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CAPÍTULO 1: ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA SUBJETIVIDADE MODERNA

1.4. O HOMEM RENASCENTISTA

Vive o homem moderno sob a égide de uma visão de mundo (e isto já é senso comum afirmar) descrita como essencialmente antropocêntrica, e que, via de regra, costuma entender-se como tendo surgido durante um longo processo histórico que se inicia já com a Renascença. E a visão de mundo oriunda do referido processo, tende, por sua vez, a colocar o indivíduo como fundamento último da instância política, a qual passa a ser vista como o meio de satisfação das necessidades humanas.

Em contrapartida, se o sujeito passa a ser o fim declarado de toda a política, passa também este a ter sua configuração dimensionada a partir desta mesma atividade política, isto é, o sujeito passa a se situar e se explicar a partir de referenciais despidos de religiosidade, e centrados em idéias como, por exemplo, bem estar, liberdade e igualdade, se identificando, precipuamente, como alguém a quem uma dada estrutura política garante e reconhece (embora não crie) certos direitos e obrigações.

Tal marco, vigente até hoje, e que uma é das especificidades do período moderno, quando comparado com períodos históricos anteriores, não foi fruto de uma evolução do pensamento para formas de organização mais "racionais", mas, ocasionado por um longo

processo de imposição de uma nova visão social, que atendia a interesses determinados, e que tendo começado no campo das idéias nos primordios da Renascença, desdobra-se e consolida- se com as revoluções burguesas dos séculos XVII a XIX.

É importante observar que antes da modernidade, dentro de um período aqui denominado de medievalidade, o indivíduo não existia concretamente como um ser autônomo, dotado de um valor intrínseco que o qualificava e situava no mundo, mas, ao contrário, só conseguia reconhecer-se a si próprio enquanto partido, corporação, família, etc. E é somente a partir da Renascença que o homem se torna um indivíduo autônomo (ou ao menos começa a se reconhecer como tal), de modo a poder tomar de forma declarada sua subjetividade (ou individualidade) como o ponto de partida para qualquer reflexão desenvolvida a respeito de da maioria dos fenômenos sociais (como por exemplo, Estado e Direito).

O principal elemento de que dispunham os medievais, ou pré-modemos para articular uma consciência comum de humanidade, na qual todos os membros podiam se espelhar, assentava-se no conceito de alma, a partir de qual realizavam-se uma série de derivações e desdobramentos práticos tendo em vista legitimar as posturas que se poderiam esperar como “corretas” por parte daqueles que se apresentassem como detentores desta mesma alma.64

Nada obstante as referidas derivações, impostas em sua maioria pela instância ideológica por excelência durante a Idade Média que era a Igreja, não foram estas suficientes para a criação de uma figura de homem ideal, passível de subsumir a cada homem considerado concretamente, vez que, repita-se, o mais forte elemento que os identificava entre si (a alma) era de natureza totalmente metafísica, usada ademais de forma a privilegiar uma conexão com uma esfera espiritual (onde já não subsistem diferenças sociais de qualquer espécie), sendo tal conexão tendente a seu tumo, a desvalorizar ao máximo, tudo o que o homem pudesse apresentar de particular, específico, e considerado como totalmente indigno face a onipotência de Deus.65

64 Ou seja, não bastava apenas possuir uma alma, sendo necessário que cada indivíduo zelasse pela ‘integridade’ desta, no sentido que a ela seria possibilitado ascender (ou retomar) a Deus em um momento posterior. Para tanto, forçoso o cumprimento de todas as obrigações e posturas ditadas pelos órgãos religiosos, tendentes a articular um sistema de controle que ia desde a moldagem de um padrão de sexualidade passível de se considerar como desejável (ou ao menos tolerável), até um rígido controle das próprias consciências de cada um dos indivíduos, mesmo que essa não se exteriorizasse em ações (pois para um Deus totalmente onisciente, mesmo os pensamentos mais recônditos poderiam ser considerados, em tese, como afrontosos a sua dignidade).

