pelo funcionamento da língua.

O sujeito e o sentido, por conseguinte, não estão prontos e muito menos se constituem no campo do previsível, mas se ressignificam em cada acontecimento, tornando-se outro.

Para Rancière (1994), tudo fala, tudo tem um sentido na medida em que toda produção de fala é destinada à expressão legítima de um lugar; nenhuma fala permanece sem lugar e toda produção de fala pode representar-se como a exata expressão do que lhe dá lugar, de sua própria legitimidade. Para esse autor, “não há uma única mudança de sentido, uma única modificação da gramática, uma única particularidade de sintaxe que não deva ser considerada como um pequeno acontecimento da história” (p.168). Segundo ele, uma fala sem sentido é uma fala sem lugar, sem o direito de ser dita. É dessa maneira que se colocam os dizeres que, mesmo sem poderem ser ditos, escapam. Todo acontecimento está ligado a um excesso de fala, sob a forma específica de um deslocamento do dizer, uma apropriação da palavra do outro que a faz significar diferentemente.

Há história porque há uma ausência das coisas nas palavras e porque, nos nomes, há o denominado, como afirma Rancière (1994). É disso que depende o estatuto da história, ou seja, da dupla ausência da própria coisa que não está mais lá, passou sem jamais ter sido, nunca foi tal como foi dito. É pela relação com essa ausência que se definem as posições do discurso histórico.

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1.3 ESPAÇOS DE ENUNCIAÇÃO: O POLÍTICO

Para Guimarães (2002), tratar a enunciação é estar num espaço que seja possível considerar a constituição histórica do sentido, assim como a noção de sentido e noção de político. A enunciação é uma prática política, não individual e não subjetiva, na qual se dá a relação do sujeito com a língua, pelo simbólico, materializando historicamente o real. Para esse autor, o político é próprio da divisão que afeta materialmente a língua e estabelece, contraditoriamente, uma divisão desigual do real e a afirmação de pertencimento dos que não estão incluídos.

É no espaço regulado e conflituoso, espaço político, que a relação entre

línguas e falantes se dá, espaço de disputas pela palavra e pelas línguas, “o

homem está sempre a assumir a palavra, por mais que essa lhe seja negada, por qualquer normatividade enunciativa” (GUIMARÃES, 2002, p. 7).

Em reflexões acerca do político, Orlandi (1998) afirma que é preciso ir além da situação imediata, dos conteúdos, da formulação. A forma material do político é diferente nos diferentes países porque a discursividade difere, produzindo diferentes jogos imaginários, nas diferentes línguas, resultado do trabalho da ideologia, que é constitutiva da relação sujeito-sentido e integra a relação imaginária do homem com o simbólico. O político significa que o sentido é sempre dividido; essa divisão está ligada às injunções das relações de força que derivam da forma da sociedade na história. O político é constitutivo.

Guimarães (2002) mobiliza a noção de cena enunciativa para tratar da enunciação. Para ele, cena é um modo específico de acesso à palavra, são especificações contidas nos espaços de enunciação e é constituída por uma deontologia específica de distribuições de lugares de enunciação no acontecimento, funcionando como um tratado dos dizeres.

O autor acrescenta que a cena enunciativa coloca em jogo os lugares de dizer – enunciadores. Ao descrever esses lugares, Guimarães (2002) diz que o Locutor (L) é quem assume a palavra e põe-se no lugar de quem enuncia,

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representado como fonte do dizer. Para estar nesse lugar, ocupando papéis enunciativos, é necessário estar afetado por lugares sociais autorizados a dizer, chamados de locutor-x, lugar de onde se diz, numa determinada língua, posição ocupada pelo falante numa determinada enunciação. É somente enquanto Locutor que ele se dá como locutor-x, divisão do Locutor, sem essa disparidade, não há enunciação; no acontecimento de enunciação, há uma disparidade constitutiva do Locutor e do locutor-x, do presente do Locutor e da temporalidade na qual fala o locutor-x.

