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CAPÍTULO 1 POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO E CURRÍCULO PARA O ENSINO

2.2 Ideologia: impulso à pseudoformação?

Ao abordar a temática da ideologia Adorno (1973) relacionou-a a movimento histórico da sociedade, por considerar que é no seu âmago que construções ideológicas encontrarão campos mais ou menos férteis para se constituírem, a despeito de interesses particulares ou respeito ao indivíduo. Apresenta que a validade no estudo da ideologia não se prende aos conteúdos dela, que em essência se tornam vazios. Pois, carecem de argumentações sólidas e justificáveis. O que deve ser tensionado é o ambiente social que não apenas propicia a dominação pelos conteúdos ideológicos apresentados, como também os demanda em obstrução à conscientização do indivíduo ao existente: “O poder do existente erige as

fachadas contra as quais se debate a consciência. Essa deve ousar atravessá-las. Somente isso arrancaria o postulado da profundidade à ideologia”, adverte Adorno (2009, p. 23).

Ainda segundo o autor, em uma sociedade da comunicação de massa, do pleno consumo, os mecanismos da formação ajustam-se a mecanismos, cujas ideologias exercem a função precípua de neutralizar e naturalizar a formação cultural, de modo a manter o equilíbrio da sociedade de classes. Os conteúdos que se apresentam nos discursos ideológicos, embora frágeis em fundamentos objetivos justificáveis, exercem influências sobre o aspecto psicológico do indivíduo por serem acompanhados de argumentos de cunho emocional, possibilidades de mudanças e alcance de sucesso, elementos que induzem à integração irrefletida do indivíduo às demandas apresentadas, questões objetivamente observadas nas propostas de currículo.

Desse modo, o desenvolvimento do potencial reflexivo considerando-se as condições sociais e históricas que se perpetuam e se legitimam pelo currículo escolar, que mais se volta à autoconservação da sociedade de classes e à sua reprodução é elemento fundamental à análise das intenções veladas nos discursos ideológicos que aparecem travestidas em linguagens subliminares e coercitivas, capazes de neutralizar o potencial reflexivo, ao naturalizar as ofertas dos conteúdos apresentados matizados de identificação com o existente.

Assim, Adorno (2009) afirma a ousadia do pensar como traço essencial à formação da consciência em perspectiva livre: “Lá, onde o pensamento se projeta para além daquilo a que, resistindo, ele está ligado, acha-se a sua liberdade” (ADORNO, 2009, p. 24). Porém, para que essa ousadia se constitua e a liberdade no pensar se configure, são necessários elementos estruturantes à sua sustentação, o que nos remete às possibilidades da educação como potencial para o indivíduo pensar o mundo em que vive, conscientizar-se da realidade que o circunda e assumir posicionamentos com coerência e autenticidade, isto é, embora a ambiguidade aparente, “(...) uma educação para a consciência e para a racionalidade” (ADORNO, 1995, p. 144).

Em Marx e Engels (2009), o tema da ideologia apresenta-se como força de dominação por intermédio de ideias e conceitos relacionados às condições materiais de (re) produção da vida em sociedade, capazes de subjugar a consciência do indivíduo. Assim, com base nos conceitos de infraestrutura, representada pelas forças produtivas, e pela concepção de superestrutura, que compreende as esferas sociais de ordem política, jurídica e religiosa, a retroalimentação de ideias se fará. Ou seja, há uma relação dialética de sobredeterminação entre superestrutura e infraestrutura, o que corresponde conceber que é pela organização das forças econômicas de produção de uma sociedade que se consolidarão as ideologias sociais

reinantes, pois conforme Marx e Engels (2009, p. 56) “(...) as condições do domínio de uma determinada classe da sociedade, cujo poder social, decorre da sua propriedade, tem a sua expressão prático-idealista na respectiva forma de Estado”. Nessa conjuntura é possível perceber-se a ideologia como uma forma de entendimento social, um exercício de influência e domínio, (de)formadora de consciências: “A consciência nunca pode ser mais do que o Ser consciente e o Ser dos homens é o seu processo da vida real. E se em toda a ideologia os homens e as suas relações nos surgem invertidos (...) isto é apenas o resultado do seu processo de vida histórico” (Op. cit., p. 31).

É em seu contexto material e histórico que o indivíduo se constitui e confirma em sua historicidade e se faz presença transformadora da sociedade administrada vigente. Porém, para tal é necessário que se reconheça como potencial transformador das questões objetivas observadas.

Sobre as condições sociais a que estamos sujeitos e o potencial da educação objetivada nos currículos escolares, Apple ironicamente atesta (2011, p. 50):

Se as escolas, seus professores e seus currículos fossem mais rigidamente controlados, mais estreitamente vinculados às necessidades das empresas e das indústrias, mais tecnicamente orientados e mais fundamentados nos valores tradicionais e nas normas e regulamentos dos locais de trabalho, então os problemas de aproveitamento escolar, de desemprego, de competitividade econômica internacional, de deterioração das áreas centrais das grandes cidades etc. desapareceriam quase que por completo, assim querem-nos convencer. 39

A escola, espaço social em que primeiro o indivíduo é inserido para além do contexto familiar, assume centralidade na formação individual e coletiva das pessoas. Nessa conjuntura, a organização da escola e as ofertas apresentadas por meio do currículo quer em perspectiva potencial, seja em caráter explícito, contribuirão para o desvelamento, ocultação ou até mesmo para a normalização de questões sociais vigentes em conteúdos ideológicos que se ajustem a determinadas intencionalidades inerentes à sociedade de classes, constituída sob a égide do capital.

