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A igualdade entre homens e mulheres: critérios de identificação do respeito ou desrespeito à igualdade de gênero

5 O ARTIGO 384 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO EM FACE DO ARTIGO º, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

5.1 A igualdade entre homens e mulheres: critérios de identificação do respeito ou desrespeito à igualdade de gênero

O gênero (sexo) diz respeito não só à discriminação contra a mulher, mas também à discriminação positiva (a seu favor). Inúmeros textos legislativos, nacionais e internacionais, vedam a adoção de medidas discriminatórias contra a mulher no trabalho, conforme destacado no capítulo 3 desta pesquisa.

Sobre a legislação pátria, destacam Fabíola Marques e Cláudia José Abud82:

Atualmente, poucos são os dispositivos legais que distinguem o trabalho do homem e o da mulher.

O Código Civil de 1916 considerava a mulher incapaz. Seguindo esta orientação, o art.446 da CLT presumia autorizado pelo marido o trabalho da mulher casada. O marido tinha o direito de pleitear a rescisão do contrato de trabalho de sua esposa, se o emprego viesse a acarretar prejuízo aos vínculos da família ou perigo manifesto. A Lei nº7.855, de 24/10/1989, revogou o art.446 da CLT. Consequentemente, a mulher casada não mais necessita de autorização para obter trabalho. Ademais, desde a Lei nº 4.121, de 1962 (Estatuto da Mulher Casada), a mulher passou a ser considerada plenamente capaz.

O art.5º, I, da Constituição Federal, dispõe: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos trabalhadores e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos

desta Constituição.”

A Consolidação das Leis do Trabalho dedica um capítulo específico às “Normas de Proteção do Trabalho da Mulher”.

Algumas destas normas foram revogadas pela Constituição Federal de 1988; contudo, a CLT mantém dispositivos que protegem o trabalho da mulher para evitar toda e qualquer forma de discriminação.

A regra da não-discriminação, no âmbito trabalhista, esteve presente no Tratado de Versalhes (1919), estabelecendo que o trabalho igual deve ter salário igual, sem distinção de idade, sexo, estado civil, religião ou ideais políticos e passou a inspirar a legislação trabalhista dos países signatários, inclusive do Brasil.

Relevante notar que o artigo 5º, I, da Constituição Federal de 1988, em cujo teor “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, não se trata de regra de mera isonomia formal. Não é igualdade perante a lei, mas igualdade em direitos e obrigações. Significa que existem dois

termos concretos de comparação: homens de um lado e mulheres de outro. Onde houver um homem e uma mulher, qualquer tratamento desigual entre eles, a propósito de situações pertinentes a ambos os sexos, constituirá uma infringência constitucional.

Essa igualdade está também contemplada em todas as normas constitucionais que vedam a discriminação de sexo (artigos 3º, inciso IV, e 7º, inciso XXX, por exemplo). Mas não é sem intenção que o Constituinte decidiu destacar, em um inciso específico (art. 5º, inciso I), que homens e mulheres são iguais em direitos

e obrigações.

Aqui a igualdade não se refere apenas ao confronto entre marido e mulher. Abrange também essa situação, que, no entanto, recebeu uma formulação específica no artigo 226, §5º: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Percebe-se que o próprio ditame constitucional que embarga a desequiparação por motivo de raça, sexo, trabalho, credo religioso e convicções políticas, nada mais faz que colocar em evidência certos traços que não podem, por razões preconceituosas, ser utilizadas como fundamento para discriminação.

O artigo 5º, caput, ao exemplificar com as referidas hipóteses, apenas pretendeu encarecê-las como insuscetíveis de gerarem, por si só, uma discriminação. Vale dizer: recolheu na realidade social elementos que reputou serem possíveis fontes de desequiparações odiosas e explicitou a impossibilidade de virem a ser utilizados.

Não obstante, a própria Constituição Federal de 1988 possui artigos que tratam desigualmente homens e mulheres.