65 E não é por acaso que, conforme observado por Burckhardt, surge (ou ao menos se consolida como gênero de grande importância) a biografia, apenas com a insurgência da civilização

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Conforme igualmente já observado anteriormente, a construção do homem enquanto uma individualidade concreta distinta de todas as demais com as quais fosse obrigado a conviver era feito basicamente a partir das organizações coletivas onde estivesse inserido (feudos, ordens religiosas, corporações, etc), refletindo tal percepção a própria configuração social fragmentada do período medieval, que nada obstante se encontrar sob a esfera de influência de uma grande instituição (a Igreja), que lhe garantia a reprodução da noção de alma e da identidade cristã dela derivada, também se encontrava sob um julgo igualmente presente de uma miríade de micro-instâncias sociais, únicas aptas a inscrever e garantir a existência de um determinado indivíduo como detentor de um certo complexo de direitos e obrigações66, fato que permitiria Burckhardt afirmar que na Idade Média “o homem, apenas se conhecia como raça, povo, partido, corporação, família ou sob uma outra forma geral e colectiva.”67

O mencionado pluralismo de instâncias políticas e agremiações (que geravam também um pluralismo jurídico) era flexionado pela própria ruralização econômica em que mergulhara o espaço ocidental com o colapso do sistema econômico escravocrata, ocorrido na antiguidade, posto que, conforme colocado por Norbert Elias, com o mencionado processo de ruralização cada unidade coletiva denominada de feudo procurava garantir sua independência econômica acima de tudo.68

renascentista, que marcada pelo deslumbramento com as capacidades do homem, valorizava cada vez mais todos os homens que se mostrassem dotados de características que os fizessem sobressair-se do restante da coletividade. Note-se então que tais características nada tinham a ver com aquelas que durante a Idade Média garantiram a consagração de determinados indivíduos como santos (as quais eram tidas como importantes justamente por colocar tais personagens mais próximas que o restante da coletividade, da presença divina), mas, antes, se referiam a atividades essencialmente terrenas, e despidas de qualquer conotação religiosa, como se observaria então nas numerosas biografias produzidas no renascimento, a contar a vida de pintores, poetas, políticos etc. (BURCKHARDT, Jacob. O Renascimento Italiano. Lisboa: Editorial Presença, 1973, p. 253 e seguintes).

66 Sendo justamente pelo fato de viverem os homens em uma sociedade pulverizada e totalmente fragmentada, onde somente as associações em que se organizavam mostravam capacidade de defender seus interesses, que as prerrogativas destas eram defendidas, conforme afirmado por Régine Pemoud, em passagem já reproduzida anteriormente, de uma forma encarniçada “e com armas na mão”, uma vez que inexistente uma instância de poder maior que sobre tal quadro fragmentado se impusesse, e que pudesse garantir os direitos dos indivíduos.

67 BURCKHARDT, Jacob. O Renascimento..., p. 107.

68 Pois conforme colocado pelo referido autor, em comentário já reproduzido quando da descrição do sistema feudal, e que se tem por oportuno relembrar: “Se, na sociedade, a produção de uma pequena ou grande gleba de terra era suficiente para atender a todas as necessidades essenciais da vida diária, do vestuário aos alimentos e implementos domésticos, se era pouco desenvolvida a divisão do trabalho, e a troca de produtos em longas distâncias, e se, concomitantemente - todos esses diferentes aspectos incluíam-se na mesma forma de integração -, as estradas eram ruins e subdesenvolvidos os meios de transporte, eram muito fraca também a interdependência das diferentes regiões. Só quando a interdependência cresceu consideravelmente é que instituições relativamente estáveis puderam ser estabelecidas, enfeixando certo número de áreas maiores. Antes

Em tal cenário de atividade econômica voltada a garantir, precipuamente, a subsistência do feudo, reduzindo os intercâmbios comerciais (e a própria circulação da moeda) a um mínimo, condições materiais não havia para a articulação de uma instância política que conseguisse manter seu poder por tempo indeterminado por consideráveis extensões de um território.