Afirmando-se nos estudos de Marx, no ensaio A Ideologia e os Aparelhos Ideológicos

de Estado (1970), o filósofo francês Louis Althusser apresenta amplas considerações

relativas à ideologia e sua relação com a educação. À pergunta: “O que se aprende na escola?” (Op. cit., p. 20) o autor argumenta que inerentes às aprendizagens formais da leitura e da escrita, da cultura científica e literária, encontram-se os conceitos convencionais, as

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regras morais, sociais e cívicas que definem posições, legitimam postos de trabalho, orientam e organizam o contexto social, de modo a que se assegure também “(...) pela palavra a dominação da classe dominante”, assim, continua Althusser (1970, p. 22):

(...) a Escola (mas também outras instituições de Estado como a Igreja ou outros aparelhos como o Exército) ensinam “saberes práticos”, mas em moldes que asseguram a sujeição à ideologia dominante ou o manejo da “prática” desta. Todos os agentes da produção, da exploração e da repressão, não falando dos “profissionais da ideologia” (Marx) devem estar de uma maneira ou de outra “penetrados” desta ideologia, para desempenharem “conscienciosamente” a sua tarefa - quer de explorados (os proletários), quer de exploradores (os capitalistas), quer de auxiliares da exploração (os quadros), quer de papas da ideologia dominante (os seus “funcionários”), etc...40

A exemplo do Estado e da Igreja, segundo o autor acima, à escola cabe a transmissão do pensamento hegemônico vigente na sociedade de classes; uma vez atravessadas por ideias instituídas, materializadas em ações que se naturalizam e constituem, porque reflexo de configuração legitimada pela estrutura social reinante. O próprio fato de atribuir à escola a nomenclatura de aparelho nos induz ao ato de instrumentalizar, munir-se de recursos para fins previamente estabelecidos e externamente guiados. Essa ação também é inerente ao espaço escolar como forma de orientação do homem no mundo, porém nela não se esgotam os objetivos da educação.

perspectiva de naturalizar as ideias dominantes de uma De acordo com Apple (1982), teor ideológico assume centralidade no currículo pela época e da conjuntura social que a representa. A perspectiva hegemônica que potencializa as ideias trazidas pelo pensamento ideológico contribui para saturar as consciências, a ponto de o mundo social, econômico e educacional moldarem-se em referencial único de significados que são incorporados e vivenciados, sendo necessário observá-los como conjunto organizado de conceitos, valores e práticas que ultrapassam a simples manipulação. Questionar e refletir sobre os projetos de educação que nos são apresentados por meio dos currículos escolares contribui para tensionar questões sociais que se alargam para além das salas de aula.

Referindo-se ao conceito de ‘currículo oculto’, Silva (2010) esclarece que todos aqueles aspectos do ambiente escolar que não se encontram formalmente explicitados, mas que perpassam a escola e contribuem de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes constituem o currículo oculto. Para o autor (Op. cit., p. 80), a importância de análise do currículo oculto se faz por expressar “(...) uma operação fundamental da análise sociológica,

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que consiste em descrever os processos sociais que moldam nossa subjetividade como que por detrás de nossas costas, sem nosso conhecimento”.

Ao tratar do tema, Apple (1982, p. 126), destaca a justificativa da ausência proposital de conflitos nas abordagens curriculares, pelo potencial acrítico das propostas, ao naturalizar e legitimar uma perspectiva basicamente técnica:

Ou seja, a escola precisa fazer com que tudo pareça natural. Uma sociedade baseada no capital cultural técnico e na acumulação individual do capital econômico precisa mostrar-se como se fora único mundo possível. Parte do papel da escola, em outras palavras, é contribuir para a distribuição do que os teóricos críticos da Escola de Frankfurt poderiam chamar de padrões utilitário-racionais de pensamento e ação. Isso é, o que se ensina e os meios utilizados traduzem intencionalidades subjacentes às relações sociais e a componentes estruturais alimentados pelas perspectivas ideológicas preponderantes. Dessa forma, desvelar e trazer à consciência o currículo oculto é uma forma de desarmá-lo.

É sabido que a escola se constitui em fértil campo de inculcação de ideias e concepções capazes de interferir na formação subjetiva do indivíduo. Ao tratarmos do tema ideologia e currículo, não nos é possível abordagem de cunho meramente idealista, pois o currículo se materializa de maneira implícita nas abordagens pedagógicas, na organização espacial, nos rituais, na oferta de materiais e até mesmo na linguagem e signos que perpassam o ambiente das escolas, projetam-se para a sociedade e pela cultura nesta preponderante são influenciados, em processo de retroalimentação.