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O STATUS JURÍDICO DO FETO E A DISCUSSÃO MORAL ACERCA

A discussão sobre quando se inicia a vida e acerca dos direitos ou interesse do feto, tem um aspecto moral e/ou religioso que gera conflitos e, por vezes, inviabiliza o debate. Quem poderá regular esta questão e como normatizar a prática do aborto, segundo critérios que levem em conta referentes éticos, médicos, jurídicos e os interesses individuais?

Normalmente vemos confrontadas duas formas opostas e excludentes de defesa, de um lado os que defendem o nascituro, atribuindo)lhe direitos que se sobrepõem aos direitos da mulher ) conhecidos como pró)vida; de outro a defesa da autonomia e do direito ao próprio corpo, defendido pelo movimento feminista, pró) escolha e por médicos, juristas, pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento.

Freqüentemente o problema é apresentado como um falso dilema: ser contra ou a favor do aborto, ou em outros termos, ser contra ou a favor da vida, exposta dessa forma simplista, torna o debate tendencioso e nos leva ao erro e a impossibilidade do diálogo.

Esta é uma discussão falaciosa, que tende a identificar a ação dos defensores da descriminalização como seres amorais e que banalizam a vida. Não é possível ser a favor do aborto – ou contrário, pensado assim de forma hipotética, abstrata. Cada decisão reprodutiva deve ser fruto de profunda reflexão. As mulheres que se vêem diante da decisão do aborto a vivem permeada por conflitos éticos, morais, religiosos, econômicos, de projeto de vida; e somente a pessoa que está diante deste dilema, pode efetivamente decidir se a interrupção é a melhor escolha ou assumir o ônus da continuidade de uma gestação não planejada ou não desejada inicialmente.

Este falso dilema vem sendo desconstruído, e o foco da discussão é o princípio ético da dignidade humana, do direito a uma vida livre de violência e do direito à saúde para as mulheres, com o direito à maternidade digna, fruto da ação humana e da escolha.

Ninguém é a favor do aborto. Não é possível ser contra ou favorável a uma hipotética situação vivida por outrem. Mas o aborto é um fato social, uma realidade e uma possibilidade na vida das mulheres durante sua vida reprodutiva, independente de nossas convicções pessoais.

Nem todo aborto é fruto do desejo, mas da necessidade que se manifesta em mil razões, sejam elas econômicas, afetivas, de saúde, de projetos de estudo ou trabalho, entre inúmeras outras.

Pode)se ser favorável a um modo de vida social que aceite a diversidade de pensamento, de religião, de crenças, de moralidades e que cada pessoa possa ser guiada por sua consciência e capacidade moral para solucionar conflitos íntimos.

Uma sociedade que garanta a liberdade de escolha no campo reprodutivo, e que esta autonomia possa ser exercida sem violência, preconceito e discriminação. E que as crenças religiosas possam ser vividas no âmbito da vida privada, e não seja fator de determinação de leis e de políticas públicas, que por definição são vocacionadas para todas as pessoas.

O direito de eleger quando exercer a maternidade, uma vez já iniciada a gestação, traria implícita a possibilidade última de interrupção como expressão máxima da liberdade, no sentido pleno do direito de escolha.

O Filosofo do direito Ronald Dworkin (2003), em seu livro Domínio da Vida – aborto, eutanásia e liberdades individuais, referência para os que pensam a questão do aborto, aborda o problema e nos convida a refletir numa perspectiva racional e crítica.

No que tange ao problema prático do aborto, o enfoque proposto por Ronald Dworkin (idem),oferece)nos uma perspectiva interessante, deslocando do centro do debate a polarização de cosmo)visões, e estabelecendo a distinção entre moralidade e legalidade.

É legitimo compreender os posicionamentos antagônicos: os que reconhecem os direitos relativos ao feto, bem como o direito de escolha para as mulheres exercerem a liberdade moral e a autonomia individual; considerando não ser possível revelar a verdade sobre quando principia a vida, podemos racionalizar estes processos, de modo a hierarquizar interesses e conciliar as diferentes perspectivas, o que nos leva à proteção progressiva do feto e a liberdade relativa das mulheres na fase inicial da gestação.

Em sua argumentação, Dworkin (ibdem), revela que o que está efetivamente em discussão não é exatamente a vida do feto, mas a sacralidade da vida, o valor intrínseco da vida humana que latente, existe em cada embrião, assim como em uma semente repousa a promessa de uma árvore. Ele afirma que a questão moral em torno do aborto se dá em saber se um embrião fertilizado já é uma criatura humana com direitos e interesses próprios, tese que ele mesmo refuta de forma inquietante.

O filósofo parte do questionamento de natureza moral: “o feto tem interesses que devem sem protegidos por direitos, inclusive pelo direito à vida?” E caso tenha ou não tenha interesses, sua vida dever ser considerada sagrada? Para o autor, não precisamos decidir se o feto é uma pessoa ou não para responder a estas questões. Dworkin parte da concretude do aborto e de suas correlações e implicações, para pensá)lo filosoficamente, complexificando a bipolarização em torno da interrupção voluntária da gestação. Em uma linha que vai do conservador – ao liberal, ele considera que todos pressupõem que a vida humana tem em si mesma um valor intrínseco. Demonstrar respeito à sacralidade da vida ‘exige ponderação e

equilíbrio, e não uma afirmação da prioridade automática da vida biológica de um feto sobre a vida plenamente desenvolvida de uma mulher.

Este enfoque é fundamental para propiciar o diálogo e buscar a construção de consensos democráticos para o problema do aborto, principalmente no que tange às questões morais e éticas.