Face um contexto que poder-se-ia chamar de tendente à autarquização econômica e política, os indivíduos do medievo pensavam-se, necessariamente, sempre a partir de micro- instâncias organizacionais que lhes assinalavam e asseguravam a especificidade enquanto sujeitos determinados. Deste modo, em um mundo onde o coletivismo era o único elemento capaz de afirmar a presença do homem face outros organismos que dele igualmente pretendessem se assenhorar, não tinha o individualismo contexto realmente propício para desenvolvimento, observando-se, antes, a permanência de um meio onde eram de fato relevante apenas as micro-instâncias onde aqueles se inseriam e que efetivamente tinham o poder de dizer quais os direitos (e sobretudo as obrigações) de cada um dos homens nelas inseridos.

Apenas a superação das referidas condições materiais é que poderia possibilitar a articulação de um novo modelo de subjetividade, a um só tempo mais genérico e absoluto, no caso, é claro de ser esta incentivada pela insurgência por um novo modelo de organização sócio-política (e econômica) capaz de fazer ‘tabula rasa’ de todos os organismos que, ao delimitar a capacidade jurídica dos indivíduos, também serviam de referência para a explicação destes perante o universo concreto em que se encontravam inseridos.

Tem-se como correto enxergar tanto o surgimento do Estado-nação (cujo surgimento e expansão demandou fazer ‘tabula rasa” de inúmeras micro-instâncias de poder) quanto a afirmação de um novo modelo de subjetividade (que permitiu ao homem se enxergar como um ente passível de se entender como dotado de autonomia dos organismos a que tradicionalmente pertencera, ou visto por outro ângulo, deles fazer ‘tabula rasa’ para a sua percepção enquanto sujeito), como dois fenômenos intimamente conexos e inseridos dentro de um único (e maior) processo de transformação social, até porque, não por acaso, ambos os referidos fenômenos realizaram-se na cena ocidental dentro de uma mesma etapa histórica cujos primórdios identificam-se com a renascença.

disso, a estrutura social simplesmente não oferecia base para elas." (ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. São Paulo: Jorge Zahar, 1993, p. 33).

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Quando se afirma que a superação das instancias medievais de poder e a construção de uma nova percepção de sujeito daquelas emancipadas ocorreram dentro de um processo de transformação social maior, quer-se então atentar para o movimento de ordem econômica que as possibilitou, e que poderia ser denominado, em outros termos, de surgimento do sistema capitalista de produção.

Oportuno relembrar que o incremento das atividades financeiras, comerciais e manufatureiras encampadas pela burguesia passava pelo estímulo à criação de uma única e grande instância política, que reduzisse ao máximo aos poderes de organismos políticos menores (como, por exemplo, os feudos), cujos caprichos poderiam sempre representar (como de fato representavam) um entrave à livre circulação de mercadorias, prejudicadas ou pela excessiva multiplicação de tarifas aduaneiras impostas pelos feudos, ou pela pura e simples rapinagem por estes praticadas.

De outra feita, conforme bem observado por Elias, o desenvolvimento de uma economia monetarizada (como seria o caso daquela em que as atividades burguesas tivessem um peso cada vez maior), era o maior (para não dizer o único) meio em que o Estado poderia encontrar os meios necessários para se sustentar o aparato bélico e burocrático necessário para tomar efetiva sua presença dentro da sociedade.

A mencionada convergência de interesses políticos e econômicos, que assinala a própria consolidação da era moderna, é que possibilitou, além da construção de um novo modelo de sujeito, articulado de modo a atender os interesses que gradualmente se tomavam hegemônicos, também a realização de uma explicação (e justificação) aos indivíduos das novas posições em que passavam a ser inseridos dentro da sociedade.

A construção de um novo modelo de subjetividade, contudo, tal como o próprio processo de transformação econômica e política a partir do qual deve ser aquele compreendido, não se implementou, como é óbvio, de um jato, tendo sido o resultado gradualmente alcançado ao longo de um processo multissecular não necessariamente linear (vez que sujeito a sérias resistências, dentro de um movimento de marchas e contramarchas), e que envolveu a articulação de inúmeros esforços situados nos mais variados campos da cultura, por parte dos mais variados atores sociais.

