• Nenhum resultado encontrado

IGUALDADE, DIREITO E DIREITOS HUMANOS

A igualdade é um dos princípios fundamentais para a realização dos direitos humanos e sua carta primeira, fundacional e histórica, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, ao completar 60 anos, permanece viva em seu espírito desafiador ainda a ser realizado e a ser alcançado:

# ) Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação uma às outras com espírito de fraternidade.

# – Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.

O princípio fundamental da igualdade, estabelecido na declaração, não é estático e sim marcado pelo seu tempo histórico, pelas lutas de diferentes movimentos sociais, com destaque para o importante aporte teórico crítico do feminismo acerca do conceito de igualdade, diferença e discriminação, cuja contribuição está em buscar a efetividade destes direitos, mais além da mera descrição formal:

Sin embargo, existen dudas sobre la universalidad y la efectividad de tales derechos, sobre todo si tomamos en cuenta que para que los derechos humanos sean efectivos, deben ir más allá de la esencia normativa y textual, y convertirse en parte de la cultura jurídica de una sociedad dada.( SÁNCHEZ, 2003, p. 2).

A Declaração de Viena, 1993, confirma e explicita que ‘os direitos das mulheres são Direitos Humanos’ e que cabe aos Estados signatários a obrigação de proteger e promover estes direitos, implementando políticas públicas para eliminar os obstáculos que persistem para o pleno desenvolvimento das mulheres e, assim, traçar estratégias e ações para a superação das desigualdades e injustiças de gênero.

Os direitos das mulheres são direitos humanos – explicitados assim, evidenciam o desafio e o paradoxo da desigualdade de gênero, principalmente quando remete)nos aos ideais e pressupostos democráticos de liberdade e igualdade cujo conceito suscitou diferentes perspectivas, em diferentes correntes do feminismo.

O conceito de igualdade foi suplantando pelo de equidade, considerando)se assim, a diversidade e pluralidade de sujeitos, quando defendemos os direitos humanos das mulheres.

A formulação de novas dimensões de direitos, como os direitos sexuais e reprodutivos contribuem para avançar na conceituação e pactuação em torno de novos paradigmas éticos em que as desigualdades de gênero, raça/etnia, orientação sexual, dente outros, sejam consideradas em suas especificidades, tornando)se parâmetros para a efetivação de políticas públicas.

Estas novas formulações no campo dos direitos humanos tornam) se importantes estratégias discursivas para incidir no debate público e na argumentação política, legitimando direitos no campo da vida privada, espaço tradicional de ausência de reconhecimento de direitos, de privação, controle e subordinação para as mulheres.

3. 3 O DIREITO E A DESIGUALDADE DE GÊNEROS

Historicamente os direitos humanos estão em permanente construção, eles não nascem todos de uma vez, nem de uma vez por todas, segundo Norberto Bobbio:

Os direitos do homem são direitos históricos, que emergem gradualmente das lutas que travamos por nossa própria emancipação e das transformações e condições de vida que essas lutas produzem e a sua fonte primária ) a pessoa humana essencialmente um ser histórico ) atua e amplia o conceito de direitos, demandando novos reconhecimentos. (BOBBIO, 1990, p.56).

Direitos partilhados são construções sociais e como tal, refletem a história passada, a herança cultural e a arena política, marcada por disputas, conflitos, avanços e conquistas, também sofrem retrocessos, revelando os nós, os pontos de inflexão e de resistência a mudanças, atuam mantendo desigualdades e discriminações, estruturadas no patriarcado androcêntrico, amparado pelo direito e por suas instâncias.

A tensão entre a permanência e mudanças no campo do direito, através de novas formulações legais e protetivas, gestadas por organizações políticas feministas, contribuem para a elaboração e aprovação de leis com o objetivo de corrigir, coibir, superar e erradicar práticas que violentem os direitos humanos de meninas e mulheres. Novas legalidades e novas interpretações jurídicas não são nem um dado, nem fruto de processos históricos contínuos, e sim produto do conflito, da negociação e da correlação de forças no campo político.

Novas normativas favorecem a promoção da eqüidade de gênero, mas não garantem sua aplicabilidade; fatores tais como a interpretação e a ausência de formação crítica com enfoque de gênero, se configuram em um obstáculo concreto à consecução da proteção por parte do Estado, quando expresso por operadores de direito no exercício público de suas atividades.

Mudanças legais, embora extremamente importantes, são insuficientes para garantir o respeito e a tolerância, essenciais para o reconhecimento de novos sujeitos de direitos, numa perspectiva plural e democrática.

As desigualdades de gênero na história estão refletidas nas normas e nas leis, inscritas nas subjetividades coletivas como representação de uma natural dicotomia e assimetria entre mulheres e homens, essencializando o feminino por sua

capacidade reprodutiva e biológica, atribuindo ao masculino o status de referente universal, culturalmente valorizado.

A universalidade, normativa, racional e objetiva, se traduz concretamente em desigualdades, invisibilizando as diferenças de reconhecimento, de oportunidade, de acesso e de recursos segundo o gênero, as diferentes identidades sexuais, o pertencimento à classe social, a raça/etnia, a escolaridade e a capacidade de exercer e exigir direitos.

Classe, raça/etnia, identidades sexuais, entre outras, são categorias analíticas nos ajudam a compreender a realidade, desnaturalizam as diferenças, desafiam o universalismo dos direitos fundamentais, e trazem à luz o androcêntrismo e o sexismo presente na teoria jurídica.

Novas formulações legais, como a lei que tipifica o crime de violência doméstica em vigor desde 2006, ou a histórica luta pela descriminalização do aborto clandestino, estão inscritas em processos de lutas por direitos e reconhecimento. A aprovação da Lei 11340/0625, conhecida como Lei Maria da Penha, trilhou um longo caminho e significou uma importante conquista no enfrentamento da violência de gênero na vida das mulheres, em particular a violência vivida no âmbito da vida doméstica e familiar. Porém, após a aprovação de novas leis, mecanismos de implantação, difusão e garantias para sua aplicação precisam ser adotas. Trata)se de um processo, que não se encerra com aprovar e sancionar a lei.

Para garantir o acesso à justiça, na perspectiva dos direitos humanos das mulheres, somente o aumento da representação das mulheres nos espaços do poder do judiciário não é suficiente, tampouco chega a ameaçar ou desconstruir o sistema excludente e sexista que ampara e dá sustentação ao patriarcado através do direito e da aplicação das leis, fundadas no universal masculino.

No cerne deste referente universal masculino, encontra)se a premissa de um domínio que busca se perpetuar através das instituições, das leis, do monopólio dos recursos materiais e simbólicos: o poder patriarcal. Para Gabriela Bonacchi é a partir do feminismo que este parâmetro torna)se instável:

25

A Lei 11340/06 Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

[...] a crítica feminista desmascarou esse universalismo aparente, mostrou o caráter particular desse sujeito que se pretendia universal: o ponto de vista oculto por trás do ser abstrato da metafísica é, na realidade, o ponto de vista extremamente concreto do homem ocidental adulto, branco e proprietário. (FOLHA DE SÃO PAULO26, Bonacchi,1998).

Identificar o impacto negativo da desigualdade de gênero27 para as mulheres e desnaturalizar o referente universal masculino ) parte constituinte e constituída pela ideologia patriarcal dominante, é fundamental para o reconhecimento dos direitos humanos das mulheres como forma de ruptura com culturas que naturalizam as desigualdades, as discriminações e as violações de gênero.