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IDEOLOGIA: UMA ABORDAGEM POSSÍVEL

CAPÍTULO 3: SOBRE A IDEOLOGIA

3.2. IDEOLOGIA: UMA ABORDAGEM POSSÍVEL

Apresentando-se a ideologia como um conceito tão polissintético no âmbito das ciências sociais (a ponto de ser possível identificar “orientações” dentro das quais as inúmeras articulações daquele termo poderiam ser inseridas), forçoso é reconhecer que a utilização de tal expressão não pode ser usada no âmbito de um trabalho que se apresente comprometido com um mínimo de objetividade, sem que promova um esforço prévio de delimitação teórica do conceito de ideologia.

O esforço (ainda que não confundido com sinônimo de conseqüente sucesso) se justifica. A utilização da expressão ideologia de uma forma demasiadamente vaga ou genérica (como, em certa medida, não deixou de ser feito até o presente momento), apresenta como risco o esvaziamento da própria capacidade explicativa do conceito. Com efeito, utilizar-se da expressão “ideologia” como sinônimo de todo o complexo de crenças, valores, orientações (bem como pelas produções intelectuais daquilo que se denominava de “alta cultura”), sem levantar nenhuma nota particularizadora que não uma relação de simples causalidade com o universo das relações de produção, por exemplo, implica em se banalizar tal expressão a ponto de confundi-la, na prática, com a própria superestrutura política e ideológica (ainda utilizando uma terminologia marxista).

Reconhecendo-se como verdadeira a afirmação de que no momento em que um conceito alcança tudo, ele não está em verdade conceituando nada, imperiosa a tentativa de afastamento (ainda que num plano puramente categorial, para fins de compreensão da

histórico em que as forças materiais são o conteúdo e as ideologias a forma (essa distinção entre a forma e o conteúdo é puramente dialética): as forças materiais não seriam concebíveis historicamente sem a forma e as ideologias seriam pequenos caprichos individuais sem as forças materiais.’"(PORTELU, Hugues. Gramsci e o Bloco..., p. 56).

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realidade) do fenômeno ideológico, de toda a globalidade da produção cultural (entendida aqui em seu sentido mais genérico possível).

O referido esforço de delimitação teórica implica ao seu turno no endosso de certas orientações teóricas que, no caso sub examine, foram colocadas por Marx em duas obras escritas em co-autoria com Friedrich Engels, e tradicionalmente consideradas como paradigmáticas para a compreensão do conceito de ideologia, tal como se encontra articulado no pensamento de autores responsáveis pela própria popularização de tais expressões.

Fala-se da “Ideologia Alemã” e do “ 18 de Brumário de Louis Bonaparte”, obras que, cumpre ressaltar, não são ora utilizadas por um simples apego à autoridade ou tradição encarnadas em seus autores, mas por se julgar que tais obras conservam, ainda hoje, valiosos elementos para uma compreensão mais segura da realidade que nos cerca (até porque, considerando-se se situar Marx de maneira inegável na categoria de pensadores ditos clássicos, e que enquanto tal, embora não possa ser adotado195, também já não se é capaz de pensar sem ele, conforme asseverado por José Arthur Gianotti).196

A respeito do pensamento de Marx, então, poder-se-ia dizer que o fenômeno da ideologia tal como nele trabalhado se refere muito mais a processo (embora não o único) de percepção do meio concreto, do que a um sistema relativamente orgânico (e fechado) de crenças e valores voltados a direcionar a conduta dos homens em uma determinada direção (sistema este que, dentro do pensamento de Marx, poderia ser colocado como parte integrante da superestrutura ideológica).

Quando Marx propõe-se a descrever a ideologia, compara-a com a produção da própria visão dentro do globo ocular, que a exemplo de uma câmara escura usada para reproduções fotográficas, capta a imagem de uma forma invertida, para então reproduzi-la dentro do já mencionado globo ocular.