Diferentemente de lugares sociais, mas que também constituem as cenas enunciativas, o autor apresenta os lugares de dizer, lugares de enunciação específicos, que se originam a partir do enunciador, como o lugar de dizer que se apresenta como individual, que se representa como independente da história e apagado pelo lugar social, tem-se aí o individual. Já o enunciador-genérico, que também simula ser a origem do que se diz, representa um dizer que estaria em „comum acordo‟, o dizer que todos dizem, os ditos populares, por exemplo. O enunciador-universal se apresenta como o que diz algo verdadeiro em virtude dos fatos, por isso não está submetido ao julgamento de verdadeiro e falso; aí estariam afirmações como „todas as pessoas morrem‟ ou outras, oriundas do meio científico. Não é pelo lugar de dizer social, mas pelo lugar de enunciação em que se diz sobre o mundo.

A discussão acerca do lugar de enunciação é tratada também por Zoppi-Fontana (2001, p. 2), quando diz que o lugar de enunciação está relacionado à “divisão social do direito de enunciar e a eficácia dessa divisão e da linguagem em termos da produção de efeitos de legitimidade, verdade, credibilidade, autoria, circulação, identificação, na sociedade”, ou seja, mais uma vez, a enunciação associada à relação de poder e legitimação.

Zoppi-Fontana (2001) acrescenta que as relações presentes no intradiscurso, a linearidade das formulações, são efeitos da organização dos lugares enunciativos. A autora cita Orlandi (1999) quando esta estabelece a relação do funcionamento da ideologia com o equívoco, com a contradição, a

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partir da interpelação do indivíduo em sujeito; um sujeito em relação às formas de individuação pelo/ao Estado, que passa a determinar, com suas instituições, as relações que se dão na formação social, individualizando e, ao mesmo tempo, produzindo diferentes efeitos no processo de identificação.

De acordo com Zoppi-Fontana (2001, p. 6), essa relação de interpelação/identificação é fundamental para se pensar os “lugares de enunciação”, assim como o processo de constituição do sujeito o qual “se dá pelas relações de identificação/interpelação ideológica estabelecidas com as posições de sujeito”. Além disso, a autora acrescenta que não dá para conceber os lugares de enunciação sem relacioná-los com o sujeito (e sua constituição), com o silêncio (e seu funcionamento na constituição das posições sujeito) e com o Estado (como condições de produção de todo e qualquer dizer). Podemos relacionar esse modo de considerar os lugares de enunciação pela autora com o que Guimarães discute ser o político, ou seja, o conflito entre uma divisão normativa e desigual do real.

Segundo Guimarães (2002), a relação entre os sujeitos e línguas se dá num espaço regulado e de disputa pela palavra e pelas línguas, num espaço político, dividido desigualmente, de disputa pela palavra. Esses espaços de enunciação são espaços de funcionamento de línguas, que se dividem, redividem, se misturam e se desfazem. Os sujeitos, divididos por seus direitos ao dizer e aos modos de dizer, fazem parte desses espaços; a equivocidade própria do acontecimento, da deontologia que organiza e distribui papéis também faz parte desses espaços.

Partindo do pressuposto de que o acontecimento instaura sua própria temporalidade, o passado no acontecimento, segundo Guimarães (2002), não são lembranças pessoais de fatos anteriores, mas um passado de enunciações, uma memória de sentidos que se significam no/pelo acontecimento, que projeta em si um futuro, uma futuridade, o tempo da interpretação. O autor acrescenta, ainda, que é o acontecimento que temporaliza e o locutor, que não é a origem do tempo na linguagem, é tomado por essa temporalidade.

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Ele afirma, então, que a temporalidade do acontecimento se constitui por um presente, que não é definido pela apropriação da língua pelo locutor, mas pelo próprio acontecimento, por um passado, que recorta sentidos já significados em outras enunciações e que se ressiginificam a cada nova temporalização do acontecimento, constituindo a interpretação, o tempo futuro do acontecimento, ou seja, há um passado, um presente e um futuro que são constitutivos do funcionamento enunciativo e que, sem essa tricotomia temporal, não haveria sentidos, nem enunciações.

