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Capítulo 2. O Nazismo e Holocausto, ocorrências de Mal Banal

2.3 Ideologia nazista

Os principais pontos de apoio para o nazismo foram a ideologia, sustentada na propaganda, e o terror, instrumento de imposição à população do sistema de Estado Total.

A ideologia nazista reuniu elementos dispersos numa totalidade indiscutivel, num dogma, num sistema abrangente e sem falhas que constituiu a sua visão de mundo. Embasada em noções de raça e de mitos, serviu para legitimar a conquista do mundo e a eliminação dos elementos indesejáveis. A manipulação, orquestrada através da propaganda, apresentou o mundo e seus males a uma massa passiva de maneira muito simples e fácil de entender. O cerne desta ideologia era formado pelo antissemitismo e pelo nacionalismo étnico. Os alemães eram os Übermenschen, os “super-homens”, termo retirado indevidamente de Nietszche. Constituiam a Herrenvolk, a raça dominante, e possuiam ascendência nobre, mas estavam sendo deliberadamente destruídos pelo contágio com raças inferiores. Por uma questão de higiene e autodefesa, impunha-se destruí-las. Toda esta argumentação se apoiava numa pseudociência de derivação darwiniana, que pretendia fomentar uma política eugênica de recuperação das virtudes raciais arianas e de purificação do sangue através da exterminação ou esterelização dos elementos degenerados. E que também servia para justificar a guerra expansionista e o domínio total na luta pela sobrevivência do mais apto e do mais forte sobre o fraco e o inferior, ou seja, da Alemanha sobre o restante do mundo, que era o objetivo real que estava sendo perseguido. Nas palavras de Hitler:

A concepção racista do Estado não admite em absoluto a igualdade das raças, antes reconhece sua diferença com maior ou menor valor e, assim entendendo, sente-se no dever de, conforme a eterna vontade que governa este universo, promover a vitória dos melhores, dos mais fortes e exigir a subordinação dos piores, dos mais fracos.15

era aquela que fugia deste padrão. Pinturas de paisagens, temas rurais, camponeses e a glorificação da vida simples eram os temas recomendados nas artes.

14 Hannah ARENDT, A imagem do inferno, in: ______ Compreender, p. 231. 15 Apud Roney CYTRYNOWICZ, Memória da Barbárie, p. 24.

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Este determinismo permitia promover, como inevitável, a matança. Ele apenas obedecia a uma lei da natureza. Assim o expressou Hannah Arendt:

Essa “cientificidade”[...] é o traço comum de todos os regimes totalitários de nossa época. Mas significa apenas que o poder puramente humano – sobretudo o destrutivo – surge envolto por uma sanção superior, sobre-humana, da qual ele deriva sua força absoluta e supostamente incontestável.[...] A interpretação nazista dessas leis naturais culminava na tautologia de que os fracos tendem a morrer e os fortes a viver. Ao matar os fracos, estamos simplesmente obedecendo às ordens da natureza, que “se alinha com os fortes, os bons e os vencedores”. 16

Hitler era obcecado pelo “problema judaico”. “Os judeus eram um inimigo racial, e não religioso, e, portanto, a conversão ao cristianismo era inútil.”17. Este era o seu linguajar:

O judeu [...] é e permanece o parasita típico, o papa-jantares que, qual nocivo bacilo, se espalha sempre para mais longe, logo que um solo favorável a isto o convida. Lá onde se fixa, o povo que o acolhe extingue-se dentro de um período maior ou menor.[...] Envenena o sangue dos outros, mas preserva o seu inalterado.[...] O jovem judeu de cabelos negros espreita, durante horas, com a face iluminada de alegria satânica, a jovem insconsciente do perigo que ele macula com seu sangue e a rapta assim do povo do qual ela procede. [...] Foram e ainda são os judeus que levaram o negro para o Reno, sempre com o mesmo pensamento secreto e objetivo evidente: destruir pela bastardia resultante da mestiçagem esta raça branca que eles odeiam, fazê-la cair do alto nível de civilização e de organização política à qual se elevou e tornarem-se seus senhores.18

E ainda o Führer:

O ariano é o Prometeu do gênero humano; a centelha divina do gênio sempre jorrou de sua fronte luminosa. [...] Conquistando, submeteu os povos de raça inferior e ordenou a atividade prática destes sob seu comando segundo sua vontade e de acordo com seus objetivos. [...] Se deixássemos o ariano desaparecer, uma profunda obscuridade desceria sobre a terra; em alguns séculos a civilização humana desapareceria e o mundo se tornaria um deserto.19

Esta mentalidade e esta linguagem absurda, que beiram o tragicômico, não nasceram com Hitler. Herbert Marcuse, em Technology, War, and Fascism, identificou na ideologia nazista várias camadas que se sobrepuseram ao longo do tempo na construção do mito ariano e nelas considerou como essenciais o paganismo e o racismo. Com essa soma se esboçou um

16 Hannah ARENDT, A imagem do inferno, in: ______ Compreender, p. 232. 17 Apud Mark ROSEMAN, Os nazistas e a solução final, p. 13.

18 Apud Leon POLIAKOV, O Mito Ariano, p. XV. 19 Ibid., p. XVI.

42 arquétipo do antepassado germânico, ao qual cada novo autor trouxe a sua contribuição e que foi a fonte de onde viriam beber a ideologia e o programa nazista.

Hannah Arendt num artigo de 1945, “As sementes de uma Internacional fascista”, incluído no livro Compreender, afirma que o antissemitismo moderno atuou desde o início como uma Internacional, cujo manual, ironicamente, era “Os Protocolos dos Sábios de Sião”20. Diz:

[...] a organização dos supostos Sábios do Sião foi um modelo seguido pela organização fascista, e os princípios adotados pelo fascismo para tomar o poder estão implícitos nos

Protocolos. Assim, o segredo do sucesso dessa falsificação não é tanto o ódio aos judeus, e

sim a irrestrita admiração pela astúcia de uma técnica supostamente judaica de organização mundial global.

Desconsiderando o maquiavelismo barato dos Protocolos, suas características essenciais, em termos políticos, consistem nos seguintes aspectos: são, em princípio, antinacionais; mostram como subverter a nação e o Estado nacional; não se satisfazem com a conquista de um país particular, e visam à conquista e domínio do mundo inteiro; e, finalmente, a conspiração internacional global exposta nos Protocolos tem uma base étnica e racista.21

Entende-se que Hannah Arendt compreendia a ideologia nazista como construída de pura ficção, perigosíssima e de péssima qualidade. E como ficção, ou talvez um pesadelo coletivamente sonhado, uma vez o líder morto, não sobrou mais nada dela. Depreende-se esta mesma compreensão da epígrafe que abre o livro Eichmann em Jerusalém, parte de uma poesia de Bertolt Brecht, que diz:

Ó Alemanha...

Ouvindo as falas que vêm da tua casa, rimos. Mas quem te vê corre a pegar a faca.