Ou como afirma Marx, em conhecida passagem:

São os homens que produzem suas representações, suas idéias, etc., mas os homens reais, atuantes, tais como são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e das relações que a elas correspondem, inclusive as mais amplas formas que estas podem tomar. A consciência nunca pode ser mais que o ser consciente; e o ser dos homens é o seu processo de vida real. E, se, em toda a ideologia, os homens e suas relações

nos aparecem de cabeça para baixo como em uma câmara escura, esse fenômeno decorre de

195 Frisando-se, é claro que tal assertiva, mesmo em tempos de pós-modemidade e globalização, ainda não alcançou uma unanimidade absoluta tanto no campo do pensamento quanto no da praxis

política.

196 BURNMESTER, Ana Maria de Oliveira... | et aiii \ ; Paz, Francisco Moraes (orgj. As aventuras do..., p. 55.

seu processo de vida histórico, exatamente como a inversão dos objetos na retina decorre de seu processo de vida diretamente físico (grifo nosso).197

A mencionada metáfora, todavia, não deve ser vista como exercício gratuito de estilo e persuasão. Extremamente importante é o fato de que quando Marx fala de ideologia, não se refere nem de forma remota à totalidade da paisagem passível de ser apreendida pelo globo ocular, mas apenas a uma forma se captar essa mesma paisagem, e que se assinala, ao seu turno, pela presença de uma clivagem (ou inversão) existente dentro do processo de captação ou reprodução de uma imagem externa (podendo então se aventar, ainda, que mesmo essa forma “ocular” de apreensão do meio externo embora seja a mais importante forma de percepção do concreto, não é, todavia, a única).

À especificidade do conceito de ideologia, se ajunta, como é óbvio, um elemento dificultador para a compreensão deste mesmo conceito, ao menos no momento de sua utilização concreta, e que se referiria à distinção segura entre uma percepção “ideologizada” do real, de uma percepção “desideologizada” da realidade, situação esta que no próprio Marx evoluiria para a tentativa de distinção dos discursos ideológico e científico.198

Já tendo se falado em momento anterior que a ideologia se assinalaria por um processo de inversão da realidade, fato é que a delimitação do próprio conceito de ideologia passaria, necessariamente, por uma exposição do que se poderia entender exatamente por inversão da realidade.

Conforme já afirmado antes, não podem (ou ao menos não deveriam) ser os conceitos de falsificação ou inversão da realidade confundidos com as inverdades que poderiam ser identificadas no âmbito de proposições lógico-matemáticas, vez que operariam aquelas últimas (inversões ideológicas da realidade), em uma esfera onde a multiplicidade de variáveis envolvidas tornaria extremamente difícil a articulação de proposições que pudessem ter sua veracidade corroborada de pronto pelos fatos que aquelas se propusessem a descrever e explicar (posto que conforme já comentado, inúmeros outros fatos-variáveis poderiam ser arrolados com intuito de destruir esta mesma proposição).

Tarefa difícil, porém não impossível na medida em que se mantenha presente que a falsificação da realidade tal como apresentada por Marx não pode ser confundida, por exemplo, com leitura literal apresentada na fábula do rei nu, dos irmãos Green, onde tentava o

197 MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 19. 198 BURNMESTER, Ana Maria de Oliveira... | et alli | ; Paz, Francisco Moraes (orgj. As aventuras do..., p. 51.

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rei convencer seus súditos (e convencer-se a si mesmo) de que não estava nu, mesmo assim permanecendo de fato.

O desvirtuamento da realidade pela ideologia opera-se muito mais pela seleção e arranjo de fatos objetivamente verdadeiros (tendo em vista articular uma mensagem de interesse de determinados segmentos sociais), do que pela pura e simples articulação de enunciados sem efetiva conexão com o objeto a que se referissem, como seria o caso de espécie de mentira que poderíamos chamar de vulgar, e que enquanto tal, pode ser facilmente desconstruída por simples verificação (ao contrário de uma fala ideológica, que conforme será explorado mais adiante, desconstrói-se não por simples constatação fundada apenas no senso- comum, mas demanda o exercício reflexivo de uma atividade com uma finalidade científica199).