A noção de temporalidade constitui um ponto crucial da teoria da Semântica do Acontecimento e é indispensável como dispositivo analítico deste trabalho, assim como as noções de designação, nomeação e referência, muitas vezes mobilizadas como sinônimas ou correlacionadas à noção de denotação.

1.4 A SIGNIFICAÇÃO NOS ESTUDOS SOBRE DESIGNAÇÃO, REFERÊNCIA, DENOTAÇÃO E NOMEAÇÃO

Muito se desenvolveu em relação aos estudos sobre referência, denotação, nomeação e designação. Russell, Lyons, Strawson, Ducrot, assim como Frege, apresentam modos distintos de se trabalhar a significação a partir desses conceitos. Apresentaremos aqui essas distinções que se fazem relevantes para entendermos a maneira como a Semântica do Acontecimento, a partir de Guimarães, desloca esses sentidos apresentados, estabelecendo um outro modo de se considerar o funcionamento da designação, da referência e da nomeação.

Russell (1974), por exemplo, trata da questão do sentido a partir da denotação e diz que uma expressão é denotativa a partir da sua forma e o significado só pode ser apreendido por meio das expressões denotativas. Para ele, “as expressões denotativas nunca têm qualquer significado em si próprias, mas cada proposição, em cuja expressão verbal elas ocorrem, tem um significado” (p. 10). Acrescenta, ainda, que as expressões denotativas acompanhadas

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rigorosamente de artigo estabelecem unicidade. Em contrapartida, expressões falsas não denotam nada.

Para desenvolver uma teoria da denotação, esse autor apresenta três pontos cruciais: identidade nas proposições (“A idêntico a B”), o que é verdadeiro em um é verdadeiro em outro e a substituição de um pelo outro em nada altera

seu valor de verdade ou falsidade; exclusão dos meios (“A é B” ou “A não é B”),

em que um ou outro deva ser verdadeiro; e, diferenciação (“A diferente de B”). Ele acrescenta que “a relação entre significado e denotação tal como ela se dá na expressão não é meramente linguística: deve haver uma relação lógica envolvida, que expressamos dizendo que o significado denota a denotação” (RUSSELL, 1974, p. 15).

Russell (op. cit.) afirma, ainda, que se não temos conhecimento de uma coisa de imediato, mas somente pelas definições através de expressões denotativas, as proposições não são constituídas por essa coisa, mas pelas palavras das expressões denotativas. E complementa: “com nossa teoria da denotação somos capazes de sustentar que não existem indivíduos irreais; de tal forma que a classe vazia é a classe que não contém membros e não a classe que contém como membros todos os indivíduos irreais” (p. 19).

Diferentemente, Lyons (1982) diz que o sentido é o meio pelo qual uma palavra se relaciona a outra, enquanto que denotação é o meio pelo qual uma palavra se relaciona com a realidade. Sentido e denotação são interdependentes e, a partir de uma visão racionalista, é o sentido que determinada a denotação de uma palavra; pode-se saber o sentido de uma palavra sem saber sua denotação. Assim como a denotação, a referência é dada por uma relação com o mundo; mas, a referência, diferentemente da denotação, está ligada ao contexto da enunciação. Para ele, a grande maioria das expressões referenciais em uma determinada língua está relacionada ao contexto e nem os nomes próprios fogem a isso.

Em outro momento, Lyons (1977) afirma que a denotação é parte de uma relação mais complexa entre a linguagem e o mundo, pois:

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Usamos a linguagem não apenas para descrever as pessoas, as coisas e as situações no mundo físico e no mundo social com o qual interatuamos na nossa vida diária, mas também para controlar e nos ajustarmos, de várias maneiras, a essas pessoas, coisas e situações. A função descritiva da linguagem, por mais importante que seja, não é a sua única função, nem sequer a mais fundamental (LYONS, 1977, p. 175).

