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para o que é vencido e o que vença Cecília Meireles 

3 O IDOSO COMO OBJETO DE ESTUDOS E POLÍTICAS

3.3 O idoso e o fenômeno da violência

Os maus tratos e a violência contra a pessoa idosa é um acontecimento antigo, mas com notoriedade recente, tanto na realidade brasileira quanto mundial. A partir da década de 1980 várias conceituações foram formuladas como maus tratos e negligência na velhice. Já na década seguinte houve um aumento significativo nas investigações científicas, tendo como escopo o entendimento das repercussões biopsicossociais que compõem a violência e maus tratos contra pessoas com 60 anos ou mais (FALEIROS, 2007; MACHADO & QUEIROZ,

2006; MINAYO, 2003).

A violência contra a pessoa idosa ainda é um tema pouco investigado empiricamente, e esse é um fenômeno social que merece uma atenção especial pelas repercussões na saúde de um grupo populacional vulnerável (LIMA et al., 2010). Trata-se de um fenômeno que transita por um campo de invisibilidades, apesar de muito frequente na dinâmica familiar da maioria das cidades do Brasil.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2004), a violência contra a pessoa idosa é definida como: "Ações ou omissões cometidas uma vez ou muitas vezes, prejudicando a integridade física e emocional da pessoa idosa, impedindo o desempenho de seu papel social." No campo da saúde essa violência é registrada como maus tratos, e seus impactos são representados no capítulo "Causas externas" da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), em que são incluídos eventos não naturais que levam à morte ou provocam lesões e traumas. Essa definição também foi detalhada pela instituição Action on

Elder Abuse, no Reino Unido, e adotada pela INPEA (International Network for the Prevention of Elder Abuse) em 2002.

O Ministério da Saúde, em 2001 (BRASIL, 2001) validou o termo "maus tratos contra idosos" como ações únicas ou repetidas que causam sofrimento ou angústia, ou ainda,

a ausência de ações que são devidas, que ocorrem numa relação em que haja expectativa de confiança, conforme proposto em Action of Elder Abuse e INPEA.

Assim como em muitos países do mundo, no caso brasileiro, as violências contra a geração idosa se manifestam em maneiras de tratá-la e representá-la, onde a discriminação tem vários focos de expressão e de reprodução. Minayo (2004) ressalta que a natureza das violências sofridas pela população idosa coincide com a violência social que a sociedade brasileira vivencia e produz nas suas relações, e introjeta na sua cultura.

Diante dessas considerações e apoiados nos estudos de Minayo (2008) sobre violência e maus tratos contra idosos, publicado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Brasil, apresentamos uma forma de classificação dos vários tipos de abuso, que é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde e utilizada por pesquisadores do mundo inteiro, que compreende: abusos físicos, abusos psicológicos, abandonos, negligências, abusos financeiros e auto-negligências.

Salientamos que a caracterização a seguir de cada forma de maus-tratos é referenciada por Minayo (2008) e se constitui como a forma de classificação adotada para fins de análise.

Os abusos físicos constituem a maior parte das queixas das pessoas idosas e costumam acontecer no seio da família, na rua, nas instituições de prestação de serviços, dentre outros espaços. O abuso psicológico corresponde a todas as formas de menosprezo, de desprezo e de discriminação que provocam sofrimento mental. Alguns exemplos de abuso psicológico são presentes quando dizemos, à pessoa idosa, expressões como essas: “Você já não serve para nada”; “você já deveria ter morrido mesmo”; “você já é a bananeira que deu cacho” ou coisas semelhantes.

Há muitas formas de manifestação do abuso psicológico: às vezes, o fazemos com palavras e outras com atos. Estudos médicos mostram que o sofrimento mental provocado por esse tipo de maus tratos pode provocar depressão e levar ao suicídio. É importante ressaltar, em relação a abusos psicológicos, que os muito pobres e dependentes financeira, emocional e fisicamente são os que mais sofrem. Isso ocorre, no caso dos doentes, porque eles não podem dominar seu corpo ou sua mente; e no caso dos muito pobres, porque não têm dinheiro para se sustentar, sendo considerados um peso para muitas famílias.

O abandono é uma das maneiras mais perversas de violência contra a pessoa idosa e apresenta várias facetas. As mais comuns constatadas pelos cuidadores e pelos órgãos públicos que notificam as queixas: colocá-la num quartinho nos fundos da casa, retirando-a do convívio com os outros membros da família e das relações familiares; conduzi-la a um abrigo ou a qualquer outra instituição de longa permanência contra a sua vontade, para se livrar de sua presença na casa, deixando a essas entidades o domínio de sua vida, vontade, saúde e seu direito de ir e vir; permitir que o idoso sofra fome e passe por outras necessidades básicas. Outras formas bastante frequentes de abandono são as que dizem respeito à ausência de cuidados, de medicamentos e de alimentação aos que têm alguma forma de dependência física, econômica ou mental, antecipando sua imobilidade, aniquilando sua personalidade ou mesmo promovendo seu lento adoecimento e morte.

A negligência é outra categoria que inclui as várias formas de menosprezo e de abandono. As negligências podem cometidas pelos serviços públicos e pela família. Por exemplo, na área da saúde, o desleixo e a inoperância dos órgãos de vigilância sanitária em relação aos abrigos e clínicas, onde o Estado não fiscaliza as instituições que fazem desse serviço um negócio e as famílias para quem é muito cômodo acreditar que tudo ficará bem com seu idoso quando o entrega num desses locais de assistência que se diz especializada. Há ainda vários tipos de negligências que ocorrem cotidianamente no atendimento dos serviços de saúde. É o caso das longas esperas em filas, dos pedidos de exames que demoram meses, quando as doenças vão avançando de forma degenerativa, por exemplo. As várias formas de

negligência dos serviços públicos têm por base a impessoalidade no trato. As negligências no contexto familiar e instituições de longa permanência, principalmente os idosos dependentes são afetados por falhas na administração de medicamentos, nos cuidados com o asseio corporal, e na adequação das casas a suas necessidades de atenção.

Os abusos financeiros se referem, principalmente, às disputas de familiares pela posse dos bens ou a ações criminosas cometidas por órgãos públicos e privados em relação às pensões, aposentadorias e outros bens da pessoa idosa.

Espíndola e Blay (2007) ressaltam que, do ponto de vista da saúde global, as diferentes formas de violência contra o idoso comprometem sua qualidade de vida, acarretando somatizações, transtornos psiquiátricos e morte prematura.

Nesse contexto, esta revisita à literatura abordando o idoso como objeto de estudos e políticas, envolvendo o fenômeno da violência, bem como as formas como estas se expressam na sociedade atual constituem-se uma oportunidade para se conhecer o processo de envelhecimento populacional e a sua relação com a violência, na busca de somar esforços junto às instâncias competentes, vislumbrando a melhoria da qualidade de vida dessa população, o respeito ao atendimento público, ao cuidado na saúde, à segurança pública e às noções de cidadania.

                                                                           

Capítulo 4

Marcos teóricos

Salva-me, Senhor, do horizonte sem estímulo ou recompensa

onde o amor equivale à ofensa.