Quanto ao novo modelo de sujeito em si, envolve a concatenação de elementos como a valorização das potencialidades do homem face o mundo, vistas como dotadas de um valor e de uma dignidade intrínseca, ainda que nem mesmo remotamente voltadas a aumentar o contato com a divindade. Note-se, então, que a própria importância cultural de estarem os

homens em contato o mais próximo possível com Deus, ainda que não neutralizada, acaba por sofrer relativo desgaste caso comparada com a nova postura instaurada a partir da Renascença, que passou a colocar perante os olhos dos homens ideais de glória ou realização pessoal totalmente concatenados com o mundo concreto, numa postura diametralmente daquela cultivada com pela mentalidade medieval.

A referida aposta nas potencialidades ‘mundanas’ do homem, ou à tendência a sua glorificação pelo alcance de realizações ou aspirações terrenas69, encontram-se umbilicalmente relacionadas com a nova forma como passou a ser visto o próprio mundo sensível (ou concreto) em que o homem encontrava-se inserido, cuja nota caracterizadora principal não seria mais a de ser sede de sofrimentos e padecimentos sem conta, e simples ponto de partida para um universo superior mais perfeito, mas sim a de um local repleto de potencialidades até então inexploradas (ou exploradas de forma insuficiente), e que deveriam ser utilizadas tendo em vista garantir a satisfação da condição humana enquanto esta ainda permanecesse neste mesmo mundo.

Com o emprego da expressão “satisfação da condição humana”, remete-se à idéia de que passa a ser o mundo interpretado e valorizado, hegemonicamente, a partir dos elementos que ele pode oferecer à satisfação humana, entendida em seu sentido mais mundano e terreno, e não do ponto de vista da alma que abrigava, até porque essa, voltada que estava para um universo transcendente - simbolizado na noção de Deus - não poderia ser satisfeita com os elementos oferecidos pelo mundo concreto.

A referida forma de perceber e justificar a existência do mundo pode ser conceituada por meio de expressão igualmente consagrada quando se fala da modernidade, e que é a “visão de mundo antropocêntrica” nela consagrada, entendida justamente como a descrição e valorização do mundo sempre tendo por ponto de referência um sujeito humano passível de

69 E citando-se mais uma vez Burckhardt, afirma este ser típico do Renascimento o resgate da importância de glória individual, tal como cultivada pelos antigos romanos nos seus escritores consagrados, valorizados sobremaneira pela intelectualidade renascentista, e que dá bem noção da importância que passava a gozar o mundo ‘mundano’ ou ‘secular’ na nova era que surgia. Ou como afirma o mencionado autor: “O desenvolvimento do indivíduo, corresponde igualmente um novo aspecto de valorização exterior: a glória moderna. Fora da Itália, as diferentes classes da sociedade viviam à parte, com as vantagens hereditárias que haviam conquistado na Idade Média, (s/c) Vê-se despontar uma sociedade homogênea que tem o seu ponto de apoio na literatura italiana e latina. Era necessário esse terreno para fazer germinar o elemento novo que ai entrar na vida. Acrescentai que os autores latinos, que começavam a ser estudados em profundidade, estão cheios da idéia de glória cujo ponto de referência, o Império Romano - aparece com um ideal para o qual deve tender. Por conseqüência, tudo o que desejam, tudo o que os italianos fazem está dominado por aspirações desconhecidas no resto do Ocidente.” (BURCKARDT, Jacob. O Renascimento..., p. 116).

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ser entendido como um elemento cuja importância ou ‘dignidade’ pode ser aceita mesmo sem se fazer nenhuma referencia a uma ordem divina.

Doravante, haveria de se processar o dominio do meio concreto pelo homem não mais pela manipulação de fatores de origem mística ou religiosa, mas, precipuamente, por meio do uso de suas capacidade intelectiva (ou racional), elemento especificamente humano que caso eficientemente empregado no estudo da natureza, poderia ser considerado como bússola segura, capaz de levar o homem às mais brilhantes realizações (até porque, se tal época pautava-se justamente pela minoração da importância de um universo transcendente, contra-senso seria tentar se promover o incremento no domínio do universo concreto, por meio de elementos que tradicionalmente afirmaram a relevância de um campo superior a este).