Lyons (1977) afirma ainda que podemos dizer que a denotação é o processo de classificação de objetos e propriedades, aplicado a expressões, como, por exemplo, „cão‟ para denotar classe dos cães, ou um membro ou um exemplar da classe, e „canino‟ para denotar a propriedade. Enquanto a referência está ligada ao enunciado, às expressões em um determinado contexto, como expõe o autor, a denotação se aplica a palavras, independente de situações particulares de enunciação. Para ele, a denotação de uma palavra determina a sua referência, não enquanto palavras, mas sim quando empregue em expressões referenciais. Por conseguinte, o termo denotação pode ser empregado em determinadas expressões que podem substituir palavras simples nas frases e ser denotacionalmente equivalentes.

Para o autor, sabemos os sentidos de determinadas palavras, tenham elas denotação ou não, porque sabemos os sentidos das palavras que compõem sua definição o que permite afirmar, segundo o autor, que o sentido é, em alguns casos, anterior à denotação. Há uma interdependência entre a denotação e a predicação, pois quando atribuímos uma propriedade a um indivíduo ou grupo de indivíduos, segundo o autor, aplicamos como predicado ao indivíduo ou ao grupo uma palavra ou expressão denotando a propriedade. Dessa maneira, podemos afirmar que as expressões predicativas têm uma denotação. Esse autor considera que a referência é do enunciado e a denotação das palavras e são as expressões dotadas de sentido.

Já a referência não é aplicável a palavras isoladas, mas sim dependente do enunciado, é a “relação existente entre uma expressão e aquilo que essa expressão designa ou representa em ocasiões particulares de sua

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enunciação” (LYONS, 1977, p. 145). Para que uma frase seja dotada de referência, é preciso ser enunciada com um valor de comunicação particular, num determinado contexto. Segundo o autor, é o locutor quem refere, a partir de uma expressão referencial apropriada, a um determinado referente, identificável, e suas

intenções se refletem nas marcas de seus enunciados2.

A referência só é satisfatória, segundo o autor, se o locutor escolher uma expressão referencial que permita ao interlocutor, num dado contexto, escolher o referente entre os referentes potenciais. É também por essa via que o autor pensa a unicidade em semântica linguística, ou seja, é pelo contexto que o interlocutor identifica de forma unívoca o referente que o locutor tem em mente; o autor acrescenta, ainda, que “o locutor, ao usar a expressão referencial singular definida, vincula-se, pelo menos temporária e provisoriamente, à crença na existência de um referente que satisfaz a sua descrição, e convida o auditor a fazer o mesmo” (p. 152).

Strawson (1985) afirma que, para referir, utilizamos de expressões; já as sentenças são sentenças que se iniciam com expressões. Para ele, essas expressões nunca constituem nomes próprios e nem descrições, por conseguinte, ainda segundo ele, não há “nomes logicamente próprios e tampouco existem descrições” (p.264).

Quando uma expressão referencial diz algo, não sobre este ou aquele grupo, ou sobre este ou aquele objeto individualizado, mas acerca de determinada classe, é chamado de referência genérica (LYONS, 1977). As proposições genéricas, que nada têm a ver com geral, não são marcadas quanto ao tempo gramatical. Se estiverem marcadas temporalmente, são expressões referenciais gerais, apresentadas pelo autor como opostas a referências singulares.

Para Lyons (1977), o linguista deve preocupar-se com o estudo da referência no que tange à descrição das estruturas gramaticais e os processos de

2

O autor usa o termo expressão referencial geral para aquelas que se referem a classes de indivíduos e expressão referencial singular para as que se referem a indivíduos. Usa, também, a noção de expressão definida, quando se refere a um indivíduo específico (ou classe de indivíduos), e indefinida, quando não se refere a um indivíduo específico (ou uma classe específica).