Consoante analisado no capítulo 2 há, resumidamente, três critérios que devem ser observados para evitar-se a quebra do princípio da igualdade:

a) o primeiro tem relação com o elemento tomado como fator de desigualação;

b) o segundo reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discriminação e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; e

c) o terceiro refere-se à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional.

Como já antecipado, a recepção ou não recepção do artigo 384 da CLT pela Constituição Federal de 1988, em face do disposto no inciso I, do artigo 5º, depende da análise da existência ou não de correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discriminação (diferença entre homens e mulheres) e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado (descanso previsto no artigo 384 da CLT). Se entendermos que há correlação lógica, devemos concluir pela recepção do artigo 384 da CLT; se entendermos que não há correlação lógica, devemos concluir pela não recepção do artigo 384 ou pela sua extensão aos homens.

Um caso interessante na proteção ao trabalho da mulher e que pode ser utilizado por analogia diz respeito à carga de peso que se pode exigir de uma empregada para movimentação durante a jornada de trabalho. Enquanto a limitação para o homem é de 60 quilos (artigo 198, caput, da CLT), para a mulher a restrição ficou em 20 quilos para o trabalho contínuo (artigo 390 da CLT), o que foi estendido ao adolescente de qualquer sexo (artigo 405, §5º, da CLT).

No caso em análise, o legislador partiu da premissa de que a massa muscular feminina é sempre mais frágil do que a masculina, justificando assim a proteção mais incisiva.

Outro caso similar de proteção à mulher segundo o qual “havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical”.

Referido artigo, assim como o artigo 384, não foi revogado pelo legislador ordinário.

Com relação a esse artigo, entende Homero Batista Mateus da Silva83:

Ao que parece, o caminho a ser percorrido pelo art. 386 é idêntico àquele do art. 384: a) tese da completa recepção, em homenagem ao organismo feminino mais frágil e menos capaz de realizar horas extras (evita-se acrescentar o argumento de que a mulher precisa tomar conta do lar aos domingos, pelas razões acima já expostas quanto à mudança da sociedade

83 SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado, v.3: segurança e medicina do trabalho, trabalho da mulher e do menor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.163.

nos últimos decênios e quanto à soberania da própria mulher em tomar essa decisão); b) tese da completa não recepção do dispositivo, por ausência de fator de discriminação e por reversão das conseqüências contra a finalidade da norma, a qual, ao invés de zelar pelo bem-estar da mulher, inibe a colocação no mercado de trabalho; c) tese intermediária, que admite a recepção do art. 386, mas desde que ampliado também para os homens.

Sobre a possibilidade de diferenciação entre os gêneros, acrescenta Homero Batista Mateus da Silva84:

No caso da separação por gênero, a presunção é relativa, mas foi alçada ao patamar de proteção absoluta, porque nem o empregado, nem o empregador podem tentar comprovar o contrário: o empregador não pode oferecer vaga de emprego de carga e descarga de mercadorias acima de 20kg para as mulheres, nem pode o empregado do sexo masculino recusar- se a movimentar carga abaixo de 60kg (ressalvando-se, neste caso, a situação excepcional da determinação médica ou de reabilitação previdenciária, mas a exceção aqui apenas confirma a regra).

Será que poderíamos usar o mesmo raciocínio da força física feminina e juvenil versus a força física masculina adulta e, ainda, adotar a distinção como presunção absoluta?

Temos de usar esse raciocínio se quisermos manter intacto o art. 384 da CLT, pois, do contrário, ele estará fadado ao esvaziamento e à não recepção pelo art. 5º, inciso I, da Constituição Federal.

Destarte, se entendermos que para o exercício de qualquer atividade ou trabalho homens e mulheres não são iguais, por fatores físicos, biológicos, sociológicos ou qualquer outro, a diferenciação prevista no artigo 384 da CLT é válida e foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988; se entendermos que não, referido artigo não está vigente.