Tendo em vista aclarar o funcionamento prático da ideologia, tem-se como oportunas as palavras de Silvia Maria Pereira de Araújo:

O fetichismo da mercadoria talvez seja o exemplo mais universal do modo pelo qual as forma econômicas do capitalismo escondem as relações sociais que as sustentam, como quando o capital, e não mais-valia, é tido como fonte de lucro. Na complexidade da idéia de fetichismo dâ mercadoria, em que a relação social entre os produtores se lhe apresenta como fonte de lucro. Na complexidade da idéia de fetichismo da mercadoria, em que a relação social entre os produtores se lhe apresenta com uma relação entro os produtos de seus trabalhos e não como trabalho humano nelés materializado, Marx assinala que essa aparência das relações entre mercadorias, como uma relação entre coisas, não é falsa. Ela existe e oculta a relação entre os produtores: relações materiais entre pessoas e relações entre coisas. Esta dicotomia entre aparência e realidade ocultada, sem que a primeira seja necessariamente falsa é que é objeto de atenção para a análise da ideologia.200

Poder-se-ia afirmar que a solidez da fala ideológica reside no fato de ela operar pela superposição de informações possivelmente verdadeiras (assim entendidas aquelas que não se confundam com mentiras vulgares, ou seja, informações sem efetiva conexão com o objeto que se propõem a descrever), mas que são selecionadas e agrupadas de modo a fundamentar um posicionamento maior, que, todavia, já não guarda mais relação efetiva com o universo concreto que se propôs a descrever.

A conclusão de que os enunciados construídos a partir de dados “verdadeiros” não guardam relação efetiva com a realidade que se propõe a explicar (e implicitamente 199

Postura “cientifica” que no caso do pensamento marxista referir-se-ia ao desenvolvimento de raciocínio baseado pelas premissas da dialética materialista, capaz de explicitar as verdadeiras causas e motivações de todas as transformações que se processam no âmbito da sociedade.

200 BURNMESTER, Ana Maria de Oliveira... | ef alli | ; Paz, Francisco Moraes (orgj. As aventuras do..., p. 45.

legitimar), não significa dizer que tais premissas maiores poderiam, por sua vez, serem analisadas por um critério de verdadeiro-falso, aplicável à proposições com um número fechado de variáveis envolvidas, mas, ao contrário, devem aquelas ser igualmente julgadas por um critério distinto deste último.

A falsificação então dos enunciados maiores, que em sua totalidade comporiam um discurso “ideológico”, é medida a partir do acobertamento das contradições sociais, as quais (relembrando-se o já afirmado da manipulação de dados efetivamente verdadeiros) não são pura e simplesmente negadas pela fala ideológica como inexistentes (posto que os homens sofrem-lhe as conseqüências cotidianamente e conseguem percebê-las, ainda que de maneira difusa), mas apresentadas como dotadas de existência própria e independente da de todos os homens que lhes dão vida, e que com elas interagem.

A falsificação processada pela ideologia configura-se em um processo de percepção da realidade social em que os homens estão inseridos como dotada de uma lógica própria que coordena, por si só e de forma independente dos próprios homens, sua própria evolução. Diante de tal situação mitigam-se ao máximo as relações existentes entre a sociedade como um todo e o mundo da produção econômica que a direciona201, bem como se dota este mesma sociedade como dotada de normas naturais e impossíveis de serem revogadas pela vontade humana, ainda que conjugada no âmbito de um movimento de articulação coletiva.

O resultado alcançado pelos processos ideológicos, aliás, de falsificar a realidade humana, no sentido de que esta seja compreendida como um fenômeno não só distinto, mas, principalmente, independente da ação humana, vez que supostamente regida por leis “naturais”, é colocada, então, pelo próprio Marx nos seguintes termos:

O poder social, isto é, a força produtiva multiplicada que nasce da cooperação dos diversos indivíduos, condicionada pela divisão do trabalho, não aparece a esses indivíduos como sendo sua própria força conjugada, porque essa própria cooperação não é voluntária, mas sim natural; ela lhes aparece, ao contrário, como uma força estranha, situada fora deles, que não sabem de onde ela vem nem para onde vai, que, portanto, não podem mais dominar e que, inversamente, percorre agora uma série particular de fases e de estádios de desenvolvimento,