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referências a indivíduos e a grupos de indivíduos, sem se atentar à referência real das expressões, pois os nomes próprios, afirma o autor, não têm sentido, diferente das descrições definidas.

Sobre a particularização de pessoas, Strawson (1985) acrescenta que:

não podemos dizer que a sentença é acerca de uma pessoa particular, dado que a mesma sentença pode ser utilizada, em épocas diferentes, para falar acerca de pessoas particulares totalmente diferentes; podemos falar apenas de uma utilização da sentença para falar acerca de uma pessoa particular (STRAWSON, 1985, p. 265).

Por conseguinte, para ele, é pela utilização de sentenças que podemos falar sobre uma pessoa em particular e não por meio da expressão em si, que, segundo ele, não refere, assim como as sentenças não são nem verdadeiras, nem falsas. Para esse autor, é a utilização das sentenças e expressões o que interessa e não as sentenças e as expressões em si, pois as sentenças e as expressões em si não referem a nada, assim como a significação não é a coisa em particular ou um conjunto de coisas. Essa utilização mencionada por Strawson (1985, p. 267) não está relacionada com uma situação específica, mas é dada por convenções:

com efeito, falar acerca da significação de uma expressão ou de uma sentença não é falar acerca de sua utilização numa ocasião particular, mas, sim, falar das regras, hábitos e convenções que governam em todas as ocasiões, a sua utilização correta para fazer referência ou para acertar (STRAWSON, 1985, p. 267).

Já segundo Russell (1974), a significação está nas sentenças e nas expressões e a referência no uso das sentenças e expressões. A significação de uma expressão é o objeto a que ela faz referência e a significação é o próprio objeto designado. Ele acrescenta que, para ser nome, é preciso designar alguma coisa e uma descrição definida denota um indivíduo se esse indivíduo se encaixar na descrição de forma unívoca.

Para Lyons (1977), os nomes próprios têm uma função referencial e vocativa, apesar de serem usados, frequentemente, para chamar a atenção do

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interlocutor para a presença ou existência da pessoa que se nomeia. Podem ser usados para avisar, evocar, sem necessariamente haver uma predicação precisa ou explícita. São usados para referir ou dirigir-se a indivíduos. O nome de uma pessoa, afirma o autor, é considerado como “uma parte essencial dela” (p. 179).

Os nomes próprios podem até ter referência, afirma esse autor, mas não têm sentido ou nenhum tipo de significado único e especial que os distinga dos nomes comuns como uma classe e, por conseguinte, não podem ser usados como predicados; seu significado simbólico depende de convenções específicas de uma dada cultura. O autor questiona, ainda, a distinção, na aprendizagem da linguagem, entre nomes próprios e nomes comuns, pois, para ele, em determinadas situações, nomes próprios podem funcionar como nomes comuns e vice-versa.

Lyons (1977) trabalha, ainda, com o termo nominação por considerar os termos „nomear‟ e „denominar‟ obscuros. Para ele, nominar é atribuir um nome a uma pessoa, o que ele chama de nominação didática. “Por nominação didática entendemos ensinar a alguém, formal ou informalmente, que um nome particular está associado por uma convenção preexistente a uma pessoa, objeto ou lugar particular” (p. 179).

Em contrapartida, Rancière (1994, p. 43) considera que “Um nome identifica, não classifica” e só existe história porque os nomes identificam (vale retomar que história, para ele, são as narrativas de fatos acontecidos).

Compartilhando dessa afirmação, Guimarães (2002) diz que a designação é constitutiva do sentido dos nomes e a nomeação é o funcionamento semântico pelo qual algo recebe um nome. O autor acrescenta, ainda, que a designação é a significação de um nome, não de forma abstrata, mas sim como algo próprio das relações de linguagem, relação simbólica remetida ao real, exposta ao real, uma relação tomada na história. Já a referência é a particularização de algo pela enunciação. Essa particularização também está relacionada com a história, não se dá de forma mnemônica ou como representação da realidade.