Com a Renascença observa-se verdadeiro congraçamento de enunciado que, nada obstante bastante antigo, iria ser valorizado a níveis desconhecidos até então, de modo a tornar-se verdadeira marca registrada de uma época cada vez mais esperançosa nas capacidades puramente terrenas dos homens, e consubstanciado na afirmação de que o

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homem é a medida de todas as coisas.

Rememorando-se observação de Jameson já referida anteriormente, e a entender a evolução histórica não como simples substituição de elementos antigos por novos, mas como o rearranjo contínuo de elementos já existentes, tem-se por oportuno que a referida visão de homem (ou de super-homem), tal como passa a ser cultivada a partir da Renascença, não surgiu de um jato nem foi o produto da concatenação de valores absolutamente iioVos dentro da tradição cultural do Ocidente.

Ao contrário, a construção daquilo que se poderia chamar de homem moderno, apesar de se iniciar com a própria consolidação da cultura renascentista, dá-se, precipuamente, por meio do resgate de valores ou idéias nunca totalmente esquecidos, porém bastante secundarizados em determinados contextos históricos.

Poder-se-ia dizer nunca ter sido esquecida, durante toda a medievalidade, a importância das potencialidades oferecidas pela razão humana, tão patente nas principais obras legadas pela tradição intelectual grega (lembre-se da própria observação de Châtelet, reproduzida anteriormente, sobre a teologia medieval, e que se entendia justamente como um

70 Homem, contudo, autonomizado e “atomizado” de uma forma desconhecida tanto da Idade antiga quanto média, vez que se conseguia considerar diferenciado dos conceitos ou ideais de Natureza ou Deus, podendo, aliás, sua valorização ser percebida de uma forma independente não só dos

esforço de se demonstrar os preceitos da fé por meio de argumentos fundados na razão), a qual, neste ponto específico, seria resgatada de forma bastante incisiva com o surgimento da modernidade.

Mesmo a atitude psicológica intranquila e consternada com os revezes da existência, que tão dramaticamente se fez sentir nos primordios do cristianismo, durante o ocaso do Império Romano (e que tanto facilitou a hegemonia de um discurso fundado em dogmas religiosos que tentavam por o homem ao abrigo de toda a incerteza), foi com a Renascença definitivamente superada por uma retomada da confiança das capacidades humanas (entre as quais figura como principal a própria racionalidade), nova postura esta que poderia, ao seu turno, ser vista de forma concatenada com a própria configuração geopolítica assumida pela Europa de então, que de destino de invasões de povos de toda a espécie, passa a ser o ponto de origem de movimentos de conquista que acabariam por colocar ao longo dos séculos praticamente todo o mundo conhecido sobre a sua incontestável supremacia.

Tentando fugir de simplificações excessivas, tem-se como importante frisar que mesmo o conceito de alma, que durante o medievo serviu de base para um sistema onde a fé e a importância do transcendente gozavam de grande prestígio (e que minorou em parte a importância das capacidades racionais do homem), originou-se, conforme já demonstrado anteriormente, em idéias encontradas em plena cultura clássica, e de certo modo, subsistiu mesmo com a derrocada da visão de mundo medieval, em uma versão laica, por meio da conservação do entendimento de que era a natureza humana dotada, pelo seu simples nascimento com vida, de um valor intrínseco que se afirma independente de qualquer interferência externa (principalmente de ordem política).71

Importante frisar também que nada obstante a construção de um novo modelo de subjetividade tal como até agora referido, ter sido feita em íntima conexão com a própria evolução das estruturas econômicas, sociais e políticas, inexistente durante todo esse processo uma única instância a qual pudesse ser atribuída a responsabilidade pela articulação do novo modelo de subjetividade. Antes, foi a construção do referido modelo o fruto da convergência

mencionados termos, como das próprias organizações coletivas que durante tantos séculos possibilitaram uma percepção relativamente “individualizada” dos seres.

Uma forma de percepção moderna de uma dignidade tida como intrínseca ao próprio homem, e

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