201 Ainda que direcionando “em última instância, como diria Engels no final da vida, a dar-se crédito as seguintes colocações de Jacob Gorender, introdutórias da edição da Ideologia Alemã utilizada no presente trabalho: “Na fase final de sua vida, Engels deu atenção especial à questão da ideologia e fez-autocrítica de certo unilateralismo de abordagem, por parte dele e de Marx. É desta fase a célebre afirmação engelsiana sobre a determinação econômica em última instância. As ideologias se desenvolvem com algum grau de autonomia, de acordo com a matéria tradicional específica acumulada, exercem influência retroativa sobre a base econômica e condicionam as formas de desenvolvimento histórico.” (A Ideologia, p. xxii).

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tão independentes da vontade e da marcha da humanidade, que na verdade é ela que dirige essa vontade e essa marcha da humanidade.202

Ao conceito de ideologia tal como se pretende apresentá-lo no presente trabalho deve ser acrescido, além do nexo causai com determinados interesses de classe que flexionam sua origem, e da percepção de realidade como regida por forças a-históricas e transcendentes ao complexo de interesses contraditórios que a atravessam, também um terceiro elemento, atinente ao fato da ideologia funcionar a um só tempo não só como ilusão das classes exploradas dentro de um dado modo de produção econômica mas também como auto-ilusão das classes dominantes, diretamente beneficiadas por este modo de produção.

Dizer que o processo ideológico deve funcionar simultaneamente como ilusão e auto- ilusão importa em verdade dizer que é condição sine qua nom de funcionamento deste mesmo processo que seja acatado pela integralidade dos segmentos que compõem uma dada sociedade, e não apenas por aqueles mais prejudicados com as contradições decorrentes do modo de produção adotado.

Para que a ideologia possa existir enquanto tal (isso é, não sendo submetida a questionamentos ou confrontações que dificultem ou relativizem o acatamento de seus produtos pelo corpo social), deve ser dirigida pelos segmentos dominantes não só para todos os indivíduos por ela dominados, mas, também, para eles próprios, de modo que a própria classe diretamente beneficiada pelas falsificações da ideologia acredite nestas com uma fé até maior do que aquela observada nos indivíduos dominados.

A assertiva colocada acima permite visualizar melhor a colocação anteriormente apresentada, de que a ideologia, muito embora busque produzir uma falsificação da realidade, coloca-se em um plano distinto do das mentiras ditas “vulgares”, posto que além de realizar a referida falsificação pela superposição e arranjo de dados empiricamente constatáveis, ocorre também que ambos os agentes envolvidos na transmissão da mensagem ideológica, e que são tanto a elite dominante economicamente (criadora do processo ideológico) quanto os setores economicamente explorados (recebedores de idéias que visam garantir a permanência de seu

status de dominados) tendem a acreditar piamente na verdade das idéias fornecidas pela

ideologia. Essa dupla destinação da ideologia, na medida em que voltada a configurar o

202 MARX, Karf & ENGELS, Friedrich. A Ideologia..., p. 30. Na mesma obra, à página 50, afirma ainda Marx que “cada nova classe que toma o lugar daquela que dominava antes dela é obrigada, mesmo que seja apenas para atingir seus fins, representar o seu interesse como sendo o interesse comum de todos os membros da sociedade ou, para exprimir as coisas no plano das idéias: essa classe é obrigada a dar aos seus pensamentos a forma de universalidade e representá-los como sendo os únicos razoáveis, os únicos universalmente válidos.”

cérebro tanto de exploradores como de explorados, permite então fazer uma ressalva do que já foi dito anteriormente, no sentido de que a ideologia, enquanto falsificação produzida por meio do arranjo de dados “verdadeiros”, relação não guardava com o rei nu dos irmãos Green.