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Para esse autor, as referências feitas com um nome são elementos constitutivos da designação. Num acontecimento em que um certo nome funciona, a nomeação é recortada como memorável por temporalidades específicas. É preciso, ainda, observar como um nome aparece referindo no texto em que ocorre, como o nome está relacionado pela textualidade com outros nomes ali funcionando. Esse modo de referir organizado em torno de um nome é um modo de determiná-lo, de predicá-lo.

No que concerne às expressões referenciais, Lyons (1977) diz que os nomes próprios, empregados como expressão referencial, identificam os seus referentes, associando, única e arbitrariamente, o nome ao seu portador; ter um determinado nome é possuir uma certa propriedade. O autor acrescenta que os pronomes pessoais e demonstrativos também podem ser usados como expressões referenciais, mas sua referência é dependente do contexto.

Para ele, duas expressões só possuem a mesma referência se uma puder ser substituída pela outra sem que o significado descritivo e o valor de verdade sejam afetados. Quando esse autor fala sobre conceito de verdade, considera-a como sendo a crença do locutor a respeito de algo, que nada tem a ver com fatos empíricos ou necessidade lógica. Para ele, tanto as palavras quanto as expressões têm sentido, mas somente as expressões têm referência e “o sentido de uma expressão é uma função dos sentidos dos lexemas que a compõem e da sua ocorrência numa construção gramatical particular” (p. 170).

O filósofo Frege (1892) afirma que as diferentes designações utilizadas para o mesmo objeto trazem um conhecimento real sobre esse objeto. Para ele, aquilo que é designado é a sua referência, que pode ser a mesma, mas com sentidos diferentes.

O autor associa nome próprio à designação (a designação é considerada como um modo de representação do nome próprio) e essa designação pode ser constituída de várias palavras ou até mesmo outros sinais. Segundo ele, o sentido do nome próprio é, então, as designações a que ele pertence, isto é, à expressão liga-se um sentido (mas o mesmo sentido pode ser

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dado por expressões diferentes) e ao sentido uma referência. Com isso, o autor não está afirmando que ao sentido corresponda sempre uma referência ou, como ele mesmo afirma, “entender-se um sentido nunca assegura sua referência” (p. 63).

Frege acrescenta, ainda, que o nome próprio exprime seu sentido e designa a sua referência e ele distingue referência de representação. A referência, para ele, é o objeto e a representação é a imagem, resultante de lembranças, é subjetiva:

A referência de um nome próprio é o próprio objeto que por seu intermédio designamos; a representação que dele temos é inteiramente subjetiva; entre uma e outra está o sentido que, na verdade, não é tão subjetivo quanto a representação, mas que também não é o próprio objeto (FREGE, 1892, p. 65).

De acordo com a teoria por ele desenvolvida, muitos indivíduos podem ter o mesmo sentido sobre um determinado nome, mas nunca a mesma representação. Para elucidar essa afirmação, ele apresenta o exemplo clássico de um observador olhando a lua através de um telescópio, em que, por comparação, a lua seria a referência, o objeto de observação, fruto da imagem real projetada pelo telescópio (o próprio sentido) e, ao mesmo tempo, pela imagem retiniana do observador (a representação), ou seja, a imagem projetada pelo telescópio, apesar de objetiva, de estar disponível a muitos observadores, ela depende do ponto de vista de cada observador.

No que tange à sentença assertiva completa, Frege (1892) a considera a partir do pensamento (conteúdo objetivo, comum a muitos) e a substituição de uma palavra por outra nessa sentença, com a mesma referência (quando houver) e sentido diferente, não afeta em nada sua referência, mas o pensamento muda. A partir dessa afirmação, e apresentando outro exemplo clássico, o da “estrela da manhã” e da “estrela da tarde”, esse autor complementa que “o pensamento, portanto, não pode ser a referência da sentença, pelo contrário, dever ser considerado como seu sentido” (p. 67-68).

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