Assim como na fábula em que tanto o rei como os seus súbitos eram levados a acreditar que o monarca estaria de fato vestido, também no âmbito da ideologia, todos OS' atores envolvidos na percepção coletiva de determinadas crenças ou valores são levados a aceitá-las como verdadeiras ou “naturais” com o mesmo grau de credulidade, não se operando então um topos privilegiado de percepção da ideologização de uma mensagem apenas pelo simples fato de um indivíduo se encontrar em uma dada classe social.

Poder-se-ia aventar que uma das razões da tendência a perenidade de dados arranjos ideológicos dentro de uma sociedade, mesmo se considerando a magnitude de interesses ou demandas que estes mesmos arranjos conseguem escamotear de forma sistemática, deve-se justamente ao fato de que mesmo os setores beneficiados por uma ideologia, tendem a ver esta não como uma crença historicamente criada por ser vantajosa aos seus interesses dentro de uma dada conjuntura, mas, ao contrário, tendem a enxergá-la como uma verdade óbvia, natural e irretorquível por sujeitos dotados de um mínimo de boa-fé ou honestidade.

O dado aventado nas últimas colocações, todavia, ainda que passível de ser visualizada já na Ideologia Alemã, encontra-se melhor explicitada em outra obra de Marx que, conforme adiantado no início do presente tópico, seria igualmente usada na tentativa de articulação do conceito de ideologia, e que é ‘O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte”, obra na qual analisando a conjuntura política e social francesa do século XIX, que culminaria na coroação de Louis Bonaparte como Imperador da França, acaba demonstrando o mestre de Trier como a burguesia, para manter a dominação sobre o restante da sociedade (por meio da manutenção de uma série de ilusões), tem também a necessidade de se auto-iludir de maneira incessante.

O aprofundamento da questão que ora poderia se denominar de “auto-ilusão” das classes dominantes, tão importante na compreensão do fenômeno ideológico tal como colocado por Marx no Dezoito de Brumário, é apresentada por José Merquior nos seguintes termos:

A segunda descrição marxista da ideologia é mais sutil. Nela, a “falsa consciência” aplica-se à própria classe dominante, sendo a ideologia uma ocultação socialmente determinada dos reais motivos do comportamento de classe, No penetrante estudo histórico de Marx, O

dezoito brumário de Luiz Bonaparte, a difícil situação do campesinato pequeno-burguês é

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ideológico, a bem dizer, não é mais uma máscara; o engano de si mesmo pelo ego social prevalece sobre o engano de qualquer um outro. O interesse de classe continua a ser o primeiro arrimo da falsa consciência, mas esta, ao invés de ser engenhosamente inculcada nas mentes dos grupos explorados, é em primeiro lugar e acima de tudo experimentada inconscientemente pelas classes dominantes, que não podem deixar de perceber seu próprio mundo social desse modo. A ideologia deixa de ser uma mentira, para tomar-se uma crença inconsciente.

O próprio Marx, num célebre parágrafo do Dezoito brumário, adverte conta a ‘idéia tacanha” de que a pequena-burguesia francesa atuava sobre uma base consciente de interesse egoísta de classe. Ao contrário, a pequena-burguesia de 1850 acreditava que sua emancipação representava o único caminho para evitar a luta de classes e poupar a sociedade moderna da ameaça de uma dolorosa desintegração. Assim, a falsa consciência dos camponeses e comerciantes pequeno-burgueses, e de seus representantes políticos (os quais, diga-se de passagem, de modo algum eram todos originários da pequena-burguesia) não é função de qualquer tipo de interesse de classe transparentemente autoconsciente - antes, é uma função dos limites impostos por suas “atividades vitais” sobre seus modos de conceber a realidade social. 203

Por primeira descrição marxista da ideologia entende Merquior aquela contida no Manifesto do Partido Comunista, e que segundo o referido autor poderia ser citada condensada na conhecida frase do Manifesto que afirma que as idéias dominantes de cada época têm sido as idéias de sua classe dominante. Sobre tal distinção, não se tem como realmente seguro o fato de que o aprofundamento apresentando por Marx no Dezoito de Brumário possa ser realmente considerado como um conceito distinto (ou “mais sutil”) daquele apresentado em linhas bastante breves no âmbito do Manifesto, e apresentado como

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